Bird, a Crítica | O filme de Andrea Arnold voou alto e comoveu o Festival de Cannes
“Bird” da britânica Andrea Arnold é um ensaio realista sobre um família pobre e instável dos arredores de Londres, um dos filmes mais bonitos e comoventes desta Competição 77 do Festival de Cannes.
Se “Megalópolis” foi a decepção não se pode dizer o mesmo de “Bird”, o comovente e deslumbrante filme de Andrea Arnold (“Cow”), uma cineasta que já ganhou três prémios do júri aqui em Cannes (2006, 2008 e 2016). Desta feita, a realizadora britânica continua a abordar as verdades sociais com grande profundidade e sensibilidade e posso estar a exagerar um bocadinho pela emoção, mas temos aqui sem dúvida o primeiro forte candidato à Palma de Ouro 2024.
Seguindo fielmente a tradição do realismo social britânico — onde se destaca o ‘mestre’ Ken Loach — dos seus dois primeiros filmes, Andrea Arnold usa novamente a casa, os edifícios habitacionais degradados das periferias urbanas como palcos, capturando o sentimento inato de angústia dos que lá vivem, num estilo naturalista enraizado no poder desses mesmos personagens.
Foi assim em “Red Road” (Prémio do Júri, 2006) e “Fish Tank” (Prémio do Júri, 2008) exemplos brilhantes da incrível capacidade que a realizadora de 63 anos, tem de produzir um cinema instintivo, que revela as circunstâncias caóticas de pessoas marcadas pela dureza da vida e pela exclusão social na sociedade liberal do Reino Unido.
Em “American Honey”, o seu primeiro filme fora do Reino Unido (que recebeu aqui também o Prémio do Júri em 2016), Andrea Arnold embarcou então numa odisseia que se estendeu por várias semanas pelo sul dos EUA, com a missão de filmar uma crónica social, cheia de sexo e drogas, sobre a vida quotidiana de uma equipa de vendas de revistas, porta a porta. Dois anos depois de “Cow” (2022), — talvez pelo seu insólito, o seu filme mais conhecido dos espectadores comuns — um documentário surpreendente que retrata com inteligência e subtileza, veja-se, a vida diária de uma vaca leiteira.
Bird é um regresso ao território natural de Andrea Arnold
Com este extraordinário “Bird”, a cineasta regressa ao seu território natural, retomando os seus dramas sociais, mas indo um pouco mais além introduzindo-lhe um lado de fantasia infantil, ou melhor uma componente do fantástico.
Porém agora, centrada numa família (duas ou várias?) absolutamente disfuncional, caótica e por vezes violenta e numa miúda de 12 anos de idade. Bailey (Nykiya Adams) e o seu irmão pouco mais velho Hunter (Jason Buda) vivem com o pai Bug (Barry Keoghan), um pai solteiro bastante jovem e sem ocupação definida, que lhes dá pouca atenção, algures nos arrabaldes do norte de Kent, não muito longe de Londres. À medida que se aproxima da puberdade, Bailey busca atenção e o seu lugar no mundo e na família.
O instável quotidiano da terna criança, altera-se, quando lhe aparece do nada Bird, um jovem de saias, interpretado por Franz Rogowski, à procura das suas raízes e que lhe proporciona um outro vislumbre e outros horizontes para a sua vida. E mais não digo para vocês descobrirem, quando estrear, esta fábula urbana e familiar filmada freneticamente e com imagens de telemóvel, que é talvez dos filmes mais emocionantes que vi nos últimos tempos.
Barry Keoghan é uma “explosão de talento”
Além disso, o filme conta com uma fenomenal interpretação de Barry Keoghan — uma explosão de talento, também para cantar e dançar —, além do sempre discreto e inspirado Franz Rogowski. Porém, o grande papel do filme está na incrível Nykiya Adams, nos seus gestos expressões e silêncios, sempre muito bem acompanhada pelas outras crianças-actores, que nos fazem acreditar que o que estamos a ver nada é encenado e tudo é verdade.
Destaque ainda para uma intensa e excelente banda sonora que nos contextualiza um tempo e um lugar e nos informa sobre os gostos musicais desta camada de excluídos da sociedade inglesa. O momento ‘Yellow’ dos Coldplay ´absolutamente genial.
Curiosamente, no dia que estreou aqui “Bird”, a realizadora Andrea Arnold recebeu na secção paralela da Quinzena dos Cineastas, a Carosse d’Or uma homenagem que lhe concedida pela Sociedade dos Cineastas Franceses, que o justificam pelas “qualidades inovadoras, coragem e espírito independente”, durante a sua carreira. Não podia estar mais de acordo!
Festival de Cannes em direto:
- Megalopolis, a Crítica | Francis Ford Coppola decepciona no Festival de Cannes
- Festival de Cannes | Não se metam com elas, estão furiosas!
- 77º Festival de Cannes | Le Deuxième acte, de Quentin Dupieux, uma farsa lúdica e provocadora
- Festival de Cannes | Kinds of Kindness, de Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas), em análise
- Three Kilometers To The End Of The World, a Crítica no Festival de Cannes
- Emilia Perez: Um musical que pôs Cannes a cantar e a dançar
Curioso para ver a nova obra de Andrea Arnold?