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MOTELX 2024 | Entrevista com João Monteiro no Festival de Cinema de Terror de Lisboa

O MOTELX decorre na capital até ao dia 16 de setembro de 2024. Assinalámos a 18.ª edição do festival, que chega assim à sua ‘maioridade’, com uma entrevista com um dos diretores artísticos – João Monteiro. 

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Uma instituição essencial no tecido dos festivais de cinema, e entre a programação nobre do Cinema São Jorge, a maior sala da capital, o MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa tem vindo a permitir uma contemplação distinta e mais holística do cinema de terror e de género. Muito do trabalho se prende com a seleção e programação cinematográfica, bem como com a programação complementar desta festa do terror, sobrenatural, fantástico, sci-fi e por aí fora.

Nova vaga de programação do motelx
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Falámos com o co-diretor artístico João Monteiro para melhor compreender os grandes destaques da presente edição.

MHD: Muito obrigada pela conversa e parabéns pela edição da maioridade do MOTELx. Em termos de programação, o que era essencial assinalar neste ano e neste marco importante? 

João Monteiro (JM): Era importante assinalar os 50 anos do 25 de Abril porque estávamos envolvidos, digamos, numa investigação amadora, que estamos a fazer pelo cinema português, e sobre o cinema de terror português e o estreado em Portugal, sendo este um género que não tem grande escola neste país.

A Bem Da Nação: Cinema Censurado no MOTELX 2024

João Monteiro (JM): E através do nosso ciclo, “A Bem da Nação: Os Filmes Proibidos pelo Estado Novo“, podemos perceber que durante 30-40 anos, estrearam uma dezena de filmes de terror, todos eles com cortes, sendo a maior parte proibida. Mesmo assim, estamos a falar de 23 filmes que foram submetidos dos anos 50 até 74.

Precisávamos de uma pista para perceber , porque aqui existe até algum desconhecimento; na maior parte do público, das especificidades do género. Ou seja, temos uma ideia um bocado mais fechada do que é um filme de terror, por exemplo, “O Massacre no Texas”, e depois tudo o resto origina uma espécie de confusão de género.


Este ciclo no MOTELX foi importante, também para descobrir alguns filmes absolutamente fabulosos, perceber como é que eles foram feitos na altura. Ou seja, coisas como “o Demónio”, um filme italiano que foi proibido logo em Itália, e depois ainda o tentaram passar em Portugal. Mas este aspecto creio ser o mais forte: acabámos por descobrir que o cinema de terror era um incómodo para o Estado Novo. O que nos faz sentir orgulhosos de poder trabalhar e que se tivéssemos uma ditadura nunca haveria festivais de cinema de terror, nem haveria de cinema provavelmente.

Acabámos por descobrir que o cinema de terror era um incómodo para o Estado Novo.

Acesso a um catálogo invejável de cinema de terror em 2024

Sasquatch Sunset Motelx
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JM: Fora isso, este ano conseguimos ter acesso a filmes que geralmente nos escapam por questões, seja de calendário de estreias, seja outras, como é o caso do “Maxxxine”, o “The Substance” ou o “Sasquatch Sunset”.

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Uma programação bastante forte que este ano acabámos por conseguir juntar e que é um dos pontos fortes da edição. Eu acho que parte do sucesso que estamos a ter este ano tem a ver com o público já conhecer alguns destes títulos.

MHD: E quanto à sessão surpresa “A Bem da Nação”, neste 18.º MOTELX, é possível levantar um pouco mais o véu? 

JM: A sessão surpresa, mais do que um filme, que obviamente não é um filme clássico pela descoberta, é mais pela experiência e pela sala onde ele vai acontecer. É uma sessão super privada, sabe-se lá o que é que acontecia  naquela sala para além dos visionamentos.

Diz-se que era usada também para fins de censura, portanto será mais que uma sessão de cinema…pode acabar por ser uma sessão espírita neste MOTELx. Portanto alguém pode ouvir lápis a riscar cadernos.

O filme, posso dizer duas coisas – é uma produção britânica e obviamente será fácil de perceber que é de antes de 1974. Conta com um ator americano muito famoso e que ultrapassa gerações. O filme, a própria distribuidora que o adquiriu, assim que o viu percebeu que estava metida num sarilho e submeteu-o para censura.

E a censura alegremente escreveu uma nota que dizia simplesmente que, pela sanidade mental do público, este filme seria proibido em Portugal.


MHD: Uma vez mais, a Competição Europeia de Longas-Metragens é um contraponto excelente ao terror mais afamado do Serviço de Quarto. Quais os critérios essenciais que aplicam ao selecionar os filmes a exibir? 

JM: O primeiro passo é que tenham de ser europeus e que tenham de ser elegíveis para a competição, figurando entre a lista de países.

Depois, naturalmente, os filmes acabam por representar dois tipos de tradições: ou se alimentam do folclore próprio desse país ou acabam por transmitir as ansiedades de certos países que acabam por ser também universais.

Fréwaka - Irlanda 2024
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Como é o caso de filmes como o “Planeta B”, este ano, que pega um pouco naquela frase que diz “Não Há Planeta B”. No que caso do que estava a falar, do folklore nos filmes europeus, este ano temos o “Fréwaka”, um filme muito específico que tem a particularidade de ser falado em língua gaélica, o que lhe dá um tom mais ancentral.

Na Competição Europeia do MOTELX, em geral, tentamos puxar um bocado por países que não têm muita produção, como Portugal. Por exemplo este ano temos a Grécia, que traz um filme visualmente extraordinário. O nosso objetivo é, cada ano, ter uma longa-metragem portuguesa na competição. Este ano infelizmente não foi possível. Acabámos por ter uma longa-metragem de Edgar Pêra, que passou à parte, porque é um filme muito específico…digamos assim.

Já no Serviço de Quarto, o que tentamos é puxar por cinematografias menos conhecidas, nomeadamente a africana. O nosso problema aqui é que a Austrália produz filmes, a Nova Zelândia também, mas em África é mais complicado encontrar filmes de género.

A nossa ideia é ser o mais abrangentes possível, porque quando o MOTELx começou com a ideia de mostrar o cinema dos cinco cantos do mundo e não ficar reduzido à fórmula mais conhecida, a anglo-saxónica, com os ingleses e americanos.


Um maior peso dado à Inteligência Artificial neste MOTELX 2024

MHD: O warm-up do Festival MOTELX fez-se com o Exterminador, numa sessão muito dinâmica no Beato. Porquê especificamente este culto de clássico? 

JM: Eu acho que a escolha acabou por ser determinada um bocado pelo warm-up, que teria tudo a ver com robótica e sintetizadores; construir sintetizadores, e também, obviamente, pela entrada em grande da inteligência artificial, especialmente ao nível do cinema, que nós mostrámos, através de uma mostra de curtas-metragens, e obviamente também do filme do Edgar Pêra.

Exterminador Implacável
© TriStar Pictures

E achámos curioso, porque ainda é uma coisa tão fraturante.  ainda ninguém consegue, de facto, ter uma ideia do que é que é, de onde é que vai,  dos seus reais perigos. A ficção científica criou uma quantidade de estereótipos na nossa cabeça, e eu acho que o Terminator deve ser um dos primeiros filmes a criar esta ideia de que a inteligência artificial é uma coisa horrível.

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Portanto, era mais um voltar ao passado para perceber o presente, digamos assim. E o Terminator, não diria que é quase uma piada, mas é bem engraçado rever o filme porque, de facto, o original já toda a gente o esqueceu. Eu acho que a maior parte das pessoas identificam o Terminator a partir do Terminator 2, e já não se lembram do primeiro filme, que é capaz de ser o mais interessante deles todos e um belo cartão de visita para o que o James Cameron acabaria por fazer.

MHD: Regressando ao Cinema São Jorge e ao grande fim de semana final do festival, que obras são imprescindíveis para o público? 

JM: Há algumas coisas que quero destacar. Este fim de semana é bastante forte no MOTELx.

Temos o Devil’s Bath da competição, de que estávamos a falar há bocado, um filme interessante porque vai à história da Áustria para fazer uma pequena ponte com o presente. E é de uma dupla de realizadores que já esteve no Festival.

Temos também a apresentação do livro da Heidi Honeycutt, na sala 2, um livro que traça a história do terror através das suas realizadoras. Este livro pode ser uma obra seminal, principalmente para todas as realizadoras que queiram aprender  um bocado com estas veteranas, porque é uma apresentação que não só vai ter a própria autora, mas algumas das realizadoras que foram convidadas este ano e que também têm os seus filmes representados no livro. O livro faz uma volta ao mundo e passa inclusive por Portugal, e portanto é uma coisa extra cinema que gostava de destacar.


No domingo destacaria “The Soul Eater”, de Alexandre Bustillo e Julien Maury, que estão de regresso. Temos aqui um exemplo de um caso raro da construção de uma carreira de género num país como França. Estes dois, que estarão presentes na sessão, têm conseguido ficar em França e ir desenvolvendo várias produções.

Além disso temos a Sessão de Encerramento, que é mais um filme do inqualificável Nicolas Cage, cuja carreira parece ter começado há pouco, porque este ano já passámos o “Longlegs” na conferência de imprensa e, portanto, podemos compensar porque o ano passado não tivemos nenhum filme com o Nicolas Cage!

MHD: E por fim, planos para o futuro, há novas casas para o MOTELx em cima da mesa, novas extensões por exemplo? Expansão do festival?

JM: Sim, nós todos os anos apontamos para fazer extensões junto de câmaras municipais com o auxílio de cineclubes, mas não é fácil por razões financeiras e não é fácil comunicar este tipo de eventos fora de Lisboa.

Temos tido algum sucesso com as sessões infantis e com as curtas portuguesas. E obviamente o nosso objectivo é fazer coisas maiores. Já tivemos uma em Coimbra, há alguns anos, e agora estamos a fazer coisas pontuais por volta do Halloween.

É uma questão de estarem atentos às nossas redes sociais, mas o objectivo é abrir as portas do Motelx a outros locais e descentralizar. E este ano estou feliz porque grande parte das curtas-metragens não são de Lisboa. E outro destaque – “O Velho e A Espada”, é um filme feito em Castelo Branco, por um rapaz que fez tudo sozinho, é quase um filme neo-realista porque usa pessoas da terra. E são mesmo aqueles projetos de carolice, digamos assim, mas o Motelx também funciona para celebrar, para premiar este esforço, de fazer filmes sozinho, sem apoio.

MHD: Sim, sem dúvida está a fazer um bom trabalho para dinamizar a própria produção do cinema de terror e de género aqui ao nível nacional, não é?

JM: Sim, eu acho que passa tudo um bocadinho por uma espécie de formação, não é? Porque eu acho que os decisores dos projetos de financiamento em Portugal não serão tão sensíveis ao género, por desconhecimento, portanto este trabalho do Motel X é um bocadinho também junto do cinema português, na secção Quarto Perdido.  É tentar desformatar um bocado  essas ideias e pensar no cinema como um todo, portanto e nesse sentido eu acho que já houve melhorias, mas continua a ser difícil porque um filme de género tem apoio financeiro em Portugal.

É tentar desformatar um bocado essas ideias e pensar no cinema como um todo.

Os últimos dias do MOTELx – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa trazem ainda uma programação rica e variada. Marcarás presença no Cinema São Jorge? 



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