Aliados | Os espiões mais elegantes da 2ª Guerra Mundial
Brad Pitt e Marion Cotillard são um sonho de glamour clássico em Aliados, onde interpretam os espiões mais elegantes da 2ª Guerra Mundial já vistos no cinema.
Apesar da geral qualidade e beleza de Aliados, o ponto alto deste novo drama de Robert Zemeckis chega logo numa das suas primeiras cenas, quando Max Vatan encontra, pela primeira vez, a magnética e deslumbrante Marianne Beauséjour. Ambos são espiões, ele canadiano e ela francesa, que estão em Casablanca para levar a cabo uma perigosa missão de assassinato sob o disfarce de um apaixonado casal parisiense. Nesta maravilhosa cena, Brad Pitt deambula por um clube noturno em busca da sua “esposa”. Os seus olhos fixam-se então numa mesa, onde, de costas para ele, se encontra uma mulher vestida de violeta e com uma echarpe de seda disposta sobre a cadeira. No lustroso material, um colibri encontra-se pintado à mão e, quando a câmara desliza sobre as costas abertas do vestido da mulher, ela vira-se, revelando a face perfeitamente maquilhada da mais bela atriz francesa da atualidade, a incomparável Marion Cotillard.
Por muito polida que seja a direção classicista de Robert Zemeckis, são os figurinos concebidos por Joanna Johnston que realmente comandam este momento. As costas do vestido ditam a direção do olhar e o material levemente metálico da peça mantém o interesse visual e enquadra a face de Cotillard, mesmo na escuridão das ruas marroquinas. Cada segundo da narrativa é assim delineado e contrabalançado pela evolução do vestuário e essa influência estende-se mesmo ao desenvolvimento das cenas individuais. Não é, portanto, de surpreender que, para manter completo controlo sobre este discurso estético, Johnston tenha criado todo o guarda-roupa de raiz. É certo que, no início, a figurinista ainda tentou usar peças vintage, mas depressa abandonou essa ideia, preferindo seguir os métodos de trabalho dos grandes estúdios de Hollywood de outros tempos, onde génios como Adrian e Orry-Kelly vestiam as estrelas com um glamour quase sobre-humano.
Para a primeira parte de Aliados, passada nas aventuras marroquinas destes espiões, dois filmes de 1942 evidenciaram-se como imprescindíveis fontes de inspiração e referências visuais. Eles foram Casablanca, uma escolha óbvia, e Now Voyager, um requintado melodrama protagonizado por uma transformativa Bette Davis. Esse segundo título quase tem direito a uma referência direta sob a forma de um vestido creme e azul que Cotillard enverga aquando do primeiro passeio diurno que Max e Marianne fazem pelas ruas solarengas da cidade árabe. Nessa cena, duas linhas de pensamento regem as escolhas estilísticas, para além da já referida homenagem a Davis. Elas são a harmonia visual do par de espiões, cujas roupas são efetivamente figurinos usados para transmitir a ideia de um inocente casal enamorado, e novamente o modo como as linhas e cores das roupas guiam os olhos do público. Primeiro, em plano geral, o padrão geométrico da saia de Cotillard destaca o casal no meio das ruas, mas, quando a cena se torna mais tensa e passa para um registo de plano médio, a simplicidade cromática do seu figurino e o dramatismo do chapéu, forçam o olho a focar-se nas expressões faciais da atriz.
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De ponto de foque a ferramenta de enquadramento, estes figurinos são quase corealizadores de Aliados e isso apenas se vai acentuando à medida que a missão dos dois protagonistas se vai aproximando do seu fulgurante clímax. Cenas como um passeio no deserto, por exemplo, são sempre marcadas pela perfeição artificial das vestimentas, sugerindo a performance constante. Não é por acaso que os figurinos preferidos de Cotillard e Johnston provêm desta primeira fase da narrativa. Curiosamente nenhuma delas escolheu o magnífico vestido em seda verde-água que Marianne enverga para a matança final, mas sim um casual conjunto de traços militaristas no caso da atriz e um negligé de seda complementado com um robe floral no caso da figurinista. Este último é um conjunto de particular destaque pois, quando a genuína relação amorosa dos dois agentes é colocada numa situação de crise, os motivos florais repetem-se, ecoando simultaneamente o florescer da sua paixão como a falsidade que ditou as suas primeiras interações.
O leitmotiv do padrão floral e sua delicadeza feminina tornam-se ainda mais declarativos se tomarmos em consideração o modo como a estética de Aliados sofre uma transformação radical quando a ação dá um salto temporal e geográfico do início de um romance profissional em Casablanca para o idilismo de uma vida doméstica na Londres do Blitz. Do glamour decadente dos ricos e infames que passam a vida em clubes noturnos marroquinos, o filme passa a ser povoado por uniformes militares canadianos e britânicos, enquanto o guarda-roupa dos dois protagonistas abandona o luxo casual de outrora em prol de um conforto inglês onde reinam as cores quentes e os padrões. O último suspiro das sedas em cor sólida e linhas delicadas dos tempos em Casablanca é o casamento de Marianne e Max, onde a noiva enverga um vestido de seda azul e adornos florais sobre a cabeleira imaculadamente laqueada.
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Para esta secção londrina da narrativa, Johnston apoiou-se mais numa pesquisa factual, especialmente no que diz respeito ao vestuário masculino e aos uniformes militares. No entanto, mesmo que seguindo matriz histórica, a figurinista não abandonou por completo a estética estilizada e híper-glamourosa dos filmes da era dourada de Hollywood. Note-se como todos os uniformes estão impecavelmente cortados para assentar no corpo dos atores e como mesmo o mais modesto conjunto de Brad Pitt denota uma aparência curada e executada com o máximo luxo potenciado pela mestria da alfaiataria inglesa. A hegemonia da elegância em Aliados chega ao seu píncaro de impraticabilidade absurda, mas sempre sedutora, quando Max passa uma noite em território francês ocupado. Pode estar em modo de intrépido herói de ação, mas este espião nunca descura no estilo, com um elegante casaco de aviador, botas polidas e um penteado em que os poucos cabelos fora de sítio parecem ter sido assim dispostos para acrescentar um certo charme malandro.
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Pela sua parte, as roupas de Cotillard mantêm a mesma condição de figurino dentro da narrativa. A grande distinção é que agora Marianne já não está a encarnar o papel de uma femme fatalle gálica mas sim a viver a personagem de uma dona-de-casa. Sofisticado mas doméstico, o seu guarda-roupa reflete as linhas estéticas de austeridade e elegante contenção das modas inglesa do período de guerra, denotando também a abundância de padrões e tecidos grossos, que simultaneamente indicam a sua nova condição de vida como sub-repticiamente apontam para um crescente conflito. O mais interessante conjunto nesta parte do filme é um par de calças escuras usadas com uma blusa axadrezada durante uma festa. Esta escolha de vestuário remete para uniformes masculinos, distinguindo-a de todas as outras mulheres em cena, ao mesmo tempo que as cores quentes a camuflam dentro da sua casa. Ela é, ao mesmo tempo, uma figura alienante e camaleónica dentro do teatro doméstico e os segredos que são sugeridos por essa contradição estilística acabarão por resultar em terríveis consequências.
No final, é seguro concluir que Aliados é um dos filmes mais elegantes do ano. O trabalho de Joanna Johnston sugere a homenagem a uma Hollywood de outrora, onde até os mais sufocantes thrillers ou dramas humanos eram vestidos com todo o requinte que os estúdios conseguiam conjurar. Por outras palavras, ao envergarem estilos reminiscentes de Humphrey Boggart, Cary Grant, Lauren Bacall e Bette Davis, Brad Pitt e Marion Cotillard raramente estiveram mais atraentes no grande ecrã. Só é pena que, com a predominância de uniformes e o foco míope no conflito do casal principal, não haja muitas figuras secundárias para injetar alguma variação estilística. A presença passageira e caótica de Lizzy Caplan traz alguma promessa de divertimento idiossincrático, mas ela nunca tem screentime suficiente para conseguir alcançar isso. Enfim, é uma crítica minúscula e bastante insignificante quando comparada com a supernova de elegância inebriante edificada por uma das melhores figurinistas da atualidade.
ESBOÇOS DOS FIGURINOS DE ALIADOS:
Em relação à Awards Season que está agora a começar, Aliados não parece destinado a deixar grande marca. No entanto, uma indicação ao Óscar de Melhor Guarda-Roupa não parece completamente fora de questão. O que te parece?