Adolescência, a Crítica | A perfeição técnica em apenas 4 episódios
“Adolescência” chegou há poucos dias à Netflix e está a ser amplamente elogiada. Atualmente, conta com 99% de aprovação no Rotten Tomatoes.
Assim que carregamos no play estamos automaticamente dentro desta história. Tudo começa quando a polícia arromba a porta da frente da casa de uma família, numa pequena cidade do norte da Inglaterra, para deter o seu filho de 13 anos, pelo homicídio violento de uma colega da escola.
Com esta pequena sinopse, não há nada de absolutamente original ou diferente na premissa da série. No entanto, o facto de ser filmada num só take, muda toda a perspetiva de “Adolescência”.
É quase errado dizer que esta série é uma lufada de ar fresco, pelo tema pesado que aborda. Contudo, é o que sentimos, do ponto de vista de tudo o que consegue alcançar em termos técnicos.
Os quatro episódios de “Adolescência” são uma masterclass em storytelling, coreografia, realização, produção e atuação. Stephen Graham, Jack Thorne e Philip Barantini pegam na filmagem em um só take e transformam-na numa arma emocional. O sucesso e qualidade de “Adolescência” está assente em três pontos.
Adolescência aborda temas importantes de forma inteligente
Numa entrevista ao canal de youtube “Joe”, Stephen Graham, um dos criadores e atores da série, partilhou que teve a ideia para “Adolescência” após ver duas notícias, com quatro meses de intervalo, sobre dois rapazes que esfaquearam duas jovens raparigas até à morte.
A partir daí, juntou-se ao argumentista Jack Thorne e ao realizador Philip Barantini, para contar esta história. O objetivo nunca é perceber se foi Jamie, de 13 anos, que matou a sua colega, mas sim, perceber o porquê de o ter feito. Assim, a série debruça-se sobre temas como as redes sociais, o bullying, as escolas, a educação, a masculinidade tóxica e o papel dos pais na vida dos filhos.
Não é uma crítica, como muitas outras séries, mas sim uma série que nos obriga a discutir vários temas extremamente necessários e atuais. Desde o início do projeto que Stephen Graham sabia que queria contar a história em episódios de um só take. Assim, isso é preparado desde o argumento.
Uma série “convencional”, teria mais episódios, o que iria permitir conhecer mais sobre a história e mostrar mais perspectivas. Também seria contada por ordem cronológica, provavelmente desde que Jamie foi condenado até ao seu julgamento.
Em “Adolescência”, este formato técnico obrigou-nos a conhecer apenas alguns momentos deste processo, momentos importantes e decisivos, não nos deixando fugir para um lugar mais confortável. Somos obrigados a sentar-nos com o desconfortável durante quatro horas.
O mais impressionante é que cada um dos episódios tem um tema. O primeiro é o processo da polícia para prender e questionar o suspeito. O segundo episódio debruça-se sobre o sistema de ensino, o bullying e as redes sociais. O terceiro é quando finalmente percebemos que não há volta a dar, que aquela criança não é inocente. O quarto mostra as consequências de todos os atos envolvidos na tragédia. Apesar de estar estratificado, quando chegamos ao fim, sentimo-nos satisfeitos com tudo o que sabemos sobre a história, não sendo necessário um grande plot twist ou uma revelação.
Esta série irá vencer prémios pela sua perfeição técnica
Só o facto de sabermos que a série foi filmada num só take já é impressionante. Mais ainda quando vemos as imagens do behind the scenes. É incrível o trabalho que está por detrás de “Adolescência”.
A forma como a câmara viaja pelos cenários, a intimidade das cenas, os figurantes e a sincronia entre todos os atores é de uma coreografia exaustiva. Contudo, apesar de impressionar, nunca se torna em pretensiosismo.
Claro que sabermos que a série usa esta técnica nos deixa curiosos. É um fator que levou muitas pessoas a ver esta série. Mas percebemos imediatamente que esta técnica acaba por trazer uma emoção que não teria se fosse “convencional”.
Primeiramente, o não haver cortes leva-nos a ficar agarrados ao ecrã, a prestar atenção durante aquela hora tensa, sempre na expectativa de tentar perceber o que irá acontecer a seguir.
Depois, é a claustrofobia que sentimos. Parece que não temos para onde fugir. Estamos sempre dentro daquela história, com aquelas personagens e não há escapatória numa cena mais leve, num flashback ou num time jump.
Assim, “Adolescência” junta o melhor do entretenimento. Tem a espontaneidade do teatro, onde um erro não pode ser corrigido com um corte. E tem a técnica do cinema ou da televisão, que torna a história mais intensa.
Owen Cooper pode ser um novo prodígio do cinema
“Adolescência” é, sobretudo, uma história realista. Nesse sentido, as atuações tinham de parecer absolutamente reais para o espectador. É interessante ver Stephen Graham e Erin Doherty nestes papéis, uma vez que os atores contracenaram juntos noutra série de sucesso recente, em que parecem muito diferentes.
Falamos de “A Thousand Blows”, da Disney+, do criador de Peaky Blinders. Esta é uma série de época, em que os dois atores não poderiam ser mais diferentes do que em “Adolescência”. A minissérie da Netflix apresenta personagens com muito mais camadas, com uma exigência emocional brutal.
Stephen Graham é a alma da série. É o criador, escritor, ator. A história é dele e representa-a como se estivesse realmente a viver aquilo. No entanto, o holofote vai para Erin Doherty e Owen Cooper no episódio três.
É incrível como um episódio de cinquenta minutos, com apenas duas personagens, pode ser tão intenso e emocionante, sem nunca se tornar aborrecido. No início do episódio, mal conhecemos as personagens de Jamie e Briony. Mas, no final, parece que os compreendemos, que já os conhecemos há muito tempo.
É uma dinâmica maravilhosa de se ver, é um vaivém de conversa e emoção que revela finalmente a essência de Jamie. Conseguimos empatizar com ele, ao mesmo tempo que reconhecemos os seus problemas e compreendemos que não será uma história com um final feliz.
Quem encontrou e contratou Owen Cooper para este papel só pode ser um génio. No episódio três, Owen tem uma das prestações de crianças, no cinema ou na Tv, mais espetaculares de todos os tempos. É inacreditável o range de emoções que consegue atingir. Como num momento é inocente, inteligente e simpático e, no momento a seguir, é controlador, manipulador e arrogante.
Não há dúvidas de que Owen Cooper tem um grande futuro no mundo do entretenimento. Aliás, o ator britânico de, agora, 15 anos, já está a trabalhar no seu primeiro filme, e não é num qualquer. Owen Cooper irá entrar na adaptação de Emerald Fennell de “Wuthering Heights”, com Margot Robbie.
“Adolescência” já está disponível na Netflix.
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Matilde Sousa