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Leva-me Para a Lua, a Crítica | Scarlett Johansson e Channing Tatum encontram o romance

Scarlett Johansson está de regresso ao grande ecrã no novo filme de Greg Berlanti, “Leva-me Para a Lua”, onde partilha o ecrã com Channing Tatum.

“The truth is still the truth, even if nobody believes it. And a lie is still a lie, even if everybody believes it.” (A verdade não deixa de ser a verdade, mesmo que ninguém acredite nela. E a mentira não deixa de ser mentira, mesmo que toda a gente acredite nela). Esta frase, que podia ser escrita no mármore de um qualquer monumento de invocação moral e civilizacional, será dita com a maior das naturalidades e alguma má-consciência por uma despudorada arrivista, autêntica profissional da vigarice que até ser contratada para a NASA e para uma certa componente mediática do complexo espacial americano, situado na Florida, passava os dias e provavelmente algumas noites a vender campanhas de publicidade a qualquer preço, convencendo os mais diversos empresários que com ela se cruzavam.

Rocketeers & Marketeers…! (*)

Leva-me Para a Lua Scarlett Johansson
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Homens de negócios, muito satisfeitos com o seu estatuto de machos capitalistas que, por causa das artimanhas dela, acabavam surpreendidos e relativamente impotentes nos escritórios da agência de marketing de Nova Iorque onde a “marketeer” ganhava a vida. Hábil manipuladora, usava a sua lábia (com sotaque a condizer) e os seus atributos físicos para atingir os objectivos desejados e, como habitualmente ficava por cima (falo dos negócios e das campanhas publicitárias, claro está), nem o seu passado pouco recomendável a impedia de seguir em frente com os devaneios e manobras próprias de uma “vamp” sedutora que dava pelo nome de Kelly Jones, a Kelly do Kansas, que saberemos mais para a frente ser um de muitos nomes que usava. Mas, precisamente por causa da sua natureza fictícia, qualquer nome que não o verdadeiro assentaria como uma luva no rosto e no corpinho da personagem interpretada pela actriz Scarlett Johansson, que aqui nos dá uma composição nada espiritual de uma “material girl” e, saberemos mais adiante, com um coração de ouro e um fraquinho pelo seu interlocutor da NASA, o circunspecto Cole Davis (Channing Tatum). Trata-se aqui de salientar desde já a dupla de personagens mais consistente do filme intitulado “Fly Me To The Moon” (Leva-me Para a Lua), 2023, de Greg Berlanti.

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De facto, são precisos dois para dançar o Tango, e os argumentistas apostados em reforçar o lado comédia romântica inventaram um quadro favorável a um semi-romance, consubstanciado sem grande espalhafato sexual pela profissional do marketing e pelo ex-piloto da USAF, veterano da Guerra da Coreia que na vida civil gostaria de ser astronauta mas que, devido a um problema cardíaco, acabou a ocupar (mesmo assim, nada mau) um dos cargos de maior responsabilidade da NASA: a preparação e organização do Programa Apollo, projecto destinado a permitir a chegada do homem ao nosso satélite natural, e ainda o lançamento e acompanhamento dos foguetões e naves espaciais a partir das plataformas instaladas no então designado Cape Kennedy.


Na Vanguarda da Corrida Espacial

Scarlett Johansson Channing Tatum
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Na prática, o Programa Apollo foi antecedido de outros dois, o Mercury e o Gemini. Mas, apesar dos grandes investimentos realizados pelos EUA, a então União Soviética estava manifestamente na vanguarda da chamada corrida espacial. A URSS colocara o primeiro satélite artificial em órbita da Terra (o Sputnik 1, lançado a 4 de Outubro de 1957), e logo a seguir (4 de Novembro de 1957) colocou em órbita o Sputnik 2 que levaria o primeiro ser vivo para o espaço, a cadelinha Laika.

Ainda mais extraordinária foi a proeza alcançada pelo cosmonauta Yuri Gagarin (1934-1968), primeiro homem no espaço e o grande protagonista da Missão Vostok 1, que a 12 de Abril de 1961 o levaria a permanecer na órbita do nosso planeta durante 108 minutos. Dois anos depois (mais precisamente a 16 de Junho de 1963) foi a vez de os soviéticos colocarem a primeira mulher no espaço, feito que gravou para sempre a letras de ouro o nome da cosmonauta Valentina Tereshkova.

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Muito mais aconteceu nos anos seguintes no domínio da conquista do espaço, quer na URSS quer nos EUA. Porém, infelizmente, viviam-se os dias negros da Guerra Fria que opunham por um lado o sistema socialista e os seus pressupostos ideológicos, não apenas os do desenvolvimento científico, e por outro o sistema capitalista cuja aposta no progresso, por exemplo, na consolidação da aventura espacial, sempre esteve dependente da ideia do lucro e das prioridades que os grandes empresários estimavam para salvaguardar as suas estratégias plutocráticas, aliados ou não aos políticos que se esforçavam por sobreviver mantendo os seus feudos e os interesses da classe dominante que os financiava.


Homens na Lua: A Guerra Fria e os Vendedores de Banha da Cobra…!

Leva-me Para a Lua Scarlett Johansson Channing Tatum
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Neste contexto, o plano de colocar um homem na Lua promovido pelo Presidente John Fitzgerald Kennedy (1917-1963) não procurava necessariamente vincar um grande salto em frente do ponto de vista científico nem dar asas mais amplas ao plano de exploração lunar. Esta proposta formulada a partir de Washington como sendo um desafio geracional encerrava em si uma imensa ideia de marketing político e ideológico.

Não sejamos ingénuos: o que se procurava, através de um acontecimento capaz de fazer sonhar qualquer um com sentido de aventura (essa inebriante ideia de ver um módulo lunar pousar no satélite natural da Terra e assistir ao caminhar de um ou dois homens na sua superfície) era fazer com que os EUA alcançassem o prestígio que até aí nunca ou quase nunca haviam conseguido consolidar. E foi sem dúvida uma gigantesca, bem orquestrada e muito bem-sucedida operação de marketing. Recordo o entusiasmo com que eu e milhões de pessoas pelo mundo fora assistiram em directo ao passeio de Neil Armstrong e Buzz Aldrin (imagens inesquecíveis partilhadas pelo mundo a 20/21 de Julho de 1969). Porque envolvia a componente humana, qualquer cidadão sentia um orgulho imenso, mesmo na URSS, porque eram homens iguais a nós os protagonistas desse momento de glória.

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Sabemos hoje, justificada glória que permanece na memória colectiva, mas que na prática durou pouco. De facto, o Programa Apollo após seis outras viagens acabou por ser cancelado, e a NASA viveu então momentos difíceis do ponto de vista orçamental. Entretanto, mesmo no caso da Lua e para mal dos pecados americanos, no plano da ciência espacial foram mais uma vez os soviéticos a alcançar um lugar de honra na corrida, ao serem os primeiros a fazer pousar no planeta um veículo robotizado antes da alunagem do módulo lunar da Apollo 11 e a desenvolver com o Programa Luna uma série de experiências e recolha de dados fundamentais para algumas das acções levadas a cabo posteriormente, inclusive por futuros projectos no quadro da cooperação científica e espacial que entre outros exemplos resultou no acoplamento de uma nave soviética e de uma americana, a Soyuz 19 e a Apollo 18, realizado na órbita da Terra a 17 de Julho de 1975.


De Rabo Voltado Para a Lua…?

Leva-me Para a Lua Scarlett Johansson Channing Tatum
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Regressando ao filme, será importante referir que há uma primeira fase em que se estruturam as grandes linhas da narrativa com base num estilo de comédia polvilhada pela ligeira brisa da aventura levada a cabo por uma dupla de empreendedoras, Kelly e a sua assistente latina. Mas, atingida a velocidade de cruzeiro, a componente comédia satírica começa a ser reforçada, sobretudo a partir do momento em que se desenha a hipótese de encenar uma versão alternativa da prevista alunagem, que na prática exigia a simulação em estúdio e na Terra da réplica do que realmente se iria ver através da câmara que os astronautas levaram para a Lua.

Desde cedo, mas com mais incidência a partir deste patamar, os espectadores irão ser confrontados com a presença de um homem de mão dos bastidores de Washington, onde na Casa Branca estava Richard Nixon, o presidente e até certo ponto senhor dos destinos da nação até ser obrigado a sair pela porta do fundo na sequência do escândalo Watergate. Este “soldado” das sombras ao serviço do poder, nome de guerra Moe Berkus (Woody Harrelson), será o grande mentor deste projecto de falsificação histórica, e Kelly Jones a mulher contratada em segredo para o conceber. E porquê? Bom, era preciso que a Missão Apollo 11 fosse um êxito e nunca um fracasso aos olhos dos homens e mulheres que a nível mundial seguiam os acontecimentos dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. Em suma, era preciso impedir que os EUA fossem humilhados e, pior, perdessem essa oportunidade única de venderem o seu peixe.

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Podia “Fly Me To The Moon” ser neste capítulo da pura e dura ficção (não obstante ainda hoje existirem alguns profissionais da negação que corroboram a ideia da encenação) um filme capaz de lançar os dados de um exercício crítico ao modo desbragado e paranóico como alguns políticos e não só pensavam a geo-estratégica em plena Guerra Fria? Podia, sim…! Mas, desgraçadamente, a um estilo até mais provocador de screwball comedy a produção e a realização preferiram o estilo farsa pela farsa, onde a falta de credibilidade rebenta pelas costuras do que até ali se via com simpatia e cumplicidade. Exemplo maior desta opção, o episódio da câmara da nave espacial que precisa de umas peças de um qualquer aparelho de TV a cores que dois engenheiros da NASA com a ajuda de Kelly vão roubar a uma loja das redondezas a poucos minutos do lançamento da Apollo 11, constitui um dos mais evidentes exercícios de ruído ficcional em que ninguém ou quase ninguém acredita. Pior ainda, a sua inoperância sobrepõe-se ao principal conflito dramático que podia ser o combate entre a verdade e a mentira, a denúncia das manobras da Casa Branca. Ficamos assim só com a superfície da mentirazinha.

De concessão em concessão, ao estilo mais previsível de comédia ligeira que se visiona com um balde de pipocas e umas quantas bebidas gasosas, a derradeira parcela de “Leva-me Para a Lua” empurra uma boa parte das personagens que até ali faziam parte do leque propulsor da sua estrutura base para uma espécie de beco sem saída da acção e emoção, porque bem vistas as coisas já sabemos como a Lua foi “conquistada” e, lá para o fim, resta-nos fazer o mais fácil, ou seja, adivinhar que a aliança Kelly Jones e Cole Davis nem precisa de foguetão propulsor para os pôr em brasa e para de seguida os fazer levantar voo. Estava escrito nas estrelas que as expectactivas nesse capítulo não sairiam goradas, nem que um assanhado gato preto se cruzasse com os dois “pombinhos in love”. Ficamos assim condenados como espectadores a assistir a uma órbita sensual de um futuro romance cujo vértice acontece nas instalações do imenso Kennedy Space Center, provavelmente nas vésperas da conquista da Lua (de Mel) do rocketman e da agora rocketgirl. Ou então, se bem ficámos a conhecer o histórico da menina do marketing, ela vai dar-lhe a volta e vão ambos para a Terra do Nunca, onde a fantasia e a ilusão fazem parte do negócio… Em boa verdade, para as contas do casal vai dar ao mesmo.

(*) Lança-Foguetes & Profissionais do Marketing…!

Leva-me Para a Lua, a Crítica
Leva-me Para a Lua

Movie title: Fly Me to the Moon

Director(s): Greg Berlanti

Actor(s): Scarlett Johansson, Channing Tatum, Woody Harrelson, Ray Romano, Jim Rash

Genre: Comédia, 2024, 132min

  • João Garção Borges - 40
40

Conclusão:

PRÓS: Há motivos para gostar de alguns aspectos inerentes aos valores de produção de “Fly Me To The Moon”. Por exemplo, uma boa reconstituição da época com especial incidência nos meandros mais conhecidos das instalações da NASA na Florida, particularmente para os que se recordam de acompanhar os acontecimentos relacionados com a Apollo 11 e a grande noite (aqui na Europa) da alunagem e posterior passeio dos astronautas na superfície lunar.

Do elenco, destaca-se a prestação da actriz Scarlett Johansson no papel de uma profissional do marketing com um passado pouco luminoso. Trata-se de uma personalidade manipuladora e controversa, que ela representa no limite da percepção da chamada vigarice pura e dura. Menos subtil a prestação de Channing Tatum no papel de um alto funcionário da NASA que cumpre bem a missão relacionada com o “espaço” dado para a sua personagem e apenas os mínimos da missão cinematográfica.

CONTRA: Nada de muito especial, para além do que foi dito no artigo. Trata-se, aliás, de um filme inicialmente destinado ao streaming, cuja estreia em sala permite ser visto na dimensão que me parece a mais adequada. Todavia, uma boa ideia de argumento, desbaratada como foi, deixa um amargo de boca a quem esperava mais e melhor.

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