O Menu, em análise
‘O Menu’, de Mark Mylod, com Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult e Ralph Fiennes é uma comédia negra sobre a culinária, deliciosamente violenta e ‘à la carte’. Um ensaio satírico, contra a vaidade das novas estrelas da pop do século XXI: ‘os chefs’ de cozinha. Está nas salas de cinema. Feliz Ano Novo de 2023 e bom cinema!
Curiosamente, a RTP1 celebrou réveillon e o Ano Novo de 2023 com uma edição-especial do famoso concurso ‘MasterChef Portugal’. A propósito e em tempo de festas, ceias, entre amigos e família, nada melhor que uma experiência diferente de degustação cinéfila: são servidos uma série de pratos de cozinha gourmet, em ‘O Menu’, de Mark Mylod,— um realizador mais conhecido pelos seus trabalhos em televisão: ‘Sucession’ ou ‘Guerra dos Tronos’, entre outras — um filme, que não vai deixar decerto os espectadores, morrerem à fome se forem… a uma sala de cinema. Temos assistido a uma ascensão da cultura ‘foodie’ que vai da televisão até à Internet, com muitos programas e canais de culinária ou até com os famosos reality shows como o ‘Master Chef’, que idolatram os ‘chefs’ de cozinha e dão outra dimensão a esta profissão de cozinheiro. No cinema, também já foram servidas algumas razoáveis ‘iguarias’: por exemplo a sofisticada comédia ‘O Chef’ (2014), de Jon Favreau e o mais recente ‘Ponto de Ebulição’ (2021), de Philip Barantini, uma espécie de thriller, sobre uma equipa de cozinha que luta desesperadamente e sob pressão, para evitar o colapso, na noite mais concorrida do ano no seu restaurante.
Porém, ambos parecem ter deixado espaço para um outro ‘prato cinematográfico’, bem mais arriscado e brutalmente selvagem como é este ‘O Menu’, um filme que além de nos alimentar muita tensão, faz-nos às vezes cravar os dentes e mexer com o estômago. Um casal (Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult) e mais uma série de convidados escolhidos a dedo, viajam juntos para um destino privado numa ilha, para participarem num bombástico e exclusivo jantar que rapidamente se vai transformar numa inesperada experiência e num jogo tortuoso em que o Chef Slowik, interpretado por um rígido — ao mesmo tempo engraçado — Ralph Fiennes, vai obrigar os seus comensais a arriscarem a vida e a irem até aos limites. O argumento assinado pela dupla Seth Reiss e Will Tracy, leva-nos através de uma complicada trama com uma forte componente de crítica à arrogância das novas estrelas da culinária e às elites endinheiradas: uma clara amostra das idiossincrasias e extravagâncias das classes mais privilegiadas e da cultura dos ‘chefe de cozinha’, que aliás se reflectem de várias maneiras e têm como referência, por exemplo também os filmes de Ruben Östlund (‘Triângulo da Tristeza’). Em ‘O Menu’, os excessos e o lado mais negro da natureza humana são levados aos limites, à medida que os sofisticados pratos de degustação são servidos, fazem sobressair o carácter dos comensais, mostrando aos poucos os seus valores e a sua falta de humanidade.
VÊ TRAILER DE ‘O MENU’
À partida o enredo até parece muito simples, mas à medida também que avança a narrativa e os diálogos se desenrolam, vamos tendo consciência da sua intertextualidade e de que nada é exactamente o que parece. O filme não é aborrecido e, aliás, avança com um ritmo perfeitamente calculado e incessante, marcado pelo humor negro e com uma sucessão contínua de momentos radicais, que nos prendem do principio ao fim. Quase desde o primeiro momento do jantar, que somos avisados, aliás como os comensais, para não comer, mas sim degustar, sentir e explorar cada garfada e desfrutar dessa noite extraordinária. Cada garfada que as personagens experimentam nesse jantar é sentida também pelos espectadores, aliás como todas as suas surpreendentes reações, ao que vai acontecendo. Todas as imagens da equipa da cozinha, formam uma coreografia perfeita, apesar do seu estilo abrupto, disciplinado e quase militarista. A montagem é tão metódica, que até a estranha concepção visual da cozinha e a disposição dos comensais na sala de jantar, ganham força, conferindo-lhe em todos os aspectos uma qualidade narrativa invejável e perfeita: não se percebe muito bem a presença da embriagada mãe do Chef Slowik (Fiennes). A banda-sonora de Collin Stetson, a música e os sons, combinam perfeitamente com a representação do snobismo, arrogância e vaidade das personagens em cena, ao mesmo tempo que cria um clima incómodo e inquietante. É curioso que ‘O Menu’ é também um filme que cativa pela originalidade dos inventados pratos de cozinha que se apresentam na sua sucessão, uns mais realistas do que outros, passíveis até de serem servidos na realidade, num sofisticado menu de degustação.
As interpretações dos actores, mesmo dos secundários (Hong Chau, Janet McTeer, Paul Adelstein, John Leguizamo, Aimee Carrero, entre outros) são absolutamente geniais, a combinação dos diversas personagens-tipo são talvez das melhores coisas do filme. Ralph Fiennes com a sua personagem de Chef é soberbo, sobretudo porque vai fazer a intriga ganhar uma maior intensidade e tensão, dando algumas nuances reveladas aos poucos, para criar suspense e fazer-nos acreditar que será mesmo capaz de realizar tudo o que se propõe a fazer durante o jantar; isto é, levar a terrível experiência gastronómica até ao fim. Fiennes é sem dúvida a grande figura do filme, embora Anya Taylor Joy, cumpra de forma notável o seu papel como Margot Mills, personagem que é no fundo a representação de todos os espectadores; é através dela que se expressam todos os motivos e sentimentos de rejeição aos estranhos comportamentos, que se desenvolvem durante o jantar. Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult provam também que juntos são ainda mais irresistíveis do que separados. À medida que esta sátira aos poderosos e famosos avança, prato a prato, o filme vai-nos prendendo cada vez mais pelo uso do terror e humor negro, do que pela experiência gastronómica, que carece literalmente de uma rara sobremesa caseira no final. A este restaurante decerto que ninguém quer voltar ou mesmo recomendar. Porém ‘O Menu’ é um filme dedicado a todos apreciadores da cozinha gourmet, sobretudo para aqueles, que não tenham medo de serem obrigados a comer, quando chegarem a casa.
JVM
O Menu, em análise
Movie title: The Menu
Movie description: Um jovem casal (Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult) e mais uma série de convidados famosos, viajam para um dos destinos mais exclusivos do mundo, para jantar num restaurante que oferece uma experiência culinária única. Porém, o Chef (Ralph Fiennes) preparou um ingrediente ou um conjunto de pratos e iguarias secretas, que terá resultados surpreendentes, para os dois jovens em busca do amor.
Date published: 1 de January de 2023
Country: EUA
Duration: 106 minutos
Director(s): Mark Mylod
Actor(s): Anya Taylor-Joy, Ralph Fiennes, Nicholas Hoult
Genre: NOS Audiovisuais, Drama, Terror, 2022,
-
José Vieira Mendes - 70
CONCLUSÃO:
Em ‘O Menu’, de Mark Mylod, Margot e Tyler (Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult) são um jovem casal que visita um restaurante exclusivo numa luxuosa ilha remota, acompanhados de um grupo de convidados famosos da elite cultural e empresarial. Com ingredientes promissores, surpreendentes e incomuns, o menu de degustação do famoso Chef Slowik (Ralph Fiennes) oferece algo muito mais profundo do que apenas uma simples refeição ou um jantar romântico. E neste aparentemente simples contexto que o espectador, vai acabar por imergir em algo mais complexo e numa brilhante comédia satírica, de crítica social, com pitadas de terror psicológico, digna de reviravoltas inesperadas, situações absolutamente loucas e chocantes. Enfim preparem-se, porque não é recomendável aos mais sensíveis.
Pros
As interpretações são absolutamente fantásticas e a combinação dos diversas personagens-tipo são das melhores coisas do filme. Ralph Fiennes é incrível e Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult, são os companheiros de jantar perfeitos.
Cons
Falta um bocadinho de corpo e veracidade ao argumento, precisava de um soco no estômago mais ácido e mais eficaz no sentido da mensagem de crítica social e contra a ascensão meteórica de alguns ‘Chefs’.