Nicholas Hoult é o protagonista de "Jurado #2". ©Max/Divulgação

Jurado Nº 2, a Crítica | O thriller maquiavélico de Clint Eastwood

O cinema norte-americano deve boa parte de sua história e evolução a figuras icónicas como o veterano Clint Eastwood. “Jurado Nº 2”, o seu último filme como realizador aos 94 anos, não é apenas mais um na sua vasta filmografia, mas antes uma profunda reflexão sobre seu próprio legado no cinema. Estreia no streaming da Max, a 20 de dezembro, mas devia estrear nas salas de cinema.

Ninguém parece ter dúvidas que o novo filme de Clint Eastwood, intitulado “Jurado Nº 2” promete ser um marco na longuíssima carreira do cineasta e ator, nascido em 1930. É um escândalo que não chegue às salas de cinema, até porque dada a sua idade deverá ser o seu último filme. Veremos?

Conhecido pelas suas lendárias interpretações em filmes de cowboys (“O Bom, o Mau e o Vilão”) e policiais (os da saga da sua personagem do investigador Dirty Harry), Eastwood construiu uma carreira de actor que se estendeu ao longo de cinco décadas, ao mesmo tempo que se afirmou como um dos realizadores mais respeitados da indústria cinematográfica norte-americana e do mainstream qualificado, criando obras de autor que marcaram várias épocas e ganharam prémios nos mais conceituados festivais internacionais.

Nos últimos anos, Clint Eastwood tem-se praticamente dedicado à realização e produção de filmes (através da sua Malpaso Productions) que vão muito para além do mero entretenimento, proporcionando-nos profundas reflexões sobre a moralidade — um pouco à sua maneira de um americano, com certos toques de conservadorismo — e a natureza humana.

Destaque para filmes como “Sniper Americano” (2014) ou “Milagre no Rio Hudson” (2016), inseridos numa lista imensa de obras que arrecadaram a aclamação crítica mundial e os favores do público; ou filmes como “Imperdoável”, vencedor do Oscar em 1993, uma obra que revelou a sua enorme habilidade para contar histórias com forte impacto.


“Jurado Nº2” vai diretamente para o Streaming

Inteiramente produzido para a plataforma de streaming Max e com uma estreia muito limitada em sala (apenas para lhe abrir a possibilidade de uma candidatura aos Óscares 2025) “Jurado Nº2”, regressa aos dilemas morais de Eastwood ou seja mais uma velha história, mas contada de outra maneira, desta vez com em torno de um julgamento em tribunal com jurados em acção — numa piscadela de olhos a “Doze Homens em Fúria” (1957), de Sidney Lumet —, por causa de um assassinato e que no seu decorrer se revelam segredos sombrios e questões de consciência bastante complexas.


Um thriller psicológico de tribunal

A grande novidade em relação aos já clássicos anteriores de Eastwood é que “Jurado Nº2” trata-se de um um thriller psicológico, onde o espectador vai viver directamente a experiência subjectiva de Justin Kemp (uma excelente interpretação do actor inglês Nicholas Hoult), um tipo alto e bem-parecido que aliás se parece um pouco com Clint Eastwood, quando era novo.

Logo de início Kemp parece representar a figura do homem bom e leal marido de uma mulher também jovem (Zoey Deutch) prestes a trazer o seu primeiro filho ao mundo. O facto de ser nomeado jurado num caso de homicídio abre, implicitamente, a existência de um outro casal, aproximadamente da mesma idade, que se revela como o seu contraponto infernal, conflituoso e instável.

Enquanto o primeiro casal se baba com os novos momentos da maternidade, o corpo da segunda rapariga acaba de ser encontrado sem vida na berma de uma estrada. Quanto ao seu companheiro, trata-se de um notório e agressivo traficante de droga (Gabriel Basso), que se torna imediatamente no suspeito de a ter morto; depois de saírem de um bar onde ambos, pareciam visivelmente embriagados, discutem, agridem-se e separaram-se na rua, diante de vários testemunhos e até registros no telemóvel.

Jurado #2
“Jurado #2” além de um filme de tribunal é um excelente thriller psicológico. ©Max/Divulgação


O complexo de culpa

O jovem Justin Kemp (Hoult), sem alternativa de recusa, na companhia dos seus co-jurados em tribunal, será, levado a julgar a inocência ou a culpa do suspeito, que está de certo modo fortemente indiciado e com poucas hipóteses de se safar. Incluindo sob o olhar implacável de uma procuradora-adjunta (Toni Collette, um extraordinário e elegante regresso desta fabulosa actriz, com a arrogância necessária ao papel), em plena campanha para subir ao escalão superior da magistratura, ainda mais disposta a encerrar rapidamente e sem problemas este caso que tem em mãos.

O filme junta-se para nunca mais se soltar da perspectiva do jovem jurado e logo a partir das suas primeiras ‘visões’. O jovem Kemp, o “Jurado #2” sofre de reminiscências sobre o que se passou realmente, ao mesmo tempo, que parece assombrado pelo passado, neste caso, pelo seu próprio passado e envolvimento na situação que está a ser julgada. De repente abre-se um mundo turvo e falível. Onde está o bom e onde está o mau? Culpado ou inocente?

Kemp por seu lado parece consumido pela culpa e ansioso por salvar a sua própria pele, ao ponto de ir aconselhar-se com o seu mentor, que é ao mesmo tempo jurista (Kiefer Sutherland), que o alerta para as consequências. Presume-se que o suspeito arrisca uma pena pesada embora seja inocente do crime de que é acusado; e que só Kemp o poderia salvar, manobrando tanto contra os jurados que querem a pele do arguido, como contra as suspeitas que podem inclinar a investigação para a sua própria responsabilidade.

Jurado #2
Toni Collette, num extraordinário e elegante regresso como procuradora. ©Max/Divulgação


Vale a consciência do espectador

Na verdade, os dados são lançados perante “Jurado Nº2” e tornam-se mais rigorosos à medida que o julgamento avança para a sua conclusão. Alertado por um polícia reformado, (J.K. Simmons é o ex-jurado do grupo, afastado obviamente pelo tribunal, por causa da sua profissão) que não acredita na culpabilidade do suspeito, a procuradora conduz por sua iniciativa uma contra-investigação. As testemunhas começam a vacilar. A lista de automóveis recentemente reparados na zona inclui o veículo que está em nome da mulher de Kemp.

A tensão aumenta perigosamente, no ecrã. Uma tensão aliás estranha, porque não envolve, por parte do espectador, um preconceito a favor de nenhum dos intervenientes. Ou seja, quem vamos salvar? O cidadão honesto, involuntariamente responsável pela situação? Ou traficante violento, que tem sangue nas mãos, mas é inocente do crime de que é acusado? Escolher um ou outro equivale a manchar a verdade ou a justiça.

Mas temos que escolher….Eastwood, conhecido como um bom libertário-conservador, apesar da sua provecta idade, sustenta pelo contrário em “Jurado #2” que a justiça, falível como instituição, é apenas uma questão que envolve a obrigação de cada indivíduo: defender a sua liberdade e a sua moralidade. Estes são de facto os únicos parâmetros ou melhor o suficiente para  esta distinguir o bem do mal. Daí para a frente a consciência é nossa, como espectadores. Um filmaço!

Curioso para ver este novo filme do icónico Clint Eastwood?

Jurado #2 | O thriller maquiavélico de Clint Eastwood

Movie title: Jurado #2

Movie description: Durante o decorrer do julgamento, um dos jurados Justin Kemp (Nicholas Hoult) descobre estar envolvido diretamente na morte investigada. Ele enfrenta o dilema de salvar o réu (Gabriel Basso) injustamente acusado sem se incriminar a si mesmo por um acidente originado pela sua própria imprudência.

Date published: 14 de December de 2024

Country: EUA, 2024

Duration: 114 minutos

Director(s): Clint Eastwood

Actor(s): Nicholas Hoult, Toni Collette, Kiefer Sutherland, Zoey Deutch, J. K. Simmons

Genre: Drama, tribunal, thriller psicológico.

  • José Vieira Mendes - 85
  • Cláudio Alves - 85
  • João Fernandes - 85
85

CONCLUSÃO:

Autor aos 94 anos de uma obra já monumental, Clint Eastwood proporciona-nos com o “Jurado #2”, como na maioria das vezes, um filme de excelente qualidade, do qual desta vez o seu corpo está ausente mas o seu espírito persiste. Apresenta-nos um filme de ensaio de tribunal, com um argumento bastante distorcido, mas que à partida parece até ter uma certa ligação com o clássico “Doze Homens em Fúria” (1957), de Sidney Lumet. Porém, o que torna “Jurado #2” único é sua abordagem crítica sobre a responsabilidade pessoal e a busca pela justiça. O filme convida-nos a refletir sobre as consequências das ações impulsivas e sobre o impacto do comportamento imprudente. Ao situar o argumento num contexto judicial, Eastwood explora os limites éticos e legais enfrentados pelos indivíduos envolvidos no processo. A história levanta questões relevantes sobre culpa e integridade e cada personagem no filme é uma peça-chave, desempenhando um papel crucial no desenrolar da história. Incrível!

Pros

  • O melhor: . O mais pequeno filme de Clint Eastwood através da sua compreensão e da complexidade exigida pela sua ficção, acaba por se transformar num verdadeiro ensaio filosófico, numa espécie de crítica da razão pura.

Cons

  • O pior: Algumas revelações aparecem talvez suficientemente cedo no filme para que a hipótese da culpa de Kemp e, portanto, da inocência do homem que estamos a julgar, circunscreva o terreno real em que este filme se desenrola.
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