À Sua Imagem, de Thierry de Peretti, a Crítica | Uma Elegia Revolucionária e Visual Entre Ficção e Realidade
No seu novo filme À Sua Imagem, o realizador francês Thierry de Peretti regressa à sua Córsega para contar uma história de juventude, luta política e perda, numa poderosa mistura de ficção e arquivo. Trata-se de uma reflexão intensa sobre identidade, memória e o poder das imagens. Estreia nas salas a 24 de Abril e bem a propósito porque mais que um filme é também uma elegia revolucionária.
Estreado na Quinzena de Cineastas de Cannes 2024, À Sua Imagem (À son image), o mais recente filme do francês Thierry de Peretti, chega às salas de cinema. Trata-se de uma obra arrebatadora, marcada por uma beleza sombria e uma profunda reflexão sobre memória, identidade e conflito. Inspirado no romance homónimo de Jérôme Ferrari (Actes Sud), o filme mergulha-nos numa narrativa envolvente e nostálgica, entrelaçada entre a ficção cinematográfica e o registo documental, revelando-se uma poderosa elegia a uma juventude marcada pela luta armada na Córsega, terra natal do realizador. À Sua Imagem é também uma espécie de oração fúnebre em memória de Antonia (Clara-Maria Laredo), uma fotógrafa falecida aos 38 anos numa estrada da Córsega.
Uma Colaboração Natural: De Peretti e Ferrari
A sintonia entre o realizador Peretti e o escritor Ferrari é evidente desde os primeiros momentos do filme. Partilham não só a mesma origem geográfica, como também uma sensibilidade artística melancólica, visceral e trágica. Esta adaptação de À Sua Imagem marca também o regresso de Peretti ao seu território emocional — a Córsega —, depois da incursão mais internacional com Enquête sur un scandale d’État (2021), com Roschdy Zem e Vincent Lindon.
A Jornada de Antonia: Entre a Luz e a Sombra
No centro da narrativa de À Sua Imagem está Antonia (Clara-Maria Laredo), uma jovem fotógrafa com ligações ao movimento independentista corso, que vive intensamente entre o amor, o idealismo e o luto. Através da sua câmara, Antonia capta imagens de um mundo em convulsão, desde os seus primeiros trabalhos no jornal Corse Matin, passando pelas zonas de conflito na Guerra dos Balcãs, da década de 1980 até ao início do século XXI. As suas fotografias tornam-se testemunhos silenciosos de uma juventude em combustão — corpos vivos que, pouco depois, se tornam memórias a enterrar.
Um Filme de Fragmentos e Vozes
Com uma montagem fragmentada, À Sua Imagem oscila entre diferentes tempos e espaços, conduzido por uma narração em off — do seu namorado, Simon (Marc-Antonu Mozziconacci) — onde as questões pessoais da vida da fotógrafa se misturam com a tensa luta armada e política que se instalou na ilha nas décadas de 1980 e 1990. O tom é poético, mas contido. A sensação de tragédia iminente atravessa cada cena, desde os momentos de festa e música nas celebrações populares, onde os amigos se reúnem, até à ameaça constante da violência política. A beleza das imagens — sensual, crua, verdadeira — contrasta com a certeza de um destino marcado pela dor e desencanto.
Memória Política e Desencanto
À Sua Imagem aprofunda também o universo de Uma Vida Violenta (2017), outro filme de Peretti, mas agora sob uma lente claramente feminina. É uma reflexão amarga sobre os efeitos do radicalismo e a falência das utopias juvenis. Episódios históricos, como os assassinatos de Jean-Marc Leccia e Salvatore Contini, dois nacionalistas corsos, são integrados numa narrativa que mistura o íntimo com o colectivo, o real com o simbólico.
Uma Estética do Crepúsculo
A direcção de fotografia de À Sua Imagem é deliberadamente dessaturada — tanto em termos de cor (menos vibrante, mais próxima do cinzento), como de textura — criando um ambiente visual que espelha bem a exaustão emocional da protagonista Antonia. Como os cigarros que Antonia fuma incessantemente, a narrativa vai-se consumindo lentamente até à cinza do tempo – um cinema onde a morte chega sempre antes da imagem. Por contraste, trata-se de um filme que aborda a natureza da fotografia e aquilo que ela representa: a vida e as memórias.
Clara-Maria Laredo: Um Olhar Profundo e Marcante
A interpretação de Clara-Maria Laredo como Antonia é absolutamente memorável, na sua estreia no cinema. Quando, no final, a actriz corsa encara a câmara com os seus olhos azuis, há um instante de pura revelação — uma luz ténue, mas poderosa, que atravessa o negrume da história.
À Sua Imagem, de Thierry de Peretti, a Crítica
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José Vieira Mendes - 75
Conclusão:
À Sua Imagem é um filme que transcende a simples narrativa para se tornar um testemunho sensível e profundo de uma geração perdida entre ideais e desencanto. Thierry de Peretti constrói uma elegia cinematográfica onde cada imagem carrega o peso da história, da identidade e da perda — e onde a ficção e o real se entrelaçam numa dança crepuscular. No olhar final de Antonia (Clara-Maria Laredo), silencioso mas fulgurante, ressoa a força de um cinema que se quer memória viva, mesmo quando tudo à volta parece prestes a desaparecer. Uma obra arrebatadora, que nos obriga a ver — e a lembrar.
Overall
75User Review
( votes)Pros
O Melhor: A fusão entre ficção e realidade, a construção estética e visual e, sobretudo, a interpretação da bela Clara-Maria Laredo — uma presença tímida, silenciosa, mas magnética.
Cons
O Pior: Ritmo irregular e fragmentado em certos momentos; alguma distância emocional; um excesso de simbolismo e uma sobrecarga temática — política, histórica, íntima — que pode cansar o espectador. Muitas ideias esboçadas acabam por passar ao lado.