74ª Berlinale | Dying, pode chegar ao Urso de Ouro 2024
Em “Dying” (“Sterben”), para mim o melhor e mais bem estruturado filme até agora, desta Competição da Berlinale 74, uma família fria e distante de sentimentos, volta a juntar-se num surpreendentemente melodrama ou comédia humana do realizador alemão Matthias Glasner.
O realizador alemão Matthias Glasner (“The Free Will”, 2006 e “Mercy”, 2012) regressou à competição da Berlinale, com “Dying” (no original “Sterben”), talvez até agora o filme mais consistente e mais recordado desta Competição 74. Trata-se de uma obra que aborda muitas coisas da vida, ao mesmo tempo, tudo com muita sensibilidade, compreensão e humanidade, algo que tocou à crítica e facilmente vai acontecer o mesmo com os espectadores.
E isto em parte deve-se ao facto de Glasner, ter realizado nos últimos tempos, vários projetos de televisão que decerto modo parecem tê-lo inspirado na estrutura desta história bastante escorreita, abrangente e atraente. Começando com o titulo “Dying” (“Morrer”), talvez pouco vendável, o seu tema ou melhor os seus temas, são tratados com tanto cuidado, e no meio de tanta confusão e frieza que até sentimos pena de não podermos fazer nada por aquelas personagens.
Os Lunies não funcionam há muito tempo como uma verdadeira família. Andam cada um para o seu lado. Lissy Lunies (Corinna Harfouch), de 70 anos, fica bastante mais tranquila, quando Gerd (Hans-Uwe Bauer), o seu marido que está definhando lentamente com demência, vai para uma casa de repouso. Já que a ela própria lhe foi diagnosticado, diabetes, cancro, insuficiência renal, início de cegueira, que lhe sinalizam que não lhe resta também muito tempo de vida. A vida não pode continuar assim, mas tem de continuar, até por questões financeiras, mesmo quando Lizzy sofre um pequeno ataque cardíaco e Gert é levado para cuidados temporários do asilo. Onde estão os dois filhos adultos do casal, enquanto tudo isso acontece?
VÊ TRAILER DE “DYING”
O seu filho Tom (Lars Eidinger), é maestro em Berlim, está a trabalhar com a sua orquestra juvenil, numa peça musical intitulada “Dying”, composta pelo seu melhor amigo Bernard, (Robert Gwisdeck), um compositor talentoso, mas altamente depressivo e inseguro. A ex-namorada de Tom, Liv (Anna Bederke), quer que ele seja o pai-substituto do seu filho, ao ponto de a acompanhar no parto em vez do pai-biológico. A irmã Ellen é completamente “passada” e começa um caso com um dentista casado, com quem compartilha a paixão pela diversão e o álcool. Assim no meio de tantas confusões como num caminho para um fim da vida eminente, “Dying”, vai-nos contando aos poucos as histórias de cada um destes três membros da mesma família — e outras em paralelo como a de Bernard — em escalas de tempo sobrepostas e em capítulos bem definidos, que apresentam cada um deles.
Uma das maiores surpresas deste filme de mais de três horas de duração — não se assustem — é o facto de tratar vários temas pesados como o cancro, Alzheimer, a falta de amor, insegurança, depressão e suicídio e conseguir ser estranhamente absorvente e passar com emoção, ao mesmo tempo, que nos consegue arrancar em vários momentos, muitas risadas e sensações. Lançar uma carga cómica profunda num mar de sofrimento não é fácil, mas aqui não é apenas uma técnica de argumento; é antes uma estratégia de vida dos personagens com os quais mais ou menos nos identificamos e todo o cerne do filme.
A flexibilidade do tom entre o drama e a comédia, chega ao extremo em pelo menos duas excelentes cenas do filme: uma longa conversa entre Tom e sua mãe, na casa de família, que passa do banal para uma devastadora dilaceração emocional e vice-versa, impulsionada pela extraordinária interpretação de Harfouch (a mãe); depois em outra cena mais à frente, na qual um crescente ataque de tosse de Ellen arruína completamente a tão ansiada estreia de “Dying”, a composição que Tom vai dirigir com a sua orquestra no famoso Edifício da Filarmónica de Berlim — curiosamente localizado bem aqui ao lado do centro nevrálgico do Festival — , mortificando o seu irmão e fazendo explodir o tenso Bernard.
Lars Eidinger — um dos melhores actores europeus da actualidade — tem um daqueles rostos que tanto serve para dar copo ao maior dos vilões, como neste caso em que a sua expressão é quase impassível, sempre pronta para qualquer retorno emocional e sentimento. Eidinger aproveita ao máximo seu papel como Tom, — atenção que é um dos mais fortes candidatos ao prémio de interpretação — um maestro de orquestra cuja vida está num limbo frustrante que — como as experiências da maioria destas personagens de “Dying” — não é exatamente por culpa dele, mas por causa dos caminhos que a vida leva.
Ele é o segundo dos três membros da família Lunies com um capítulo — o filme é composto por quatro capítulos e um epílogo — logo a seguir à sua mãe Lissy (Corinna Harfouch), e logo depois a sua irmã Ellen (Lilith Stangenberg), uma auxiliar de dentista que canta maravilhosamente, mas que usa o álcool, em excesso, para controlar a sua baixíssima auto-estima. “Dying” é um filme extraordinário, um melodrama moderno sustentado sobretudo por uma série de excelentes interpretações dos actores. A este filme, é também dado um lastro emocional adicional, por causa da bela peça orquestral intitulada “Dying”. Especialmente composta para o filme, que conta também a conturbada história dos seus ensaios e apresentações ao vivo, torna-se na alma existencial desta obra de grande efeito e potencial candidato ao Urso de Ouro 2024.
JVM