Para Além da Lua, em análise | Melhor Filme de Animação
“Para Além da Lua”, também conhecido como “Over the Moon”, é um dos mais recentes filmes de animação produzidos pela Netflix. Esta obra fantasiosa foi nomeada para o Óscar de Melhor Filme de Animação.
Durante anos, Glen Keane foi um dos melhores e mais celebrados animadores a trabalhar nos estúdios Disney. Quiçá a sua mais famosa criação é o Monstro de “A Bela e o Monstro”, um milagre de fisicalidade desenhada, seus movimentos expressando todo o peso e ansiedade da criatura. Recentemente, Keane tem vindo a regressar à ribalta enquanto realizador. Em 2018, por exemplo, ele ganhou um Óscar pela curta-metragem “Dear Basketball”.
Agora, chegou a altura de Keane se estrear enquanto realizador de longas-metragens e o projeto que este veterano da sétima arte escolheu é “Para Além da Lua”. A história, inspirada em folclore chinês, explora os dilemas de uma jovem que, passados anos da tragédia, ainda chora a perda da mãe. Quando o pai lhe tenta apresentar uma namorada, a menina chamada Fei Fei rebela-se e decide construir um foguetão que lhe permita viajar à lua. Nesse satélite, ela espera encontrar a lendária divindade Chang’e.
Segundo mitos antigos e histórias contadas de geração em geração, Chang’e terá vivido um assombroso romance enquanto vivia na Terra. Contudo, presenteada com o milagre da imortalidade, um incidente infeliz levou a que ela fosse separada do seu amor. Ele, renegado a uma vida terrena, acabou por morrer, enquanto ela flutuou até à Lua onde criou seu reino amargurado. Para sempre, ela chorou a perda do amado, jurando jamais ultrapassar o luto.
Na mente de Fei Fei, se ela conseguir provar a seu pai que Chang’e realmente existe, este seguir-lhe-á o exemplo e permanecerá fiel à esposa defunta. Basicamente, temos aqui uma parábola sobre a necessidade de aceitar a morte e a perda como partes essenciais da vida, males que são inescapáveis e pelos quais não nos devemos deixar consumir. Essa é a epifania a que Fei Fei e Chang’e têm de chegar antes do fim da fita, se bem que a sua trajetória narrativa é clarividente desde a primeira cena.
Dizemos Chang’e pois, como seria de esperar, a deusa realmente existe no universo de “Para Além da Lua”. Assim é e Fei Fei, apesar da meninice, consegue criar uma nave espacial funcional que a leva para fora do planeta, direta à lua. Aí, ela descobre um deserto estéril e escuro, nas sombras do qual existe um maravilhoso palácio que parece feito de luz solidificada. Até os habitantes, cortesãos magicados, parecem feitos de imaterialidade materializada, cor e luz feitas carne e osso.
A única outra humanoide à vista á a própria Chang’e que, ao invés de uma apaixonada enlutada, se afigura como uma ditadora meio tirana meio diva pop. Acontece que o favor da deusa requer pagamento e Fei Fei lá é enviada numa periclitante desventura que só atrasa o final predestinado que todos sabemos estar no horizonte. Enquanto narrativa, este não é um filme especialmente bem-sucedido. Isto é óbvio quando examinamos a evolução da figura divina.
Primeiro, ela é quase que uma antagonista, mesquinha e glamourosa, um espectro de beleza cruel e insensível. Contudo, o guião exige que esqueçamos tais preceitos vilanescos e a aceitemos como alguém merecedor da nossa piedade. A reviravolta não funciona com fluidez, por muito que a performance vocal da extraordinária Phillipa Soo muito faça para elevar Chang’e acima das fragilidades textuais. Quando ela chora, sentimos a tristeza que lhe desfaz as entranhas e corrói o espírito. Isso e o design sumptuoso da personagem, uma conceção visual que inclui alta-costura animada desenhada pela estilista chinesa Guo Pei.
De forma geral, “Para Além da Lua” funciona melhor quando se foca nos dilemas de Chang’e e seus devaneios mais melodramáticos. Fei Fei não é uma protagonista particularmente empolgante e suas canções são infinitamente menos interessantes que as das outras personagens. Aí está outro problema do filme claro está. Como musical, “Para Além da Lua” é meio desastroso, sem sinfonia chamativa ou memorável, sem estrutura sana e evolução inteligível. Podíamos tirar as canções e pouco se alteraria no filme a não ser uma redução na espetacularidade de Chang’e.
Um elemento sustenta tudo o resto e justifica a parca mediocridade de algumas partes. Referimo-nos à arte da animação em si, o gosto pela abstração de superfícies que torna o aspeto plástico de alguns cenários numa mais-valia. Keane é um mestre da animação e estas suas recentes explorações e experimentações revelam um ponto de união entre a moldagem tridimensional e a expressividade mais simples do desenho à mão. Quem sabe? É possível que produções mais bem conseguidas lhe sigam exemplo e mostrem o mesmo ímpeto para expandir os horizontes da animação em Hollywood. Só por isso, “Para Além da Lua” merece o nosso respeito e admiração.
Para Além da Lua, em análise
Movie title: Over the Moon
Date published: 25 de April de 2021
Director(s): Glen Keane
Actor(s): Cathy Ang, Phillipa Soo, John Cho, Sandra Oh, Margaret Cho, Ken Jeong, David Chen, Glen Keane
Genre: Animação, Aventura, Comédia, 2020, 95 min
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Cláudio Alves - 55
CONCLUSÃO:
A estreia de Glen Keane na estreia de longas-metragens está bem longe dos seus maiores triunfos na Disney. Enquanto musical, é uma catástrofe disfuncional, mas resulta bastante bem quando se rende às possibilidades melodramáticas do conto folclórico de Chang’e, a deusa da Lua. Philipa Soo, estrela da Broadway, é sublime num papel de diva.
O MELHOR: “Ultraluminary”, a canção que nos introduz a Chang’e e representa, sem sombra de dúvida, a passagem mais visualmente energética de toda a fita.
O PIOR: A estrutura repetitiva e sem forma, o modo como as canções se esfumam na segunda metade do filme, a previsibilidade crónica de todo o seu argumento.
CA