O Macaco, a Crítica | Uma comédia negra à la Stephen King
Depois de “Longlegs,” o realizador Oz Perkins traz-nos uma adaptação de Stephen King num tom tão sangrento quanto sardónico. “O Macaco” é de morrer a rir.
Nos últimos anos, o género de terror tem vindo a ser repensado num contexto independente ao limiar do prestígio. Fala-se muito em “elevated horror” e, com essas noções, veio também uma epidemia em que o cinema do susto se tornou no palco para se explorarem conceitos de perda, luto e trauma. Já vimos tantos filmes em que o verdadeiro monstro é uma sublimação desses transtornos, como se os preceitos do pulp tivessem de ser aniquilados em prol de algo mais respeitável. Muita psicologia para aqui, muita metáfora para ali, conversas de prémios e subversões, debates sobre significados ocultos e narrativa em forma de puzzle.
O realizador Oz Perkins, filho pródigo de Anthony Perkins, não é inocente nesta matéria. Muito do seu cinema tem-se trabalhado em semelhantes termos, com “Longlegs – O Colecionador de Almas” em diálogo direto com questões do abuso sexual infantil e sua repressão, o trauma enterrado na memória até ao dia em que emerge como um pesadelo imparável. Mas isso não quer dizer que o cineasta ignore as tendências. Tanto assim é que o seu mais recente projeto parece surgir como uma resposta trocista contra os vícios recentes do género. Não que “O Macaco” nasça somente de uma piada meta-cinematográfica. Afinal, as suas origens estão na literatura de Stephen King.
Das páginas de Stephen King para o grande ecrã.
Apesar da sua popularidade, o grande mestre do terror literário raramente produz boas adaptações cinematográficas do seu trabalho. As melhores tendem a ser aquelas que se desviam tanto do original que acabam por enfurecer o autor. Pensemos na “Carrie” de Brian de Palma e no “Shining” de Stanley Kubrick. Talvez por isso, seja mais fácil adaptar histórias curtas, contos singelos ao invés de romances gigantes. “O Macaco” parte de uma dessas criações em miniatura. Nesse sentido, as expansões narrativas aplicadas por Oz Perkins não são tanto uma traição ao espírito e estilo de King, mas uma necessidade dramática que continua a prestar homenagem, senão mesmo vassalagem, ao escritor.
É extraordinário quando o cineasta mantém um teor de fidelidade e, ao mesmo tempo, faz do seu filme uma experiência única que pode existir em completa independência da página. Novamente, encontramos Perkins numa reflexão pessoal, inserindo os seus traumas familiares numa narrativa de terror. A ausência paterna e a morte inesperada da mãe numa tragédia sem precedentes ecoam pelo “Macaco,” aqui apresentado como uma história que tanto entende a sincera emoção destas questões como as subverte em jeito apalhaçado. Porque, afinal, este não é um drama coberto de sangue e vísceras. Pelo contrário, é uma comédia sem vergonha nem pudor.
Trata-se da história de dois irmãos gémeos, Bill e Hal, cujo pai desertou a família. Para trás, deixou uma pilha de objetos sem aparente sentido ou significado. Entre eles está um brinquedo em forma de macaco. O misterioso boneco tem um aspeto tenebroso e, quando lhe dão corda, ele toca o seu tambor e alguma desgraça terrível acontece. A relação difícil entre os irmãos piora com o advento do macaco, cinismo e inocência em conflito, e muito sangue acaba derramado. Inclusive o da sua mãe e do tio. Tudo isto é prólogo, sendo que a ação principal se passa muitos anos depois, quando Hal, agora um pai solteiro que raramente vê o filho, é trazido de volta ao seu passado pela notícia de que a tia morreu em situação bizarra.
Só pode significar uma coisa – o macaco está de volta e a tocar o seu tambor da morte. Assim descrita, a história afigura-se em jeito de tragédia, mas o tom com que Perkins e seus atores interpretam a coisa, está mais próximo da farsa. Tirando a morte da mãe, nenhuma das desgraças que Hal testemunha são retratadas com o pesar devido, a violência feita instrumento num circo macabro que o filme propõe ao espetador. Há ironia neste mecanismo, mas também uma qualidade paradoxalmente sincera. Por outras palavras, a crueldade jocosa do filme é revelada sem pretensiosismos ou falseamentos de importância. O objetivo é fazer rir com carnificina e é isso que os cineastas concretizam.
Quando o terror faz rir, mas não mete medo.
Evidentemente, nem todos estarão dispostos a aceitar estas alquimias tonais d’”O Macaco.” Para fãs ferrenhos do género, o filme poderá frustrar pelo desinteresse total que tem em assustar ou sequer perturbar o espetador. Ao mesmo tempo, é difícil investir o sentimento nas personagens visto que todo o aparato cinematográfico transpira desdém pelo drama humano. Em ambos os casos, há duas exceções que valorizam a fita. Primeiro, temos o macaco em si, esse brinquedo infernal cujo sorriso disforme consegue lançar alguns calafrios pela espinha abaixo. O som ajuda muito, mas o design do bichinho e os efeitos usados na sua animação é que realmente impõem uma presença maligna sobre a obra.
E depois temos Tatiana Maslany como a mãe dos gémeos. Apesar dos seus pronunciamentos sobre a morte cheirarem a cliché deliberado, ela negoceia bem o balanço entre kitsch e melodrama genuíno. A sua perda reverbera pela história e sentimos a sua falta a toda a hora. Os restantes atores estão muito mais virados para a veia humorística da peça, com Theo James em duplicado e a entregar a melhor prestação da sua carreira. Isso não quer dizer que ele evita ser ofuscado. Nem é por Maslany, mas pelo ator de palmo e meio a interpretar as versões mais novas de Bill e Hal. Entregando-se à loucura de Perkis, o jovem Christian Convery é uma revelação. Ainda este ano, ele entrará no “Frankenstein” de Guillermo del Toro, continuando a sua ascensão no mundo do terror. Mal podemos esperar.
O Macaco, a Crítica
Movie title: The Monkey
Date published: 23 de March de 2025
Duration: 98 min.
Director(s): Oz Perkins
Actor(s): Theo James, Tatiana Maslany, Christian Convery, Elijah Wood, Colin O'Brien, Rohan Campbell, Sarah Levy, Oz Perkins, Tess Degenstein
Genre: Terror, Comédia, 2025
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Cláudio Alves - 70
CONCLUSÃO:
Com o auxílio de Stephen King, Osgood Perkins faz troço do “elevated horror” que é moda e questiona o mérito de um terror obcecado com traumas passados, perdas sublimadas e lutos metafóricos. “O Macaco” é um gesto feio contra o estado atual do género, mas também é uma celebração das suas possibilidades. Chegando-se mais à comédia que ao susto, o filme não se leva nada a sério e merece aplausos por isso mesmo. Nem sempre resulta, mas a experiência tem valor. Além do mais, é hilariante na sua parvoíce ensanguentada.
O MELHOR: O macaco em si e a ternura que Maslany traz à cena, sua química com os atores juvenis e o modo como a sua ausência se sente no âmago.
O PIOR: A ironia consegue ser demasiada, levando à apatia do espetador perante uma história tão fincada na subversão que acaba por se sabotar a si mesma. O terceiro ato é o que peca mais por este desequilíbrio.
CA