Adolescence | Criador da série da Netflix defende esta escolha polémica
Há mortes que ecoam mais alto do que outras. E, em “Adolescence”, há vítimas que ficam para sempre à sombra da história que as matou.
A série “Adolescence” gerou discussão, elogios e controvérsia—como qualquer obra que mexa com os nervos da sociedade. Criada por Stephen Graham e Jack Thorne, a série da Netflix centra-se em Jamie, um jovem que comete um crime violento, mergulhando nas complexidades da masculinidade tóxica. No entanto, uma personagem pairou como um espectro na narrativa. Porquê? O criador responde—com franqueza, arrependimento, e uma pitada de crítica.
Por que Katie (e Jade) mereciam mais em “Adolescence”
A decisão de focar quase exclusivamente em Jamie (Owen Cooper), o agressor, não foi acidental. O criador de “Adolescence” admite numa entrevista à TheNewsAgents: “Não foi deliberado [ignorar Katie], mas o nosso foco era Jamie. Queríamos entender o ‘porquê’ dele, não o ‘quem’.” O objetivo era desvendar a psique de um jovem capaz de violência, evitando a glorificação, mas buscando compreensão. Katie (Emilia Holliday), embora presente em fragmentos, foi relegada a um pano de fundo trágico—uma escolha que, em retrospetiva, o próprio criador questiona.
“Descobrimos coisas sobre ela ao longo do caminho, mas não queríamos complicar a nossa história ao trazer demasiado dela”, confessa. No entanto, há um reconhecimento tardio: Jade (Fatima Bojang), a amiga devastada pela morte de Katie, roubou cenas com a sua raiva palpável. “Ela estava verdadeiramente furiosa—e, hoje, vejo que poderíamos ter explorado mais isso.” A admiração pelo desempenho da atriz que interpretou Jade é clara, assim como o remorso por não lhe ter dado espaço narrativo.
O realizador não foge à pergunta que muitos fãs fizeram: “Por que não mostraram mais da família de Katie ou do seu impacto?” A resposta é pragmática—embora não menos frustrante para quem esperava um olhar mais amplo. “Isso levar-nos-ia a uma história que não era a que queríamos contar.” Um cálculo artístico, sim, mas um que deixou lacunas emocionais.
Um debate mal direcionado?
Antes mesmo da questão de Katie, “Adolescence” enfrentou acusações de “branquear” a realidade da criminalidade juvenil no Reino Unido, onde estatísticas apontam para uma desproporção de jovens negros envolvidos em crimes com armas brancas. O realizador rejeita a crítica com veemência: “É absurdo dizer que só rapazes negros cometem estes crimes. A história está cheia de exemplos contrários.” A série, insiste, não era sobre raça, mas sobre masculinidade—um tema universal, ainda que invisibilizado em certos contextos.
“Nunca baseámos isto numa história real. Conheço o perigo de adaptar tragédias sem aviso”, explica. A defesa é clara: a escolha de Jamie como protagonista não foi uma negação da realidade, mas uma opção narrativa. Contudo, a polémica persiste—não por falta de veracidade, mas por refletir um incómodo social mais profundo: quem merece ter a sua história contada? E quem fica de fora?
Assim, o criador de “Adolescence” não tem todas as respostas—e admite-o. Entre o que foi dito e o que ficou por dizer, há espaço para debate: teria a série ganho mais humanidade com mais Katie e Jade? Ou a sua ausência foi o preço necessário para um retrato cru de Jamie?
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