Kick-Ass 2: Agora é a Doer, em análise
Embora Kick-Ass/Dave (Aaron Taylor-Johnson) insista em repetir ao longo do filme que o que vemos não é um comic book e que a nossa cara está voltada para a vida real onde não há a possibilidade de existir uma sequela capaz de revigorar o vilão ou fortalecer o herói, a verdade é que o primeiro grande defeito de “Kick-Ass 2” é a inevitabilidade de ser uma sequela. E sofre de todas as deficiências que uma sequela de um filme de super-heróis possa sofrer. Passamos a explicar:
O filme que lhe deu origem poderia ser encarado como um episódio caricato da vida real. Vê-se o surgimento de um ‘Batman desajeitado’ que funcionava como um Messias de uma luta contra a criminalidade onde não existiam poderes sobre-humanos, apenas a força de vontade dos heróis do dia-a-dia. Essa propriedade especial de “Kick-Ass” (2010) diferenciava-o dos comuns filmes baseados em comic books que se limitavam a transpor para a tela uma realidade fantasiosa e que viam em “Kick-Ass” um filme que tonificava um género de fácil consumo com um retrato verosímil dos heróis e vilões de carne e osso no quotidiano citadino.
Parece que em “Kick-Ass 2” tudo se desmoronou. Agora já não há necessidade de explicar o surgimento dos inúmeros super-heróis sem super-poderes, nem há a mínima preocupação em perceber o historial psicológico destes personagens nem os seus objetivos – as personagens secundárias são fracamente concebidas – e nota-se uma exploração massiva dos bons elementos concebidos para o primeiro filme. A tarefa mais difícil – e a mais bem executada – ficou concluída em “Kick-Ass” que nos trazia uma causa para a qual valia a pena combater. Agora, de tudo tão mastigado que está, o filme de Jeff Wadlow não é mais do que uma inconsequente e gratuita batalha entre heróis que só existem para poderem aniquilar vilões, que por sua vez existem sem qualquer propósito minimamente fundamentado – são vilões porque, enfim, lhes apetece ser (Joker wannabe?). E no fim, “Kick-Ass 2”, por muito que divirta com a sua ação violenta e os seus diálogos deliciosamente sádicos, aproxima-se muitas vezes de uma cópia aparvalhada e violenta de tantos outros filmes de super-heróis que diferem apenas num único e agora insignificante pormenor: a presença ou não de super-poderes.
Diverte, vê-se relativamente bem, e solta em nós uns bons pares de gargalhadas, mas nunca é mais do que isso. O plano dos vilões é concebido de forma demasiadamente forçada, parecendo tudo tão plástico e imponderado que parece que estes vilões existem por motivo nenhum. Embora a personagem de Christopher Mintz-Plasse, The Motherfucker, nos entretenha com o seu carisma, o seu surgimento e evolução levam-na muitas vezes ao ridículo. Percebe-se a tentativa de satirizar os vilões dos filmes de super-heróis, mas The Motherfucker é uma personagem que leva essa paródia ao máximo admissível.
E por falar em ridículo, há passagens completamente escusadas (a cena do vómito, por exemplo) que nada acrescentam e só o aproximam de um sketch qualquer de “Movie 43”.
Num plano diferente, há a Chloë Grace Moretz que beneficia muito do arco psicológico da sua personagem. Nesta sequela, temos um vislumbre de uma Hit Girl mais sensível e humana do que aquilo que vimos no primeiro filme e Chloë, devido à sua forte presença, leva-nos muitas vezes a suspirar por um spin-off de Hit Girl, em vez desta sequela desnecessária. É deveras estimulante ver Hit Girl a combater com toda a sua força, sendo um exemplo claro de uma personagem secundária que é mais amada do que o protagonista (Aaron Taylor-Johnson não está mal, mas também não sobressai).
Já Jim Carrey, e depois de se ter recusado a promover este filme por não conseguir distinguir a violência da ficção da violência que se pratica na realidade, tem um papel bastante mais curto e menos interessante do que o trailer sugeria.
Tecnicamente, o filme de Wadlow segue os parâmetros delineados por Matthew Vaughn no filme anterior: o visual apresenta semelhanças com traços dos comic books, a violência surge estilizada (o que poderá chocar quem não viu o original) e a banda sonora apresenta também trechos do seu antecessor para além de algumas composições mais concordantes com o clima pesado (e até cartoonesco) que se faz sentir.
Recheado de ação alucinante e humor negro, o sarcástico filme de Jeff Wadlow só peca por não querer ser mais do que aquilo que é. E isso é deveras frustrante.
DR