Festival Política | A Sala de Professores, a Crítica: O sistema de educação à lupa no filme de Ilker Çatak
Entre 3 e 5 de abril de 2024, o Festival Política regressa ao Cinema São Jorge e traz consigo, entre outros destaques essenciais, uma seleção de cinema. Entre o certame, e no seu dia inaugural, vimos “A Sala De Professores” na bela Sala Manoel de Oliveira.
A participação cívica é um desafio e uma preocupação obrigatória em qualquer regime democrático, assim nos dizem as exposições do Festival Política em 2024, nomeadamente a que, nos corredores do Cinema São Jorge, nos alerta para a polarização crescente no regime democrático político e nos indica também importantes tendências a ter em conta no que diz respeito à abstenção.
O Festival Política é um evento multidisciplinar, para o qual contribuem conversas, performances, humor, exposições, música e cinema. Todos os eventos são gratuitos e há oportunidade até para falar com representantes políticos num contexto mais descontraído, contribuindo esta programação para uma valorização ativa do envolvimento ativo de cada pessoa na democracia.
No ano em que se celebram 50 anos do 25 de abril, encontramos o Festival Política de boa saúde, perspicaz nas opções temáticas. Entre as escolhas de cinema, exibido a 3 de abril, foi possível ver “A Sala de Professores” obra da autoria de lker Çatak, que em 2024 foi candidato ao Óscar de Melhor Filme Internacional em representação da Alemanha (tendo conseguido a nomeação).
Entre outros louvores, “A Sala de Professores” abriu no Festival de Berlim, ou Berlinale, e mereceu destaque nas listas de 2023 da National Board of Review. Agora, é um dos finalistas dos Prémios Lux (atribuídos pelo parlamento europeu), em parceria com o Gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa.
“A Sala de Professores” (ou “Das Lehrerzimmer”) teve já estreia comercial em Portugal, a 22 de fevereiro, com distribuição pela Alambique, e partilhámos na altura as nossas impressões – com crítica por João Garção Borges. Enquadramos agora a obra na programação do Festival Política.
Acompanhamos, neste drama, Carla Nowak (interpretada por Leonie Benesch), uma professora jovem que começa a dar aulas numa nova escola. Carla é idealista, justa e ponderada, uma professora que nos é apresentada como modelo em todos os campos aparentes e, além disso, motivada e capaz de puxar pelos seus estudantes. Mas perante uma série de furtos sem culpado aparente, a sala de professores (e a escola) começa a ver crescer um clima de desconfiança e que cria tensões entre o corpo de docentes.
Um dia, um estudante turco é acusado de roubar sem provas aparentes e, indignada com esta situação, Carla acaba por optar por uma investigação por conta própria. E apesar de conseguir expor o ladrão (alegadamente), os seus métodos não são os mais transparentes e toda a situação acaba por escalar e gerar tensão junto dos educadores, professores, direção e estende-se também aos alunos.
Em particular, o menino Oskar Kuhn (Leonard Stettnisch) demonstra uma revolta galopante ao ver a sua mãe, a funcionária Friederike, acusada do crime através de provas circunstanciais. A situação torna-se cada vez mais insustentável e, de um drama realista e naturalista, “A Sala de Professores” evolui progressivamente para uma história dominada pela tensão e até pedindo emprestados, aqui e ali, códigos inerentes ao thriller.
“Das Lehrerzimmer” é uma narrativa hábil, apresentando-nos o microcosmos de uma escola e fazendo-o desvirtuar-se progressivamente perante a violação de direitos democráticos e humanos essenciais: a presunção de inocência e a dúvida razoável. Conceitos que pertencem tanto ao âmbito judicial como nos devem reger em sociedade.
Muito inteligente, “A Sala de Professores” percorre meandros difíceis e mostra-nos como as “boas intenções” têm o potencial para uma deturpação caso regras essenciais sejam violadas. O filme é também capaz de explorar certos vieses que persistem nas sociedades contemporâneas, encontrando-se em qualquer lugar, nomeadamente até nas salas de aula onde valores cívicos de referência devem ser ensinados.
Da situação extrema com o jornal escolar às votações coletivas na sala de docentes, esta longa-metragem mostra-nos os labirintos e perigos existentes mesmo em sistemas que se dizem democráticos. Será a lei da maioria suficiente para tomar uma decisão justa? Será uma política de tolerância nula a forma correta de ensinar valores íntegros?
Para além do fator de entretenimento claro, ” A Sala de Professores” é uma obra muito meritória na programação deste Festival Política devido à sua capacidade de problematizar questões vastas e de difícil resposta acerca da organização dos seres humanos em sociedade. E, perante a diversidade de caminhos apresentados, nunca podemos dizer que se torne doutrinal, o que ainda a valoriza mais.
O Festival Política passa pelo Cinema São Jorge entre 3 e 5 de abril de 2024. A programação completa está disponível aqui.
A Sala de Professores, a Crítica
Movie title: A Sala de Professores
Movie description: Carla Nowak, uma professora dedicada de Educação Física e Matemática, inicia o seu primeiro emprego numa escola secundária. Destaca-se dos outros docentes graças ao seu idealismo. Quando há uma série de roubos na escola e se suspeita de um dos seus alunos, ela decide investigar o caso. Carla tenta mediar entre pais indignados, colegas obstinados e alunos agressivos, mas vê-se implacavelmente confrontada com as estruturas do sistema escolar. Quanto mais desesperadamente tenta agir de forma correcta, mais a jovem professora se aproxima do seu limite.
Date published: 4 de April de 2024
Country: Alemanha
Duration: 94'
Author: Johannes Duncker, Ilker Çatak
Director(s): Ilker Çatak
Actor(s): Leonie Benesch, Leonard Stettnisch
Genre: Drama
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Maggie Silva - 80
CONCLUSÃO
“A Sala de Professores” é um drama robusto que nos mostra, de forma hiperbólica mas ainda assim realista, a jornada de uma personagem virtuosa rumo a uma série de decisões duvidosas, que em grande parte são influenciadas pelo seu meio e pelas regras do mesmo. O filme sabe questionar as estruturas de poder de forma curiosa e educacional sem ser categórico ou pouco imaginativo.