© Netflix (Editado por Vitor Carvalho, © MHD)

Adolescence, a nova série da Netflix, revela como a teoria incel dos 80/20 pode ser fatal

Os números nunca mentem, mas “Adolescence” da Netflix mostra-nos como certas pessoas os distorcem à vontade.

A série “Adolescence”, da Netflix, não é apenas mais um thriller sobre um crime escolar. É um espelho negro da cultura incel, um movimento que transformou um princípio económico inócuo numa justificação para a misoginia mais violenta. No centro deste turbilhão está a tal “regra 80/20”, apresentada como a motivação por trás de um assassinato. Mas será que esta teoria tem qualquer fundamento na realidade? Ou será apenas mais uma desculpa para o ódio?

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Adolescence expõe a distorção da regra 80/20

Amari Jayden Bacchus e Ashley Walters em Adolescence da netflix
Amari Jayden Bacchus e Ashley Walters (Adolescence) © Netflix 2024

Em “Adolescence”, o detetive Luke Bascombe (Ashley Walters) descobre que o assassino de Katie Leonard (Emilia Holliday) agiu movido por uma crença propagada em fóruns incels: a de que 80% das mulheres só desejam 20% dos homens, condenando os restantes à solidão involuntária. Esta ideia, apresentada como uma lei imutável, serve de justificação para atos de violência extrema — uma “vingança” contra um sistema supostamente injusto.

Assim, o que a série faz com maestria é revelar como teorias pseudocientíficas são absorvidas por mentes vulneráveis e transformadas em dogmas. O assassino de “Adolescence” não age por loucura, mas por uma lógica inegavelmente distorcida, alimentada por comunidades online onde o ressentimento se disfarça de verdade absoluta. E o mais perturbador? Esta premissa não foi inventada de raiz para o enredo. A tal “regra 80/20” existe — mas não da forma como os incels a interpretam.

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A origem real da regra: O princípio de pareto

Adolescence Netflix
© Netflix

Vilfredo Pareto, um sociólogo e economista italiano do século XIX, observou que 80% das terras em Itália pertenciam a 20% da população. Mais tarde, o engenheiro Joseph M. Juran formalizou esta ideia como o “Princípio de Pareto“, aplicando-o a áreas como a gestão e a produtividade. A regra, em termos gerais, sugere que uma minoria de causas (20%) é responsável pela maioria dos efeitos (80%). Sendo assim uma possível origem para a regra incel que vimos em “Adolescence”.

Assim, este conceito é útil noutros contextos: 20% dos clientes podem gerar 80% do lucro de uma empresa; 20% dos bugs causam 80% dos crashes num software. Mas daí a afirmar que 80% das mulheres ignoram 80% dos homens? Há um salto lógico — ou melhor, ilógico — gigantesco. A matemática não é uma ciência exata quando aplicada a relações humanas, muito menos quando usada para validar ódio como em “Adolescence”.

Porque a regra 80/20 dos incels é uma falácia perigosa

Owen Copper e Erin Doherty durante as filmagens de "Adolescence" da netflix
Owen Copper e Erin Doherty durante as filmagens de “Adolescence” © 2024 Netflix, Inc.

Assim, não há qualquer estudo credível que comprove que 80% das mulheres se concentram em 20% dos homens como diz a regra de “Adolescence”. Na verdade, dados demográficos mostram que a maioria das pessoas forma relações íntimas em algum momento da vida — o que, por si só, desmonta a narrativa incel. Um artigo de 2019 da Social Science Research Network vai mais longe, questionando até que ponto o Princípio de Pareto se aplica mesmo em economia, quanto mais em atração sexual.

O que os incels fazem é pegar numa observação estatística e transformá-la num mito inegavelmente autodestrutivo. Se 80% dos homens fossem realmente indesejados, a espécie humana já teria colapsado. Mas o problema não é a matemática: é a mentalidade que escolhe culpar as mulheres, em vez de questionar as próprias atitudes. “Adolescence” capta isto com uma crueza necessária, mostrando como o ódio online se materializa em tragédia real.

Já tinhas ouvido falar nesta distorção? Deixa a tua opinião nos comentários,



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