The Revenant e a autenticidade histórica do seu vestuário
Os figurinos desenhados por Jacqueline West são um dos componentes essenciais para a atmosfera de sanguinário realismo que tanto caracteriza The Revenant – O Renascido.
The Revenant – O Renascido tem um estilo bastante característico baseado numa estética de ultrarrealismo, que provém de uma assombrosa execução técnica. Tendo isto em conta, seria de esperar ver filme triunfar aquando das nomeações dos Óscares, pelo menos nas categorias mais técnicas. Apesar disso, a sua nomeação para Melhores Figurinos foi uma relativa surpresa. The Revenant está longe de ser um nomeado tradicional nesta categoria dos Óscares que é normalmente caracterizada por glamourosas reproduções de época. É claro que este filme continua a ser em si uma cuidada reprodução histórica, tentando ao máximo capturar a realidade visual da narrativa verídica de Hugh Glass, mas não há uma sombra de glamour ou beleza no filme do realizador que o ano passado nos trouxe Birdman.
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É de louvar o primor na execução de The Revenant mas há, no entanto, que também admitir quão pouco original é a visão de Alejandro González Iñarritu ou pelo menos de verificar quão o realizador mexicano se baseou no trabalho de outros célebres autores como Werner Herzog e especialmente Terrence Malick. A ligação ao cinema do realizador de O Cavaleiro de Copas é, aliás, quase que impossível de ignorar com The Revenant a contar com o trabalho magistral de Emmanuel Lubezki, o diretor de fotografia de eleição de Terrence Malick, cenografia concebida por Jack Fisk, que desenhou os filmes de Malick desde A Barreira Invisível em 1998, e Jacqueline West, que foi responsável pelos figurinos dos últimos quatro filmes do mestre texano, incluindo O Novo Mundo e A Árvore da Vida.
Uma das principais ideias por detrás da construção do vestuário de The Revenant deveio mesmo de uma descrição encontrada na pesquisa inicial de West, em que se dizia ser impossível reconhecer tecidos ou materiais nas roupas dos coletores de peles, tal era a quantidade de gordura com que estes se cobriam de modo a isolarem as suas vestes do frio cortante do mundo selvagem americano.
Seguindo estas informações, a figurinista, indicada pela terceira vez ao Óscar, encontrou as peles usadas no guarda-roupa do filme a partir de comerciantes nativos da atualidade, como que seguindo a ligação do filme aos povos das primeiras nações. Essas peles foram subsequentemente tratadas e cobertas por várias camadas de gordura animal, tanto em busca de verossimilhança histórica como de isolamento pragmático e essencial para as duras filmagens na tundra canadiana. A gordura de urso e sua aparência negra, em particular, foram uma das grandes referências na construção das rudes texturas que se podem observar no filme e seu sofredor elenco.
The Revenant deverá ser o filme a finalmente valer a Leonardo DiCaprio um Óscar para Melhor Ator, sendo que todo o edifício do filme se apoia na sua agonia e sofredora intensidade. O figurino usado por Leonardo DiCaprio é, sem dúvida, o principal traje do filme, sendo que para se conseguir a gradual destruição das vestes foi necessário que o figurino completo fosse criado em cerca de 20 versões diferentes. Cada versão representa fases diferentes de desgaste, sujidade ou mesmo rasgões e cortes, especialmente depois do violento ataque por um urso que propulsiona toda a narrativa de sobrevivência e vingança. As roupas de DiCaprio, com exceção da volumosa pele de urso que ele veste depois de ser deixado para morrer pelos seus supostos aliados, são um reflexo da sua ligação à cultura dos nativos americanos e sua relação com o mundo natural. A sua camisa de linho e casaco com capuz, por exemplo, foram reconstruções baseadas em pinturas que retratavam nativos americanos da região retratada no filme.
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O figurino inicial de DiCaprio estabelece-o logo como que um indivíduo em oposição ao mercenário interpretado por Tom Hardy. Os figurinos de Glass refletem a imagem de um homem que apenas tira o que precisa da natureza para sobreviver, enquanto o volumoso e excessivamente pesado guarda-roupa de Hardy revela logo um indivíduo em hubris no seu relacionamento com o mundo natural. O casacão do ator australiano, por exemplo é feito de pele de alce e é completamente forrado em várias camadas de peles de castor.
Os figurinos de todo o elenco, na verdade, foram construídos com a intenção de, apesar da uniformidade superficial do guarda-roupa, definirem diferentes personalidades e histórias individuais para cada uma das personagens envolvidas na trama de Hugh Glass. A personagem do ator Will Poulter, por exemplo, é caracterizado por roupas em materiais pobres e desgastados logo desde início, revelando as suas origens como um pobre filho de agricultores que apenas usa um casaco com acrescentos de pele de búfalo americano para se proteger do frio.
Inspirada nas pinturas de Karl Bodmer e nas ilustrações oitocentistas de Alfred Jacob Miller, West concebeu ainda um guarda-roupa completo por fenomenais recriações dos trajes dos nativos americanos da região em que ocorreu o fatídico ataque de Hugh Glass por um urso. Nestes figurinos específicos foi particularmente essencial o uso de materiais autênticos e cujas origens não traem as inspirações históricas do filme. Há que lembrar que, apesar da violência e rudeza da narrativa de The Revenant e seus visuais, a construção final é uma prova de exímia e polida execução em que todos os elementos foram cuidadosamente criados com todos os recursos e maravilha técnica possibilitada pelas mais luxuosas produções da Hollywood contemporânea.
A autenticidade e verossimilhança histórica dos figurinos de Jacqueline West são uma parte essencial de todo o intenso e visceral visual de The Revenant pelo que não é de admirar que a Academia tenha querido honrar o seu trabalho naquele que se tem revelado como um dos grandes favoritos da presente Awards Season.