Adolescence | O fenómeno da Netflix levou o primeiro-ministro britânico a reagir
Num mundo onde os ecrãs são extensões das mãos, que histórias contam os nossos dedos ao deslizar? “Adolescence” oferece uma resposta.
A pergunta, tão filosófica quanto prática, ganhou contornos urgentes com o lançamento de “Adolescence”, uma série da Netflix que se infiltrou nas salas de aula e até nos corredores do poder. Mas esta não é apenas mais uma produção a explorar os perigos da tecnologia. É um espelho rachado a refletir ansiedades coletivas — e um grito silencioso por ação. A narrativa, que acompanha um adolescente acusado de assassínio após supostamente absorver ideias misóginas online, tornou-se um fenómeno global em dias. Porém, no Reino Unido, onde a série foi concebida, o debate ultrapassou o entretenimento.
Adolescence acendeu o pavio
“Adolescence” estreou a 13 de Março de 2025 e, em 48 horas, conquistou o topo do ranking da Netflix em 93 países. A premissa é simples: Jamie, um rapaz de 13 anos, é interrogado pela morte de uma colega de escola, num enredo que desvenda como conteúdos online — desde teorias incel a algoritmos manipuladores — podem corroer a mente juvenil. Mas a simplicidade termina aí. Cada episódio, filmado num único plano sequencial (uma técnica que imerge o espectador numa angústia claustrofóbica), funciona como um estudo psicológico implacável.
No Reino Unido, “Adolescence” não só virou tema de artigos de opinião como inegavelmente inflamou um movimento já existente: o “Smartphone Free Childhood” (Infância Livre de Telemóveis), que defende a proibição de redes sociais para menores de 16 anos. Daisy Greenwell, cofundadora do grupo, confessou ao The New York Times que os membros choraram ao assistir ao terceiro episódio, onde Jamie, interpretado por Owen Cooper, se transforma de “um rapaz doce num adolescente consumido pela raiva”.
Assim, até o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, entrou na dança. Num discurso no Parlamento, admitiu estar a ver a série com os filhos e alertou para as “consequências fatais” da exposição precoce a conteúdos tóxicos. Jack Thorne, coautor do guião, reagiu com cautela. A sua exigência? Proibir redes sociais até aos 16 anos — uma medida já adotada na Austrália, com exceções, e em discussão na Dinamarca.
Um espelho partido da sociedade
Thorne e Stephen Graham (coautor e ator de “Adolescence”) mergulharam em fóruns de incels durante meses para capturar a linguagem e a lógica distorcida dessas comunidades. Thorne comprou um telemóvel descartável e criou perfis falsos para descobrir a matemática perversa dos incels — a ideia de que 80% das mulheres só querem 20% dos homens e por isso precisam de ser manipuladas — pode parecer sedutora para rapazes inseguros. Mas a série evita reducionismos. Não culpa apenas os algoritmos; aponta dedos a escolas subfinanciadas, polícias despreparados e famílias ausentes.
James Strong, realizador da aclamada “Mr. Bates vs. the Post Office” (que em 2024 levou o governo britânico a indemnizar carteiros injustamente acusados), destacou o timing inegavelmente perfeito de “Adolescence”: “É uma preocupação social que está prestes a explodir”. O sucesso da produção reflete uma ironia: enquanto governos hesitam em legislar, a cultura popular avança. França proibiu telemóveis nas escolas primárias e básicas em 2023; o Reino Unido resiste a tal mudança. Assim, Thorne, pai de um filho de 8 anos, admitiu o medo de como é que o iria proteger quando ele tivesse um telemóvel. A resposta, sugere a série, não está nos dispositivos, mas em quem os controla — ou falha em fazê-lo.
Assim, “Adolescence” não é um manual, mas um alerta: num mundo hiperconectado, as histórias que consumimos podem ser tão perigosas quanto as que vivemos. A questão que fica — para pais, educadores, legisladores — é se conseguiremos desligar os ecrãs tempo suficiente para olhar nos olhos uns dos outros.
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