Iguais, em análise

Em Iguais, Nicholas Hoult e Kristen Stewart apaixonam-se e rompem com a existência desprovida de emoções imposta sobre todos os humanos num futuro distópico.

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Filmes de ficção-científica sobre distopias há muitos e, infelizmente, a sua considerável quantidade não é um indicador de variedade ou originalidade. Desde o final dos anos 60 que este subgénero tem-se vindo a fossilizar e prender a uma limitada paleta de escolhas temáticas e estéticas. Nem mesmo a crescente popularidade de adaptações de literatura juvenil como Os Jogos da Fome e a saga Divergente têm trazido qualquer tipo de rejuvenescimento, e Iguais, o mais recente filme de Drake Doremus não foge à regra.

Depois de um promissor início de carreira focada em narrativas intimistas e filmadas num registo descontraído e naturalista como Like Crazy e Breathe In é admirável ver Doremus a experimentar um estilo e género tão diferentes. Longe de apartamentos encafuados na solarenga Los Angeles, Iguais decorre num mundo de visual estéril e minimalista, onde as emoções são tão inexistentes como qualquer floreado decorativo na arquitetura ou no vestuário.

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Antes de mais, há que examinar essa premissa narrativa que, na verdade, não sai ilesa de um simples escrutínio lógico. Segundo a explicação do filme, esta bizarra ordem social teve a sua origem numa guerra nuclear, esse eterno cliché da ficção-científica, que resultou num mundo dividido em dois. De um lado temos uma zona em fumegantes ruínas e onde não se sabe se existirá civilização, do outro temos um pesadelo de ordem opressiva onde as emoções e o desejo sexual são geneticamente apagadas da existência humana. Isto terá a sua origem num ditatorial regime político e ideológico que não tem esperança de ser convincente. Afinal, basta olharmos para a atual situação geopolítica para nos apercebermos como seria incrivelmente improvável que a negação da emoção e apologia de fria lógica fosse o caminho tomado pelas instituições de poder numa tentativa de dominar o público e impor o extremo conformismo.

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Se Iguais não estivesse tão pronto a atirar justificações irracionais à sua audiência, ainda poderíamos olhar o filme como um exercício em absurdismo ou ponderações metafóricas como A Lagosta, mas não estamos na presença de tal sofisticação. Aliás, a única parecença com essa recente obra de Yorgos Lanthimos é mesmo o modo como ambos os filmes retratam um romance ilícito a desabrochar por entre as fendas no alcatrão da opressão. Aqui, tal romance é o produto de uma “doença” em que a supressão emocional se começa desintegrar eliminando os efeitos da manipulação genética imposta aos cidadãos deste mundo aquando da sua concepção.

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Os protagonistas desta história são colegas de trabalho cujo despertar sexual e romântico os impulsiona numa espiral dramática que invariavelmente recorda a tragédia de Romeu e Julieta. Nicholas Hoult encarna o nosso Romeu, aqui chamado Silas, e o seu trabalho é uma das inequívocas salvações de todo o projeto. Ver este jovem ator telegrafar a interioridade da sua personagem é uma maravilha de delicadeza cinematográfica, especialmente quando o vemos ficar desesperadamente confuso com as emoções que nunca havia sentido na sua vida. Como Nia, a Julieta de Iguais, Kristen Stewart é ainda mais impressionante que Hoult. Muitas vezes acusada de ser inexpressiva, Stewart tem-se mostrado uma mestra da arte de expressar subtis emoções com o mínimo de ginástica facial ou vocal possível e o seu trabalho em Iguais é o perfeito exemplo dessa mestria.

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Apesar de todo essa glória performativa, observar os dois atores tentar ressuscitar um filme embalsamado em debilitantes convenções e claustrofóbicas escolhas estilísticas é um espetáculo de sufocante frustração. Basta olharmos para o modo como Doremus filma a maior parte das suas cenas de amor, em apertados grandes planos com mínima distância focal, montagem fragmentada e a abstrata sonoridade de uma banda-sonora eletrónica. Longe de refletir o desabrochar emocional que os atores e as personagens exigem, esta abordagem força estes momentos a serem encarados mais como fenómenos estéticos que drama humano. Na sua procura por uma estética apropriada a um futuro estéril e desumano, Doremus caiu na crítica de prender o seu filme a esses mesmos horrores, não demonstrando a capacidade para modular as suas escolhas estilísticas.

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E o pior de tudo é que, apesar de um admirável virtuosismo técnico que abrange elementos tão díspares como a fotografia de John Guleserian e a sonoplastia de Stephen Nelson, Iguais é uma obra cronicamente reacionária e desprovida de originalidade. Ainda há poucos anos, Spike Jonze usou a arquitetura modernista do leste asiático e uma fotografia de baixo contraste e distância focal para retratar o futuro, e os resultados aí foram muito mais convincentes e interessantes. Na mesma linha de desinspiração, os figurinos minimalistas em brancos, cinzas e cremes podiam ter vindo de qualquer filme de ficção-científica desde o 2001 de Stanley Kubrick.

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O produto final de tudo isto é um filme demasiado genérico para ser minimamente essencial ou de interesse. Existe grandeza nas prestações do seu elenco, que também inclui Guy Pearce, Jacki Weaver, Bel Powley e Kate Lyn Shiel em registos de perturbadora subtileza, e admirável eficiência na sua execução, mas Iguais nunca transcende os problemas resultantes de um argumento frágil e de uma direção emocionalmente analfabeta. Iguais é um projeto que acaba por ficar aquém das suas possibilidades e que se perde num estilo intrinsecamente errado para a sua narrativa onde o desabrochar de emoções humanas é algo cataclismicamente fraturante, não só para a vida de dois jovens apaixonados, mas também para a completa estrutura ideológica de uma sociedade onde o mínimo contacto físico é ilegal e o sentir de emoções humanas usualmente resulta na ostracização e no suicídio.

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O MELHOR: O trabalho de Kristen Stewart e Nicholas Hoult, dois atores que tiveram inícios de carreira muito pouco celebrados pela crítica mas que, nos últimos anos, se têm vindo a afirmar como duas das mais importantes vozes na sua geração de atores de Hollywood.

O PIOR: A abjeta esterilidade acética que permeia todo o filme, mesmo os seus mais fogosos e galvanizantes momentos de tragédia romântica.


 

Título Original: Equals
Realizador:  Drake Doremus
Elenco: Nicholas Hoult. Kristen Stewart, Guy Pearce, Jacki Weaver
NOS | Drama, Romance, Ficção-Científica | 2015 | 101 min

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CA

 



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One thought on “Iguais, em análise

  • Iguais: 3*

    Uma história interessante e uma boa direção de fotografia é o que este filme me ofereceu, vejam.
    Concordo com a crítica, o melhor foi mesmo o trabalho deles dois.
    Cumprimentos, Frederico Daniel

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