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IndieLisboa ’23 | Crónicas Curtas #4

A Competição Internacional de Curtas do IndieLisboa prepara-se para chegar ao fim com um novo grupo de projectos!

E, no final da quarta sessão da COMPETIÇÃO INTERNACIONAL CURTAS do INDIELISBOA 2023, o subscritor das análises críticas, a que chamou CRÓNICAS CURTAS, decidiu mudar de estratégia e, em vez de cobrir filme a filme a oferta proposta na programação, preferiu avançar para uma visão selectiva da selecção (passe a aliteração), incidindo apenas a sua escrita nas curtas que classificou ou venha a classificar com, pelo menos, quarenta pontos numéricos, o que equivale a um mínimo de duas estrelas. Esta opção corresponde ao que venho fazendo na MHD (desde sempre, foi esse o critério que assumi na habitual e sistemática abordagem das estreias) e surge no actual contexto de cobertura do Festival, após o visionamento das quatro primeiras sessões da referida competição internacional onde, muito sinceramente, nem sempre encontrei motivos substantivos para valorizar, ou até confirmar, uma ou outra expectativa que o solidário benefício da dúvida sempre pressupõe. Deste modo, na presente crónica e nas seguintes, irei dar conta apenas das melhores produções a concurso, apoiado, sem falsas modéstias, na longa experiência adquirida no domínio das matérias cinematográficas em geral e da curta-metragem em particular, quer como profissional, quer como crítico de cinema.

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Recordo, só no campo do formato curto, que fui autor, programador, produtor e realizador do ONDA CURTA, programa ininterruptamente exibido entre 1996 e 2013 no segundo canal da RTP. Recordo ainda, para o que nos interessa aqui, a fundação e coordenação do Prémio ONDA CURTA que foi durante largos anos atribuído em diferentes festivais nacionais e internacionais, sendo o INDIELISBOA um dos primeiros a integrá-lo no palmarés oficial.

Dito isto, vamos aos eleitos da quarta sessão…!

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ACHEWIQ, LE CHANT DES FEMMES COURAGE, 2022, de Elina Kastler (França). Produção francesa, mas atmosfera argelina. Nesta curta documental iremos logo a abrir conhecer o canto das mulheres de Cabília, região da Argélia habitada por berberes. Trata-se do Achewiq, expressão poética e musical que permite a quem sofre a sublimação dos seus sentimentos e dizer coisas que de outra forma não seriam fáceis de verbalizar alto e bom som no simples discurso directo. Na prática, as mulheres que assim se expressam usam a polifonia das suas vozes como um factor de resistência contra a dor e o sofrimento. No caso que iremos acompanhar, procuram ultrapassar a angústia da perda provocada pela destruição das suas colheitas, facto que introduziu na pacífica existência de uma comunidade, onde a agricultura constitui a principal actividade de subsistência, visíveis parâmetros de desequilíbrio existencial. De um dia para o outro, a natureza que sempre as rodeara passou do verde primitivo ao negro das cinzas que mancharam a paisagem dominante, provavelmente devido ao efeito das alterações climáticas que deram origem a incêndios fora de época e com dimensões nunca vistas por aquelas partes. Também as suas vidas estão agora mais cinzentas, e maiores são as dificuldades. Mas, quando o desespero ameaça atacar o pensamento individual e colectivo, elas reúnem-se e cantam. Para além do mais, divertem-se como loucas, mas assumindo uma loucura saudável. E porque  sabem os limites das suas brincadeiras, controlam bem o humor que juntas no gineceu do lar derramam sobre as suas vidas, como um bálsamo redentor. Muito bem, as nossas mulheres são corajosas, são feitas de uma matéria antiga que, como se costuma dizer, já não se fabrica. Infelizmente, a jovem que decidiu registá-las em filme possui o defeito de muitos e muitas cineastas que olham para o povo comum e, mesmo quando são herdeiros directos ou indirectos da sua maneira de ser e estar, parecem incapazes de concretizar os seus projectos para além da básica atitude de apontar a objectiva e o microfone para o quadro humano e material da sua eleição. Esperam que dali resulte por inércia ou por milagre uma obra fílmica coerente e minimamente interessante para hoje ou para daqui a mil anos ser vista como o olhar sobre uma realidade concreta que, se calhar muito em breve, se arrisca a desaparecer para sempre. Não, a realizadora desta curta adoptou um modelo preguiçoso de abordar o património cultural de um povo e as pessoas que o alimentam, de compreender a sua alma, a sua dignidade, a luminosa individualidade daquelas mulheres que, sem grandes filosofias ou quaisquer estudos antropológicos, sabem melhor do que ninguém que a sua História não pertence a uma ou outra personagem exemplar, mas sim ao conjunto dos rostos, sorrisos, lamentos, esperanças, de quem no quotidiano é solidário e por isso canta o cântico da vida vivida e por viver. Sim, aquelas mulheres herdeiras da cultura berbere mereciam muito mais, mereciam um documentário e não uma reportagem, e os quarenta pontos vão exclusivamente para elas.

CLASSIFICAÇÃO: 40/100


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THE INHERITANCE, 2021, de Marian Farcut (Roménia). Não há dúvida que os romenos são especialistas em fazer filmes em que, com base nas mais diversas circunstâncias e peripécias, nos querem fazer crer que viver no seu país não passa de uma piada de mau gosto inventada por Deus ou o Diabo, vá-se lá saber. Mais uma vez, estamos aqui perante uma comédia plena de humor negro e situações mais ou menos surreais do dia-a-dia, que podem suceder ao mais pacífico dos seres. Por muito simples ou bizarro que seja, qualquer acontecimento pode virar do avesso quem se atreva a sair de casa. E afinal o que se passa nesta ficção? Um homem chega a um posto de polícia para declarar o óbito de um senhor idoso que ele e a mulher cuidavam. Na verdade, encontrara-o enforcado. Depois de uma legítima dose de interrogações por parte das autoridades policiais, seguimos em frente até ao local do macabro acontecimento. Pelo caminho, damos conta que o cuidador informal era dado a certas formalidades, nomeadamente em relação a uma alegada herança que o falecido lhe deixara, a saber, a casa onde vivia. Palavra puxa palavra, e a polícia só encontra contradições nas declarações do dito. Mas, pior, o morto já não estava no local onde era suposto encontrá-lo. Pior do que isto…? Claro que sim, há sempre pior. De repente, o morto sai ligeiro de uma casa de banho situada no exterior, entra em casa e, pelo caminho, manda vir com as alminhas que ali se encontravam. Moral da história: na Roménia só se morre de riso e não de siso, porque nesta altura do campeonato, nós, espectadores, damos connosco a pensar que a realização (um exercício mesmo assim escorreito), e as voltas e reviravoltas do argumento (um caderno de flagrantes da vida real que podia ser encontrado num pacote da Farinha Amparo), foram conjugados de maneira a que nos ríssemos com os disparates observados ou então com a manha de quem quer abocanhar uma casita. Mas não, sabe a pouco. Neste caso, os cinquenta pontos vão para a realização e sobretudo para o actor protagonista que, no seu alucinado papel, apanha boleia da polícia, acaba a pagar uma multa e fica com a bicicleta perdida, lá longe, na esquadra. Pois, mas como se diz no filme: “Esse não é o nosso problema”.

CLASSIFICAÇÃO: 50/100

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Howling
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HOWLING, 2022, de Aya Kawazoe (Japão). Diria que este filme podia ser visto quase e só como um exercício experimental onde o argumento, adaptação de um conto de Haykken Uchida, não fosse sequer importante para nos fazer seguir os intrigantes caminhos através das sombras e da luz que um rapaz, Shusaku, irá percorrer após receber a notícia da morte do seu irmão mais novo. No plano visual, a Direcção de Fotografia destaca com inegável competência e criatividade a complexidade de uma viagem em que as personagens se questionam permanentemente se estão vivas ou já num qualquer limbo de onde, no plano áudio, sobressai uma notável mistura de sons que fazem da banda sonora uma peça fundamental da estrutura que suporta a acção. E o uivo polimórfico, que não se consegue localizar num só sítio, constitui razão suficiente e mais do que justificada para este filme se intitular HOWLING.

Experiência de cinema pelo cinema, que exige um grande ecrã e uma sala com excelente amplificação sonora. Sem dúvida, uma bela surpresa no plano puro e duro da fruição e exploração das potencialidades da linguagem cinematográfica.

CLASSIFICAÇÃO: 60/100



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