“Detesto Dune”, este lendário autor de fantasia odiou a obra-prima de Frank Herbert
A areia de Dune não é tão diferente das areias do tempo que sepultam mitos, mas há quem prefira construir torres em vez de desertos.
J.R.R. Tolkien e Frank Herbert são nomes que ecoam nos corredores da literatura como fundadores de impérios imaginários. Um criou Middle-earth, o outro ergueu Arrakis do nada. Ambos moldaram gerações de leitores, inspiraram adaptações lendárias e, no entanto, há um detalhe curioso que poucos conhecem: Tolkien detestava “Dune”. Não um desdém casual, mas uma aversão declarada, quase visceral. Porquê? A resposta não está apenas numa divergência de gostos, mas num abismo filosófico, religioso e moral entre dois mestres da palavra.
Tolkien detestava “Dune” — e não se calou
De acordo com o livro “Tolkien’s Library: An Annotated Checklist“, em 1966, um fã chamado John Bush enviou a Tolkien uma cópia de “Dune” e esperava, talvez, uma troca de elogios entre gigantes. A resposta foi um golpe de espada desembainhada: “Na verdade, detesto ‘Dune’ com alguma intensidade”*, confessou o autor, acrescentando que, quando um escritor ainda está ativo, é-lhe “impossível ser justo com outro autor que trabalha na mesma linha”. A cortesia britânica cedia lugar a uma rara franqueza. Mas o que terá provocado tal reação?
A primeira pista está nas raízes dos dois homens. Tolkien, académico conservador e católico devoto, via a literatura como extensão do sagrado—uma missão quase religiosa. Herbert, jornalista e crítico social, mergulhava na psicologia do poder e na manipulação das massas. Enquanto o primeiro construía mitos para glorificar a virtude, o segundo desmontava mitos para expor a sua mecânica perversa. “Dune” não era apenas um livro; era um ataque ao que Tolkien mais valorizava: a pureza da fé.
E aqui surge o segundo ponto de conflito: a religião. Para Tolkien, a espiritualidade era um farol imutável. Em “O Senhor dos Anéis“, a mão de Eru Ilúvatar (o Deus do seu legendário) guia os eventos, e personagens como Gandalf agem como instrumentos de uma vontade superior. Já em “Dune”, a fé é uma arma. A Bene Gesserit—ordem inspirada nas tias irlandesas de Herbert, que lhe impuseram um catolicismo opressivo—fabrica profecias para controlar os Fremen. Paul Atreides não é um messias; é um estratega que usa o fanatismo alheio para chegar ao poder. Tolkien, homem de convicções inabaláveis, deve ter visto nisto uma blasfémia.
Bem vs. Mal: A batalha que divide dois universos
Há quem diga que “Dune” e “O Senhor dos Anéis” são irmãos distantes—ambos falam de heróis improváveis, impérios em queda e o peso do destino. Mas as semelhanças acabam aí. Tolkien via o mundo em preto e branco: há um Bem a defender e um Mal a combater, mesmo que a vitória seja fugaz. Frodo não destrói o Anel por cálculo estratégico, mas porque é a coisa certa a fazer. Gollum, no fim, é destruído pelo próprio veneno, num ato de providência divina.
Herbert, por outro lado, navega nos cinzentos. Em Dune, Paul Atreides sabe que a Jihad que desencadeia matará milhões, mas avança, porque o fim justifica os meios. Aqui, a moral não é intrínseca—depende das consequências. Assim, para Tolkien, esta lógica seria perigosa. Ele, que riscou da sua mitologia o Valar Makar por glorificar a guerra, jamais aceitaria um “herói” que sacrifica inocentes em nome de um futuro melhor.
No fundo, ambos os livros são produtos de mentes brilhantes, mas opostas. Tolkien via a ficção como um refúgio contra a escuridão; Herbert, como um espelho dela. E talvez seja por isso que, décadas depois, continuamos a lê-los—e a debatê-los.
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