Esquadrão Suicida, em análise
Esquadrão Suicida foi a aposta imediata da DC Comics para combater a receção morna da aspeza e sombriedade de Batman v. Super-Homem. Terá o filme de David Ayer resistido ao peso da própria responsabilidade?
No cosmos ficcional da verdade cinematográfica, heróis com inauditas habilidades e vilões com aterradoras intenções enfrentam um inimigo comum de temperamento imprevisível e crueldade imensurável: a expectativa.
Surgindo como a evocada bandeira de salvação da austera visão da DC Comics, Esquadrão Suicida, comunicado como um explosivo e colorido blockbuster alimentado a néon e insanidade, partia para 2016 como um dos filmes mais aguardados do ano. Como em tantas outras ocasiões, o grau de antecipação tinha-se tornado manifestamente nocivo, tendo a produção atravessado um oceano de dificuldades penosas de suplantar.
Tudo começou ainda antes do início – a data de estreia da produção foi anunciada ainda antes de haver um argumento, o que levou a que David Ayer, o realizador, tivesse de escrever o mesmo num tempo record (e ingloriamente apressado) de seis semanas.
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Subitamente, aquela que se tratava de uma aposta manifestamente periférica da DC Comics, quase paralela ao ambicioso universo que estava a construir em torno dos seus maiores super-heróis, transformou-se à força na sua possibilidade de ressurgência após a receção desiludida de Batman v. Super-Homem. O público, apesar de ter aceitado bem a entrada de Ben Affleck como o novo vigilante de negro, queixou-se do tom imoderadamente sombrio e sério que o rumo do universo cinematográfico DC estava a tomar e o estúdio ficou inquieto. Subitamente, procurava agora um filme mais leve, mais divertido, capaz de combater a aspreza do blockbuster que, supostamente, deveria ter lançado a DC para as estrelas.
Os problemas de Esquadrão Suicida continuaram, no entanto, a multiplicar-se tão rapidamente como os novos clips, trailers e posters que pareciam crescer como cogumelos nos media anunciando aquele que seria o filme de super-vilões que poderia vir a definir uma nova Era.
A aflição estava perfeita e incontrolavelmente instalada na Warner Bros, sofregamente apostada em não deixar cair uma das suas galinhas dos ovos de ouro. O estúdio, desmesuradamente apreensivo com o facto de os esforços do realizador (novato neste tipo de titânicas produções) estarem ainda muito ligados à estética negra e sisuda que tem vindo a caracterizar os filmes do universo, partiu independentemente em busca de uma versão mais leve e mais robusta em matéria de humor, o estúdio pediu à Trailer Park, empresa responsável pelos animados e vistosos trailers do filme, que começasse a editar uma nova versão do mesmo, paralela à da Ayer. O resultado final, ao qual se chegou depois de vários test screenings com ambas as variações, foi uma versão que equilibrava o tom sóbrio que Ayer tinha vindo a construir com a energia intempestiva e humorística que o material promocional vinha comunicando.
E como à genética não se foge, o resultado final, que nos chega agora aos cinemas, é filho único do caos do seu desenvolvimento. Com um peso às costas que nunca era suposto ter carregado, Esquadrão Suicida é um dos filmes mais estranhos e frustrantes do ano. Com um argumento fraco, subdesenvolvido e com aborrecidas redundâncias, tom inconsistente (com longas sequências pejadas de piadas e cor e outras absolutamente sóbrias) e ritmo desalinhado (momentos de ação frenética pontuados por muitas circunstâncias onde os personagens parecem apenas deambular por uma cidade fantasma), passa rapidamente de uma pérola de promessa original a um fruto deformado e processado do que seria um filme dos Vingadores ao passar pela boca suja de Deadpool, sem manter algumas das melhores qualidades de ambos.
Abalroados por uma onda enrodilhada que junta uma história absurdamente desinspirada a um par de vilões totalmente despersonalizados, os anti-heróis trabalham relutantemente numa missão duvidosa que culima num clímax atípico e surpreendentemente fantástico – na asserção mais negativa do termo.
A banda sonora é, também ela, um microcosmos representativo da realidade do restante filme – individualmente boa, mas, no conjunto, desajustada e forçada, dando muitas vezes mais ar de videoclipe do que propriamente produto cinematográfico, e compondo certamente um todo menos valeroso que a soma das partes.
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Todavia, parte da razão de Esquadrão Suicida se revelar tão frustrante intento encerra-se em tudo aquilo que acaba por fazer formidavelmente bem entre os inesperados desastres narrativos e tonais.
A ação é, geralmente, muito bem executada, enquadrada numa fotografia interessante e encapsulando vários shows de efeitos visuais que são, sobretudo, práticos – e por isso, muito mais verosímeis – auxiliados pela magia do CGI (e não o contrário).
Um dos afamados destaques da amalgama de vilões é Harley Quinn, a “barbie tóxica” interpretada com memorável imprevisibilidade e desvario por Margot Robbie. Acrescentando valor em todas as cenas que participa, a louca e melodramática Quinn é um poço de extravagância over-the-top e quando está no ecrã, a audiência experiencia os melhores momentos de Esquadrão Suicida.
Como nos diz a história dos icónicos quadrinhos, com Quinn vem Joker, uma das grandes cartadas (pouco) secretas do blockbuster, interpretado por Jared Leto. Bárbaro, psicótico e altamente violento, o vilão de Leto difere positivamente da versão recente de Heath Ledger (ainda que dificilmente lhe chegue aos calcanhares) ao promover uma reimaginação completa da fisicalidade e psique do mesmo. O problema, que é também uma das surpresas mais desagradáveis do enredo, é que a sua presença é absolutamente inconsequente e desperdiçada num enredo secundário que, em boa verdade, lhe deixa muito pouca margem de manobra para provar o seu valor, à parte de meia dúzia de fugazes sequências inspiradas.
Do restante elenco – que é, no geral, muito competente e dá uma luz promissora ao futuro da saga no universo da DC – não podíamos no entanto deixar de destacar o vitorioso regresso de Will Smith às grandes produções (a interpretar um “bom mau da fita” com um interminável e atraente carisma que lidera o Esquadrão) e a imponente Viola Davis, maestra de operações e voz do Diabo, numa interpretação que resvala frieza e ameaço em igual medida.
Esquadrão Suicida, revela-se como uma estranha besta, pouco coesa ou consequente e que não é, mais uma vez, a boia de salvação que a DC procurava. No entanto, consegue uma vitória colossal na corporização dos seus heróis, personagens dinâmicos, com instintos e destrezas, interesse e vida própria.
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A melhor forma de o encarar é racioná-lo como uma primeira demão, a experiência primordial de um grupo de misfits que poderão vir a ser a inesperada face de uma nova era.
O Esquadrão Suicida – e aqui falamos dos seus protagonistas, os seus heróis que são, também e não por acaso, vilões – pode ser a grande vitória do futuro da DC Comics, e o fator que a diferenciará na titânica batalha face ao imortal inimigo na Marvel.
Só resta, no futuro, saber realmente aproveitá-lo.
O MELHOR: Os personagens, o elenco e a sua dinâmica.
O PIOR: A história muito pobre e “escrita em cima do joelho”, os vilões desinteressantes e o tom inconsistente.
Título Original: Suicide Squad
Realizador: David Ayer
Elenco: Will Smith, Margot Robbie, Viola Davis, Cara Delevigne, Jay Hernandez, Jared Leto
NOS | Ação, Aventura, Comédia | 2016 | 123 min
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