Better Man, a Crítica | A biografia de Robbie Williams é uma macacada
Em “Better Man,” a vida do cantor Robbie Williams é reimaginada com um símio digital no papel principal. O filme está na lista de finalistas para o Óscar de Melhores Efeitos Visuais.
Haverá subgénero mais entediante que a cinebiografia? Todos os anos, Hollywood produz mais uma leva desses projetos, sempre a seguir os mesmos ditames estilísticos e as mesmas estruturas narrativas. Pensar-se-ia que a vida de celebridades e figuras históricas é uma singularidade considerando quão semelhantes todas estas ‘biopics’ são. Quando se trata de um músico, então os clichés vêm em duplicado, com os mesmos assuntos do costume a marcarem presença garantida. Tanto assim é que até já há filmes em paródia destes formatos. Quem não se lembra do humor certeiro de “Walk Hard: A História de Dewey Cox” com John C. Riley e guião de Judd Apatow?
Por isso mesmo, há que felicitar toda a cinebiografia que escapa à prisão do convencionalismo. E assim felicitamos “Better Man,” uma bizarra experiência do realizador Michael Gracey, mais conhecido por ter feito “O Grande Showman.” De facto, esta história de Robbie Williams – estrela britânica que começou nas boybands dos anos 90 antes de atingir sucesso a solo – tem mais que ver com esse musical estrambólico do que com um filme recente com semelhantes aspirações biográficas – “A Complete Unknown” sobre Bob Dylan. Para começar, longe de dramatizar a vida do cantor britânico de forma realista, “Better Man” pega no seu repertório e transforma-o no libreto de uma opereta pop.
Robbie Williams em forma de chimpanzé
Aqui, as canções não se restringem aos palcos ou aos estúdios de gravação. Não há limites cronológicos ou qualquer apelo a racionalidades comuns. Pelo contrário, deparamo-nos com um filme em que o pequeno Robbie Williams se expressa através de “Feel,” décadas antes dessa canção ter sido escrita. “Rock DJ” é reapropriado para contar a ascensão da boyband Take That com as ruas de Londres a servirem de cenário para um espetáculo insano, mais próximo dos excessos de Bollywood do que daquilo a que o cinema anglófono nos tem habituado. Mas é claro, acima dessas encenações, há outro detalhe que separa “Better Man” de fitas semelhantes.
É que, longe de ter um qualquer ator a interpretar Robbie Williams em mimetismos sem sal, este musical permite à estrela dar vida à sua própria ficcionalização. Ou, pelo menos, dar a voz. Dizemos isto pois Williams nunca aparece em cena, estando a sua presença física sublimada na figura de um chimpanzé antropomorfizado. O ator Jonno Davies serviu como referência para os movimentos desta aparição símia, com Williams a dobrar as falas e cantorias. O resultado é uma experiência bizarra para a qual nunca há justificação ou qualquer tipo de argumento temático. O chimpanzé simplesmente existe e há que aceitar a sua presença para apreciar “Better Man.”
Se alguma vez quiseram ver um desses animais a snifar cocaína, a dançar o desabrochar do romance num barco sobre o Tamisa, ou a ser masturbado por uma fã sem vergonha, então o musical de Michael Gracey é o filme perfeito para ti. Em jeito meta-textual, sabemos que a escolha do animal devém de um sentimento que Williams tem expressado em entrevistas. Que, quando atua para o público, ele muitas vezes se sente como um macaco amestrado, dando espetáculo como as vedetas zoológicas de um circo. Enfim, não é o pensamento mais profundo, mas também não tem que ser. O que interessa é o espetáculo.
Aliás, essa será a ideia mais transversal a todos os aspetos da fita, uma supremacia do entretenimento enquanto propósito. Mais do que a cinebiografia comum, “Better Man” não tem papas na língua ou qualquer pretensão de génio artístico. Em várias ocasiões, o Williams em cena fala de como não tem aspirações de fazer grande música. O que ele quer é divertir o público, ser adorado, e ter sucesso. Chamar-se-ia a isto cinismo não fosse a sinceridade absoluta com que estes sentimentos são comunicados, como que despindo as canções de significados maiores. Fazer um musical com tal filosofia subjacente é complicado, visto que todo o número está efetivamente a contradizer o protagonista.
Querem-se transcender os limites da ‘biopic’
Tanto assim é que, num clímax cantado, Robbie Williams batalha contra outras versões de si mesmo, explodindo um conflito interno e psicológico em circo CGI. Há uma dimensão literalista nesta abordagem, uma falta de pudor e corajosa negação da nuance e do bom gosto. Não dizemos isto em jeito negativo, pois temos que celebrar a ousadia presente nestas escolhas, raridades no contexto do cinema mainstream moderno. Visualmente, o filme usa os idiomas do musical blockbuster para testar os limites da ‘biopic’ e transcender as suas limitações. Oxalá o argumento de Gracey, Simon Gleeson e Oliver Cole fosse também audaz desse modo, ao invés da convenção sentimental à qual se rende.
“Better Man” precisa de um trabalho de reescrita profundo, nem que seja para desenvolver as personagens secundárias o suficiente para que a lamechice tenha o impacto pretendido. A vida amorosa de Williams é especialmente descurada além de um dueto avassalador. E o mesmo se pode dizer da relação entre pai e filho em que tanto do final se apoia. Também há a questão do macaco em si. É que, na mesma medida em que este milagre digital serve para desestabilizar as expetativas do espetador, também cria uma certa alienação entre ele e a figura de Robbie Williams. Enfim, apesar de alguns problemas, “Better Man” é triunfo populista, um tipo de macacada cinematográfica muito mais interessante que a cinebiografia comum.
Better Man, a Crítica
Movie title: Better Man
Date published: 12 de January de 2025
Duration: 134 min.
Director(s): Michael Gracey
Actor(s): Robbie Williams, Jonno Davies, Steve Pemberton, Alison Steadman, Kate Mulvany, Frazer Hadfield, Damon Herriman, Raechelle Banno, Tom Budge, Jake Simmance, Liam Head, Chase Vollenweider, Jesse Hyde, Anthony Hayes, Leo Harvey-Elledge, Chris Gun, Carter J. Murphy
Genre: Musical, Biografia, Música, Docudrama, 2024
-
Cláudio Alves - 70
CONCLUSÃO:
“Better Man” foge às tradições da cinebiografia musicada para criar um musical inigualável. Afinal, qual foi a última vez que se viu a vida de uma estrela pop interpretada por um chimpanzé digital? Essa e outras escolhas estrambólicas exaltam a loucura de um projeto perdido algures entre uma sinceridade absoluta e uma visão mais cínica e complexa da sua personagem principal. Nem tudo resulta, mas a ousadia dos cineastas impõe respeito.
O MELHOR: Os efeitos digitais são extraordinários. Dito isso, a coreografia é mais notável ainda, com especial destaque para a encenação de “Rock DJ.”
O PIOR: O sentimentalismo meio disfuncional que se gera em torno da figura ficcionada e macacada de Williams, seus conflitos internos, sua dor. Sempre que o filme cai num registo mais convencional, mesmo que só ao nível do guião, perde muito do seu impacto.
CA