MOTELx ’20 | O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña, em análise
O MOTELx de 2020 começou com um pesadelo espanhol sob a forma de “O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña”, onde o cenário madrileno se torna no espaço da assombração e da tormenta.
Será que a originalidade é um barómetro pelo qual podemos julgar a qualidade de um filme? O que é originalidade? Há originalidade? Há ideias novas? Segundo Mark Twain, a resposta a esse último inquérito é uma famosa negação. Não obstante o que se pensa sobre estas questões, há limites para qualquer espetador. Quando um filme é tão indiferente de outras obras semelhantes, quando se torna difícil distingui-lo e o anonimato se manifesta, então há uma linha que foi ultrapassada.
“O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña” representa um desses casos onde há um limite que é desrespeitado. Não que, a uma primeira análise, isso seja claro. Textualmente, este filme de terror espanhol contém várias notas de preciosa especificidade. Trata-se de um conto madrileno que traça o fado de uma família infeliz que se muda para a capital nos anos 70, durante um período transicional na História do país. A matéria-prima está lá para um objeto de medo fílmico que desenvolve deu terror através de um cenário fora do vulgar no panteão do género.
No entanto, os quatro argumentistas que escreveram o guião deste filme foram incapazes de tornar o potencial de grandeza em efetiva qualidade. De facto, o único rasgo de identidade individual expresso pelo filme é outro dos seus grandes pontos fracos. Já voltaremos a este assunto, mas, primeiro, convém especificar o que queremos dizer quando acusamos o “Terror na Rua Malasaña” de ser prejudicialmente pobre em termos de originalidade.
Esta obra do realizador Albert Pintó segue um modelo clássico de terror. Uma família chega a uma nova casa e depara-se com as assombrações que lá já tinham feito residência. Outros lugares comuns do género também marcam presença, como o grotesco derivado de pessoas enfermas e corpos envelhecidos, ou o desaparecimento da criança inocente como principal veículo da ação. Tudo isso podia ser superado com personagens vividamente concebidas, mas isso não existe em “Terror na Rua Malasaña” onde toda a figura humana existe somente enquanto objeto para mortificação, choro e sofrimento.
Também haveria, pois claro, a hipótese de uma abordagem formal ser tão extraordinária que o texto deixa de ser problema e se converte no esqueleto estrutural para um espetáculo maior. Infelizmente, isso não acontece e é a forma de “Terror na Rua Malasaña” que mais desagrada. Indo buscar um pouco ao estilo de James Wan, um pouco à doidice de Ryan Murphy e a estética do terror da Netflix, Pintó e companhia conceberam um filme tão derivativo que, horas depois de ver a obra, é fácil para o espetador começar a substituir parcelas da memória com artefactos de outros filmes melhores.
No cúmulo do desespero, seria bom dizer que a execução dessa falta de originalidade brilha pelo virtuosismo, mas isso seria parcialmente erróneo. A banda-sonora está tão escoriada de caracter próprio que parece ser uma coletânea de clássicos modernos do terror ao invés de música nova. A montagem é irrequieta, quase hiperativa, e sabota quaisquer tentativas de gerar tensão. Quando o olho do espetador nem tem tempo para perscrutar a escuridão ominosa de um corredor misterioso, então é difícil ter medo da imagem. Tudo isso e este é um daqueles pesadelos cinematográficos cuja conceção do terror começa e acaba com o “jump scare”.
Nem tudo é mau, como é óbvio. Apesar do texto fazer pouco com o contexto histórico da narrativa, a cenografia é belíssima na sua evocação de um passado próximo. A polidez estéril da fotografia digital ocasionalmente rouba algum poder aos espaços, mas o trabalho dos designers Carlos Dorremochea e Marta Petite é demasiado bom para sucumbir perante tal obstáculo. Também aplaudimos o uso de programação infantil e de marionetas do pequeno ecrã como monstros assustadores, um gesto que produz o calafrio mesmo com a montagem imprecisa.
Como nota final gostaríamos de mencionar a conclusão da história e sua grande revelação – não leiam se não quiserem SPOILERS. Basicamente, o monstro que aterroriza a rua Malasaña é o espírito de uma mulher transgénera que, em vida, foi renegada pela família e endoideceu pelo desejo de engravidar. Entendemos que os cineastas poderão ter tido boas intenções com a personagem, mostrando como a opressão social deixa cicatrizes que doem e destroem. Só que a ideia que o filme transmite é muito mais reacionária e preconceituosa. Em 2020, esperamos mais, mesmo do mais lúgubre filme de terror.
O 3º Andar: Terror na Rua Malsaña, em análise
Movie title: Malsaña 32
Date published: 10 de September de 2020
Director(s): Albert Pintó
Actor(s): Begoña Vargas, Iván Marcos, Bea Segura, Sergio Castellanos, José Luis de Madariaga, Iván Renedo, Concha Velasco, Javier Botet
Genre: Terror, 2020, 104 min
-
Cláudio Alves - 35
CONCLUSÃO:
“O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña” peca pela falta de novidade e sua rendição a algumas das tendências mais infelizes do cinema de terror. As convenções do género não têm de ser sempre transgredidas, mas alguma distância do anonimato estético e narrativo há que existir.
O MELHOR: A cenografia primorosa.
O PIOR: A falta de especificidade na história e construção formal do filme.
CA