Antes da Meia-Noite, em análise

Before Midnight - poster
  • Título Original: Before Midnight
  • Realizador: Richard Linklater
  • Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy
  • ZON | 2013 | Romance/Drama | 108 min

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Pensa nisto: avança dez, vinte anos, e és casada. Mas o teu casamento não tem a mesma energia que costumava ter. Começas a culpar o teu marido, e a pensar sobre todos aqueles rapazes que conheceste na tua vida e sobre o que aconteceria se tivesses escolhido um deles, não é? Bem, eu sou um desses rapazes. Sou eu, portanto pensa nisto como uma viagem no tempo, de lá para agora, para descobrires o que estás a perder.” – diz Jesse (Ethan Hawke) a Celine (Julie Delpy), com o intuito de a convencer a abandonar o comboio em Viena, há 18 anos atrás.

Agora que usufruímos de um campo de visão mais amplo sobre a história de Jesse e Celine, é difícil crer que esta trilogia que agora termina, não tenha sido planeada na sua totalidade já em 1995. Porque se assemelha a uma grande e complexa máquina, onde não há um único erro no encaixe de uma qualquer das componentes, durante a sua construção.

Before Midnight

Em 1995, o realizador Richard Linklater estava longe de imaginar que a sua encantadora história de amor se tornaria num indie americano de sucesso. Before Sunrise contava-nos então como se deu o encontro entre Jesse e Celine, dois jovens que se conhecem num comboio e que vivem um amor inesperado em Viena. Mas o final ingrato de Before Sunrise abriu espaço para uma sequela, dado que Jesse e Celine combinaram um encontro no mesmo local, seis meses depois. Mas só nove anos mais tarde – no tempo narrativo e no tempo real -, é que Celine se reencontra com Jesse em Paris, em virtude do lançamento do livro autobiográfico que Jesse escreveu, inspirado na fugaz história que viveram. E aí debatem-se sobre os erros que cometeram quando eram jovens e a forma como os nove anos que os separaram mudaram a orientação das suas vidas.

O desfecho inconclusivo de Before Sunset deixou no ar a possibilidade de existir um derradeiro filme que completasse o arco narrativo de Jesse e Celine. E aqui estamos hoje, novamente nove anos depois, na presença de Before Midnight: com a mesma frescura, inteligência e doçura dos seus antecessores, mas com uma dose considerável de maturidade e densidade psicológica.

Em “Antes do Amanhecer”, Jesse evocava uma hipotética ‘viagem no tempo’ que levava Celine do futuro para o presente com a finalidade de encontrar o amor. Em “Antes da Meia-Noite”, Jesse, perto do fim, repete o procedimento mas com um intuito diferente: o desígnio de reparar um amor fragilizado que havia sido descoberto através de uma outra ‘viagem no tempo’.

Before Midnight (1)

Encontramos então em Jesse e Celine um casal já formado e pais de duas gémeas. Vivem em Paris, mas estão na Grécia a passar férias de Verão com as filhas e com o filho de Jesse, Henry, que está de partida para os EUA a fim de regressar para a sua mãe.

Depois de dois filmes concentrados numa mágica relação amorosa e no deambulismo dos dois protagonistas pelas cidades de Viena e Paris, onde os diálogos eram quase exclusivamente dedicados a Ethan Hawke e Julie Delpy, o terceiro capítulo marca o ponto crítico dessa relação. A diferença em “Antes da Meia-Noite” está na revolução psicológica, emocional e física na vida dos nossos protagonistas e na forma como as suas vidas se tornaram complicadas e rotineiras.

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O filme abre com Jesse a despedir-se do filho no aeroporto, e não com um plano de Jesse ao lado de Celine. E até sensivelmente a meio da sua duração, Richard Linklater contraria o pensamento daqueles que poderiam imaginar que “Antes da Meia-Noite” seria uma viagem pela Grécia onde se falaria durante hora e meia sobre o amadurecimento dessa relação. Linklater separa Jesse de Celine durante grande parte do primeiro ato, sendo essa a primeira evidência de uma relação na eminência do desgaste. Até a escolha do local para a rodagem está repleta de simbolismo: a paisagem grega dominada por um negativismo derivado da grave situação económica presente na Grécia, contrasta com o Viena e Paris que eram os símbolos do amor latente de que os unia.

Esse aprofundar de uma relação débil conduz o filme para algumas conclusões e ensinamentos que não estão ao alcance de qualquer filme romântico. Porque na verdade o que vemos não é um romance, mas sim um anti-romance cheio de mesquinhices e atulhado de problemas, mas com uma autenticidade atroz que confunde em diversos momentos a ficção com frações da realidade de cada um dos espectadores.

A principal conclusão que retiramos de “Antes da Meia-Noite” é que uma relação equilibrada e saudável requer sacrifício mútuo para sobreviver, algo evidenciado por Jesse quando diz “Eu estou a dar-te toda a minha vida. Eu não tenho nada maior para dar“. É esse o tour de force do casal na tentativa de evitar a auto-destruição precoce.

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Richard Linklater, há 18 anos atrás, já nos havia confrontado com as problemáticas que coloca em jogo neste capítulo final. Mas desta vez convida-nos a fazer uma retrospetiva sobre 18 anos que passaram, e as coisas que mudaram na vida daqueles dois.

Tal como nos seus antecessores, “Antes da Meia-Noite” goza de um argumento dinâmico e extremamente rico, com diálogos fascinantes sobre temas como a vida, o amor, o casamento, a rotina, a família, as escolhas que fazemos ou o compromisso eterno. Em jeito de “Who’s Afraid of Virginia Woolf?”, o doloroso e impactante último ato transpira genialidade e humor sádico que provém essencialmente da sua linguagem verbal. A escolha minuciosa das palavras e as sequências de diálogos mereciam, no mínimo, uma nomeação aos próximos Óscares em 2014.

Torna-se também fascinante observar o crescimento dos protagonistas. Julie Delpy e Ethan Hawke são o caso paradigmático de atores que evoluem na mesma medida dos seus personagens. É interessante observar como eram há 18 anos e como agora se transformam com duas poderosas interpretações repletas de genuinidade.

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Antes da Meia-Noite” é a definição mais concisa daquilo a que hoje podemos chamar de ‘obra-prima’, e é também a derradeira prova de que o Cinema americano está muito longe de se resumir a blockbusters inconsequentes.

É uma viagem no tempo, do passado para o presente. Não só uma viagem do amor autêntico que Jesse e Celine partilham, mas uma jornada de todos aqueles que contemplaram a sua história através dos tempos, e se sentem parte dela.

Alguém uma vez afirmou que o maior sonho de um verdadeiro cinéfilo seria poder voltar a ver o seu filme favorito e admirá-lo como se fosse a primeira vez. É esse o sentimento que permanece depois de ver “Antes da Meia-Noite”.

DR



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