Apocalipse segundo Alpha e Beta
Apocalipse segundo Alpha e Beta e a vivência num mundo agonístico onde “a vida e a morte assinam um acordo de paz”
Onde se separa o ensaio da criação teatral finalizada e como se apartam os seres num mundo pós apocalíptico? Ambas as perguntas têm o mesmo núcleo: a relação orquestrada entre o criador e a criação.
Apocalipse segundo Alpha e Beta retrata um mundo muito depois da queda da sociedade actual, onde o código genético da população determina agora que apenas haverá humanos altos e baixos. Humanos, não pessoas, uma vez que este último conceito poderá estar directamente ligado à noção de civilização, algo que, no tempo diegético, houvera sido desmantelado. Na peça, em palco, há sete actores, sete estrelas. A fim de contas, sete humanos e um bonecreiro cujo papel é divertir-se com as suas criações dando-lhes a sensação de liberdade e livre arbítrio, de falha e erro, mas que na verdade, em qualquer situação estabelece linhas que guiam a acção previamente delineada.
É uma peça que pede a envolvência activa do espectador, não sendo de compreensão imediata, mas sendo este mesmo jogo de percepções um dos pontos a favor da peça e uma das razões pelas quais é uma criação apelativa. Convida cada elemento do público a remontar as sequências e saltos temporais constantes que criam uma diegese orquestrada sobre grandes camadas de intertextualidade. Resulta num fundir de mitologias (nunca tentando escondera a sua origem) acerca do apocalipse criando uma nova roupagem para o fim dos tempos: aquela que se segue segundo Alpha e Beta.
Com coreografia de Raquel Santos, em palco são criadas sequências de imagens corporais irrepreensíveis. A representação é levada a cabo por Afonso Molinar, Bruno Soares, Filipa Correia, Gabriela Sousa, Mariana Rebelo, Martyn Gama, Raquel Santos e Rui Westermann. A actuação muito assente no movimento perfeitamente ligado à construção dramaturgica é feita num palco com elementos cénicos extremamente simples mas eficazes. Na verdade, a escolha estética apenas dá força ao colectivo artístico, dirigindo a atenção do público e focando-a.
Esta nova criação da companhia teatroàfaca eleva o trabalho do colectivo que se estreou com upside down cuppa coffee. Também por ser a exploração de uma concreta forma teatral, Apocalipse segundo Alpha e Beta reafirma que teatro jovem em Portugal não só existe como tem uma força que por vezes falta em grandes palcos.
Apocalipse segundo Alpha e Beta estará em cena até dia 29 de setembro, no Espaço Escola de Mulheres (Clube Estefânia), às 21h30, com bilhetes a 12€.