Os destaques e as surpresas nos Óscares 2024 | Margot Robbie falha nomeação quase certa e Lily Gladstone faz história
A cerimónia dos Óscares 2024 decorre no próximo dia 10 de março, uma vez mais com apresentação de Jimmy Kimmel (pela 4.ª vez). O momento das nomeações, a 23 de janeiro, catapulta-nos para a rota final desta temporada de prémios. Passamos revisão aos principais esquecidos, destaques e surpresas neste dia de nomeações.
Os perto de 11.000 membros, oriundos de 93 países, da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas reuniram-se e escolheram, categoria a categoria, os filmes nomeados para a que será a 96.ª edição dos Óscares, a acontecer no dia 10 de março de 2024 (desta vez uma hora mais cedo, pelas 23h30 de Portugal). As nomeações foram anunciadas no teatro Samuel Goldwyn, em Beverly Hills, pelos intérpretes Zazie Beetz (“Joker“) e Jack Quaid (“The Boys”).
Sem grande surpresa, a longa-metragem mais académica da carreira de Christopher Nolan segue na dianteira com 13 nomeações. Falamos claro, de “Oppenheimer”, que garante também ao grande ator Cillian Murphy a primeira indicação da sua carreira na pele do pai da bomba atómica. Segue-se com 11 nomeações “Pobres Criaturas” (“Poor Things”), de Yorgos Lanthimos, obra protagonizada e co-produzida por Emma Stone que recebe aqui, aos 35 anos, a 4.ª nomeação da sua prolífica carreira. “Assassinos da Lua das Flores” (“Killers of the Flower Moon”) arrecada 10 nomeações e o filme mais visto do ano, em Portugal e no mundo, “Barbie”, fica um pouco aquém das expectativas com 8 indicações a estatuetas. Que outros destaques e esquecimentos merecem consideração da nossa parte?
SNUB – PORTUGAL FALHA NOMEAÇÃO PELO 2.º ANO CONSECUTIVO COM UM CAROÇO DE ABACATE
Embora este snub não vá fazer correr tinta virtual além fronteiras, criou-se bastante expectativa em relação à potencial nomeação de “Um Caroço de Abacate” na categoria de Melhor Curta-Metragem de Imagem Real. Em particular depois de em 2023 Portugal ter consigo chegar à nomeação na categoria de Curta de Animação com “Ice Merchants”. O filme português realizado por Ary Zara integrou a shortlist, figurando entre os 15 filmes finalistas nesta categoria. Uma bela história sobre transexualidade livre dos meandros da violência e conotações dramáticas, “An Avocado Pit”, como conhecido em inglês, contou com a a produção executiva de Elliot Page e da Page Boy Productions, fortalecendo as suas hipóteses de chegar à nomeação. Não aconteceu, mas recomendamos a leitura da nossa entrevista com a protagonista Gaya Medeiros e com o realizador Ary Zara, bem como a visualização da obra, disponível por apenas 0.91€.
SURPRESA NA REPRESENTAÇÃO NOS ÓSCARES 2024 – AMERICA FERRERA NOMEADA POR BARBIE
Desde o último verão que o discurso da humana Gloria (America Ferrera), em “Barbie”, tem vindo a ganhar vida própria nas redes sociais, criando um eco pela internet fora. Há quem considere o monólogo acerca da dissonância cognitiva da experiência feminina inspirador e memorável, há quem o ache redutor e apenas indicado para quem nada sabe ainda sobre teoria feminista. Não obstante, Ferrera, um símbolo da cultura latina nos Estados Unidos (“Ugly Betty”, “Superstore”), tem uma entrega honesta deste discurso e, agora, mesmo tendo falhado a nomeação nos SAG e nos Golden Globes.
UMA CONTAGEM AGRIDOCE PARA BARBIE & GRETA GERWIG FORA DE REALIZAÇÃO
Em primeiro lugar, o duelo ‘Barbenheimer‘, entre Barbie e Oppenheimer, nos Óscares 2024, acabou por não corresponder às expectativas. “Barbie” só conquistou 8 nomeações a estatuetas douradas, falhando algumas categorias com elevada especulação ao longo dos últimos meses (como Melhor Atriz e Melhor Ator Secundário). E apesar de estar ainda assim indicada na categoria de Melhor Argumento Adaptado (para onde “Barbie” foi relegado depois de fazer campanha com toda a justiça na categoria de Argumento Original), ao lado do seu marido Noah Baumbach, Greta Gerwig falha a nomeação para Melhor Realização.
Como longa-metragem indicada a Melhor Filme e Melhor Argumento, e tendo sido esta uma obra capaz de agradar criticamente e chegar a valores de faturação muito acima de média, sendo de momento o 14.º filme mais lucrativo de sempre (Box Office Mojo), elogiado pela sua elevada perícia técnica, construção de mundo e escrita mordaz e original, capaz de elevar uma boneca de plástico sem vida a uma personagem repleta de humanidade, o que é que na realização de Greta Gerwig falhou e a manteve afastada da nomeação? Apesar de previamente indicada por “Lady Bird”, a sua estreia, haverá ainda um certo conservadorismo e preconceito junto dos membros da branch de realização? Ao fim de contas, Gerwig foi nesta corrida indicada aos Critics Choice Awards, Golden Globes e, mais relevante, aos prémios DGA – entregues pelo Directors Guild of America. A questão fica no ar e será de certo muito discutida daqui até à cerimónia dos Óscares 2024 a 10 de março.
SURPRESA AGRADÁVEL – JUSTINE TRIET ATERRA NA CATEGORIA DE REALIZAÇÃO E SOMA DUAS NOMEAÇÕES
“Anatomia de uma Queda”, “Anatomy of a Fall” no seu título internacional, é um dos grandes títulos de 2023 – sem margem para dúvidas. O filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes fez de Justine Triet apenas a terceira mulher a receber esta importante distinção. E se o snub de Greta Gerwig pode apontar para algum preconceito face ao entretenimento de massas de “Barbie”, a inclusão de Triet revela uma maior abertura a talento de fora dos Estados Unidos da América, fruto de uma injeção consciente de membros oriundos dos 4 cantos do mundo. Já o reconhecimento insano e maravilhoso de “Parasitas” em 2020 nos havia alertado para este alargamento de horizontes.
Ademais, a nomeação da realizadora francesa impede que se repita o cenário de 2023, quando nenhuma mulher foi indicada nesta categoria. “Anatomie d’Une Chute”, uma obra notável que chega às salas nacionais já a 1 de fevereiro. Apesar de França não ter escolhido este memorável drama de tribunal para representar o país na categoria de Melhor Filme Internacional, a obra perseverou com 5 indicações: Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Atriz Principal para a grande Sandra Hüller (que igualmente também mereceria uma indicação pelo trabalho em “A Zona de Interesse”), Melhor Argumento Original para Justine Triet e Arthur Harari e ainda Melhor Edição para Laurent Sénéchal.
Pequena nota de rodapé sobre o sucesso de “Anatomia de Uma Queda”: Sandra Hüller torna-se a primeira atriz alemã nomeada nesta categoria desde Luise Rainer em 1936/1937 e apenas a terceira desde a início da premiação (Marlene Dietrich é a 3.ª).
FORA DA CORRIDA AOS ÓSCARES 2024 – MAY DECEMBER EM (QUASE) TODAS AS CATEGORIAS
“May December” sai das nomeações à edição dos Oscars em 2024 com uma única indicação: Melhor Argumento Original para Samy Burch e Alex Mechanik. A longa-metragem contou com prestações centrais aclamadas por parte de Natalie Portman, Julianne Moore e Charles Melton, tendo sido Todd Haynes, realizador do filme, indicado à Palma de Ouro. Charles Melton, na pele de Joe Yoo, foi indicado como Melhor Ator Secundário a premiações como os Critics Choice Awards, Golden Globes ou Film Independent Spirit Awards. Não foi suficiente para chegar ao mais cobiçado reconhecimento da temporada de prémios.
Sejamos francos, a omissão nos SAG – Screen Actor Guild Awards – antevia já o desfecho nos Óscares 2024 para este filme carregado de performances notáveis.
SUPRESA POSITIVA: JONATHAN GLAZER E O SEU ZONA DE INTERESSE DESTACAM-SE
Em “The Zone of Interest”, Jonathan Glazer procura desconstruir o conceito de maldade e mostrar um ângulo perfeitamente inesperado: a vida familiar do comandante de Auschwitz. Aqui, idílicas cenas familiares coexistem com o horror do campo de concentração e o poder de sugestão ganha novos voos. A obra de Glazer destacou-se em Cannes, onde levou o Grande Prémio e venceu também o Prémio FIPRESCI, reconhecido pela sua qualidade pela associação internacional de críticos. Ainda assim, com 5 nomeações aos Oscars, “A Zona de Interesse” é um dos grandes vencedores da manhã de 23 de janeiro. Segue com indicações a Melhor Filme Internacional pelo Reino Unido, Melhor Som, Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Argumento Adaptado. Jonathan Glazer acumula nomeações tanto pela escrita como pela realização desta obra difícil de esquecer. E já sabemos o que costuma acontecer com filmes nomeados tanto em filme internacional como em melhor filme (diz-nos a história que filme internacional está “no papo”).
MARGOT ROBBIE NÃO CONQUISTA NOMEAÇÃO PARA MELHOR ATRIZ
Protagonista e produtora de “Barbie”, Margot Robbie conquistou em 2024 a sua primeira indicação ao Óscar como produtora com a categoria de Melhor Filme (previamente, foi nomeada para Melhor Atriz por “Eu, Tonya” e Melhor Atriz Secundária por “Bombshell”). Todavia, em tempos uma das grandes favoritas na categoria, é estranho ver Robbie ausente pela sua performance enternecedora e multifacetada como a boneca de plástico mais famosa de sempre. Em particular depois de arrecadar nomeações para os Critics Choice Awards, Golden Globes e para os Screen Actor Guild Awards tanto para Melhor Atriz como na categoria de Melhor Elenco.
Já Ryan Gosling, o intérprete de Ken, chegou à nomeação para Melhor Ator Secundário, somando a sua 3.ª de representação depois de “La La Land – A Melodia do Amor” e do subvalorizado mas encantador “Half Nelson” (em 2007). Não obstante o quão competitiva é a categoria de Melhor Atriz, é algo irónico ver o Ken nomeado e a Barbie não. Reforçada a mensagem da longa-metragem na vida real?
LILY GLADSTONE É A 1.ª ATRIZ NATIVO AMERICANA INDICADA PARA MELHOR ATRIZ
Não é surpresa alguma, mas ainda assim é um destaque assinalável nestes Óscares 2024. Lily Gladstone, com herança Siksikaitsitapi e Niimiipuu, é a primeira atriz nativo americana nomeada para Melhor Atriz e a quarta atriz indígena a ser indicada nesta categoria. O seu trabalho em “Assassinos da Lua Das Flores” elevou em muito o filme, concedendo-lhe o seu carácter mais tenebroso, à medida que a performance foi capaz de expressar um intenso sentimento de raiva e desilusão mesmo que as falas de diálogo propriamente ditas sejam poucas. Gladstone pode ser uma cara pouco conhecida em Hollywood, mas a hipótese de sair vitoriosa no dia 10 de março é elevada. Não fosse ela a alma de uma das obras mais nomeadas deste ano.
LEONARDO DICAPRIO NÃO É NOMEADO POR ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES
Leonardo DiCaprio e a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: uma relação complicada. Ao longo da sua carreira já longa em Hollywood, DiCaprio conquistou uma estatueta dourada e foi nomeado para outras seis. Até à sua vitória em 2016, por “The Revenant”, muitos lamentavam a sua falta de Óscares. Em 2024, os fãs esperavam uma nova nomeação pelo seu Ernest Burkhart no novo filme de Martin Scorsese, “Killers of the Flower Moon”. E embora “Killers” seja um dos filmes mais nomeados em antecipação da noite de 10 de março, a não inclusão de Leonardo DiCaprio nos nomeados aos SAG era mesmo um presságio desta não nomeação em 2024.
DESTAQUE NO CAMPO DA REPRESENTATIVIDADE – 3 OBRAS REALIZADAS POR MULHERES COMPETEM POR MELHOR FILME
Nem tudo são snubs, nem perto disso. Um marco importante assinala-se nestes Óscares 2024. Pela primeira vez, dos 10 filmes que concorrem à categoria principal da noite, três foram realizados por mulheres. São eles “Barbie” (8 nomeações), “Anatomia de Uma Queda” (5 nomeações) e ainda com 2 indicações “Vidas Passadas”. Tal é uma estreia absoluta nos 96 anos da cerimónia, e vem na sequência de vários anos em que obras realizadas por mulheres têm vindo a destacar-se entre os indicados, como “Nomadland – Sobreviver na América” ou “Mulherzinhas”.
Entre estes, conta-se então “Past Lives”, a poética obra de estreia de Celine Song, pela qual a autora e realizadora é nomeada ao Óscar de Melhor Argumento Original.
ALL OF US STRANGERS, COM ANDREW SCOTT E PAUL MESCAL, COM ZERO NOMEAÇÕES
“All of Us Strangers” é um filme dramático sobre um homem adulto que, na sua casa de infância, tem o privilégio de falar com os seus pais que já partiram, num momento em que se encontram com a mesma idade. Uma daquelas obras que fez imensa campanha sem resultados, havia burburinho em torno das potenciais indicações na categoria de Melhor Argumento Adaptado e também Melhor Ator. Andrew Scott (Moriarty de “Sherlock” e Hot Priest de “Fleabag”) foi muito elogiado pela performance central. Paul Mescal, recentemente nomeado pelo ‘indie darling’ “Aftersun” é o seu co-protagonista neste romance. Ambos aclamados, ambos fora da corrida apesar de Scott e o argumentista e realizador Andrew Haigh terem conseguido gerar algum buzz.
GRETA LEE NÃO CHEGA À INDICAÇÃO PARA MELHOR ATRIZ NESTES ÓSCARES 2024
Greta Lee é a luminosa protagonista de “Vidas Passadas”. Na presente award season, muita campanha e entrevistas deu, em que mencionou a sua trajetória, e amplas tentativas foram feitas para que chegasse a esta distinção, da inclusão nas roundtables de atrizes à presença em diversos talkshows. Greta Lee teve aqui o seu primeiro papel como lead, que lhe valeu indicações aos Critics Choice Awards, Golden Globes, Satellite Awards, Gotham Awards ou Spirit Awards. Todavia, a não conquista da indicação ao SAG tornou este desfecho nos Óscares evidente para uma cara bem presente ao longo dos últimos meses.
DAFOE FORA, MARK RUFFALO DENTRO POR POBRES CRIATURAS
Pela performance como Bella Baxter, Emma Stone conquistou mais uma nomeação ao Óscar de Melhor Atriz e até uma como produtora. Quem mais se destacou: Mark Ruffalo. Sem malícia dizemos: já sabemos quem fez campanha melhor. Apesar de ter sido nomeado aos SAG (o prémio mais indicativo para a inclusão ou não nas categorias de representação nos Óscares), Willem Dafoe, o cientista louco de “Poor Things”, acabou por não chegar à nomeação aos Óscares 2024. Por outro lado, Ruffalo sempre foi um pouco uma incerteza, e nem sequer foi nomeado pelo Sindicato de Atores, mas surpreendentemente aqui está indicado para Melhor Ator Secundário. Em mais um caso clássico, dois intérpretes do mesmo filme a fazer campanha por uma mesma categoria anulam a hipótese de um deles. Para Dafoe seria a 5.ª nomeação, para Ruffalo é já a quarta e aqui num registo que nunca antes lhe associamos: um mulherengo egocêntrico e um bon vivant.
EMERALD FENNELL NÃO SE DESTACA COM O ARGUMENTO DE SALTBURN
Para nós não é bem um snub, tendo em conta que este filme foi um sucesso para o público e não junto da crítica ou pares, mas ainda assim “Saltburn”, o fenómeno disponível na Prime Video, parecia ter uma hipótese na categoria de Argumento Original. Emerald Fennell já conquistou o Óscar nesta mesma categoria em 2021 por “Uma Miúda com Potencial” e além disso o filme ganhou alguma tração com as nomeações recentes aos BAFTA. Não foi, todavia, suficiente. E se formos sinceros, “Saltburn” é acima de tudo um marco na cultura pop, não tanto um marco cinematográfico.
EL CONDE NOMEADO NA CATEGORIA DE FOTOGRAFIA
“O Conde”, produção disponível na Netflix, surge na categoria de Melhor Fotografia distinguindo o trabalho de Edward Lachman no mais recente filme de Pablo Larraín, uma sátira bem negra acerca de um vampiro à espera da morte. Uma escolha curiosa e um reconhecimento justo, que todavia significou algumas omissões significativas nesta categoria. Por exemplo, “Barbie” ficou de fora. Rodrigo Prieto, encarregue da fotografia da obra de Greta Gerwig, foi não obstante nomeado a estes Óscares 2024 pelo trabalho fotográfico em “Killers of the Flower Moon”. Uma nomeação dupla também não teria ficado mal…
A 96ª cerimónia dos Óscares realiza-se na noite de 10 de março e será apresentada por Jimmy Kimmel. Continuaremos a cobrir os Óscares 2024 e a presente temporada de prémios até lá.
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