A Última Paragem, em análise
A nossa existência é largamente comandada pelo livre-arbítrio. Mas há, na minha perspectiva, factores externos, um propósito que nos orienta ou nos está destinado, uma força maior e influente capaz de alterar o rumo dos acontecimentos.
Mas mais do que uma divagação em torno deste tema, a primeira longa metragem de Ryan Coogler permite-nos reflectir quer na injustiça do momento, quer na coragem não reconhecida pelo destino. E na tentativa de um salutar recomeço, a final destruído, estando na génese desse desmoronamento uma simples opção como uma deslocação de carro ou comboio. Tão simples (e desolador) como isto.
As circunstâncias reais – e nas quais se baseou esta realização aplaudida e premiada pelo Sundance Film Festival de 2013, igualmente reconhecida em Cannes, numa das secções deste evento – tiveram lugar no final de 2008/início de 2009, quando Oscar Grant III (aqui homenageado por Michael B. Jordan), um jovem atraído para as opções da ilegalidade e delinquência, resolve alterar esse ‘modus vivendi’. O seu afastamento do criminal side será coincidente com uma reaproximação à sua família – companheira (Sophina), filha (a pequena Tatiana) e mãe (Wanda). No primeiro dia de 2009, a comemoração de Oscar termina da pior forma. E tudo sucede em Fruitvale Station, Oakland, California.
Esta história, sendo-nos apresentada como o faz R. Coogler, é especial. A edificação assentar em factos verídicos já não surpreende hoje em dia. Ultimamente, tem sido aposta dos criadores essa vertente do que é realmente possível; não do que só pode ser retido pela nossa imaginação, mas o humanamente sentido, sofrido, inevitavelmente aceite.
A relação pai/filha, ou a química entre Michael B. Jordan e Ariana Neal não desilude, mas não encanta ou inova. De qualquer forma, não era este o principal desiderato de R. Coogler. Pelo que não será aqui que reside a mais-valia.
Não fosse a veracidade dos factos que lhe subjazem, uma aparente falta de sal não é de todo, de colocar de parte. Mas eis que, analisado o percurso de Oscar, pensando a fundo no que de valioso poderá ser extraído de “Fruitvale Station”, encontro dois pontos a realçar. O primeiro situa-se no campo da direcção, sendo que R. Coogler, por um lado, não se deixou seduzir pelo rótulo “herói nacional” e, por outro, impediu-se de alusões exageradas ao ódio racial, o que seria previsível, rotineiro e, admitamos, ao jeito do cinema norte americano. O trajecto da personagem principal é filmado com uma humildade digna de nota.
O segundo ponto prende-se com o seguinte: acomodamo-nos à continuidade de falhas que só nós temos a capacidade de alterar. Tendemos a permanecer na zona de conforto existente há anos, décadas, sem ter coragem, determinação para acabar com o que já não nos traz alegria. Concluímos que chegou o momento da mudança. Agora imaginemos uma resolução a este nível, adaptemo-la a um caso concreto das nossas vidas. Uma saída da continuidade letárgica. E acompanhando essa atitude cheia de mérito, vem a ruína, sem que nesta tivéssemos intervindo de alguma maneira.
Se nos fizer sentido, valerá a pena mudar? Afinal, podemos apanhar outra estrada, com mais curvas e sem sinalização, mas que nos poderá conduzir aos rasgos do que chamam felicidade, e, inesperadamente, colidirmos com alguém em contramão. Ou será mais seguro, porventura, ficarmos na estrada recta e de fácil travessia, sem perspectivas de evolução?
“For what it’s worth: it’s never too late or, in my case, too early to be whoever you want to be. There’s no time limit, stop whenever you want. You can change or stay the same, there are no rules to this thing. We can make the best or the worst of it. I hope you make the best of it. And I hope you see things that startle you. I hope you feel things you never felt before. I hope you meet people with a different point of view. I hope you live a life you’re proud of. If you find that you’re not, I hope you have the courage to start all over again.”
Eric Roth, “The Curious Case of Benjamin Button screenplay”
Sofia Melo Esteves