Monsieur & Madame Adelman, em análise
“Monsieur & Madame Adelman”, o primeiro filme de Nicolas Bedos enquanto realizador, é uma pequena pérola do cinema francês que há semanas se mantêm em cartaz nas salas nacionais graças simplesmente ao ‘boca à boca’.
O realizador francês Nicolas Bedos deu-se a conhecer em França graças aos seus trabalhos em televisão e crónicas em jornais. Mas foi pela escrita em teatro que se tornou reconhecido do público. Por cá não me recordo de ter visto nada dele. Efectivamente falta muito espaço nos media (e atenção dos leitores e espectadores), para a divulgação de novos realizadores e de pequenos filmes como esta pequena maravilha chamada “Monsieur & Madame Adelman”, que tem conseguido sobreviver nas salas à invasão dos filmes de ‘mainstream’, curiosamente graças ao passa palavra dos espectadores. Trata-se do primeiro filme deste argumentista e director de teatro chamado Nicolas Bedos, que resultou de um projeto conjunto com a mulher, a atriz Doria Tillier. Nomeado duas vezes aos Prémios Molière, (os mais importantes Prémios do Teatro Francês) Bedos dirigiu em palco grandes actores como Mélanie Laurent, Niels Arestrup e Jérôme Kircher e escreveu os argumentos de filmes para cinema e televisão, entre os quais “Bouquet Final”, “Les Infidèles”, “Amour et Turbulences” e ainda “Encore Heureux”, inéditos ao que me recorde em Portugal. E para uma primeira longa-metragem, o satírico Nicolas Bedos mostrou uma razoável eficácia e ambição: contar uma relação complicada de mais de quatro décadas, com os mesmos atores e um deles, ele próprio.
Mesmo assim, e com algumas fragilidades notórias de uma estreia atrás das câmaras, Nicolas Bedos consegue assinar um filme brilhantemente escrito, divertido, emotivo e bem interpretado, sobre um amor que atravessa o tempo, com muitas crises e ternos recomeços. No entanto, “Monsieur & Madame Adelman” é um filme que rejeita à partida a ideia de exercício de estilo ou de um discurso típico da comédia romântica, e que conta com objectividade os dramas vividos por um casal ao longo de uma vida a dois (ou nem sempre a dois): como Sarah (Doria Tillier) e Victor (Nicolas Bedos) conseguiram desde os anos 70 suportar-se durante mais de 45 anos? Especialmente Sarah, que teve que lidar com as ansiedades existenciais de seu marido escritor… Quem era, afinal, esta mulher enigmática que vivia na sombra do seu marido? Amor e ambição, traições e segredos alimentam esta odisseia de um casal, com uma história de vida cheia de reviravoltas e surpresas, e com muita música e símbolos do século passado. Para acompanhar o envelhecimento das personagens, antes de cada filmagem, os atores tiveram de se submeter a longas horas de caracterização.
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O sucesso de “Monsieur & Madame Adelman” deve-se a uma imediata empatia com os espectadores, e uma maneira muito particular de evocar a evolução de um relacionamento amoroso e tenso, tendo como critério os ideais da juventude; depois analisa a modo como cada indivíduo vai evoluindo com as mudanças ao longo da vida; mostra como o envelhecimento do casal pode também ser fonte de conflito; e por último como o egocentrismo de um homem que, tornando-se um escritores sucedido, tem problemas em administrar seu sucesso literário e criatividade.
“Monsieur & Madame Adelman” parece uma espécie de viagem ao mundo de Amelie Poulain, onde Bedos compila tudo o que ama e se referencia intelectualmente: literatura, mulheres, os restos de Maio 68, Woody Allen, o pós-pop e todo esse decoro dos anos setenta em que cresceu e se formou; é talvez ainda uma espécie de discurso de alter-ego dos seus (pequenos) excessos megalomaníacos — um escritor, com um comportamento tirânico — uma história de amor romântica e realista e sobretudo uma reflexão sobre a tema da impostura intelectual. “Monsieur & Madame Adelman” é ainda uma odisseia amorosa que combina os livros de Philip Roth, com os filmes de Claude Lelouch, filmada por um admirador de “Boogie Nights” e de “Annie Hall”. Tudo isso, feito de uma forma muito atraente e quase em jeito de fotonovela, em que somos quase convidados para a festa e fantasia de Nicolas Bedos e da sua mulher Dora Tillier. Eles certamente divertem-se muito, os espectadores talvez não tanto, mas “Monsieur & Madame Adelman” não deixa por isso de ser um filme ousado e seguro que nos agarra do principio ao fim e ganha muito pelo carinho e identificação que vamos ganhando cada vez mais pelos personagens. A este respeito, Nicolas Bedos é excelente no seu papel. E por outro lado, a sua parceira e mulher, Doria Tillier — que co-escreveu o argumento — é extraordinária na sua primeira grande composição no cinema, da qual a própria história empresta um certo ponto de vista de mulher e companheira de vida, essencial para dar uma dimensão universal a “Monsieur & Madame Adelman”.
Monsieur & Madame Adelman, em análise
Movie title: Monsieur & Madame Adelman
Date published: 11 de June de 2018
Director(s): Nicolas Bedos
Actor(s): Nicolas Bedos, Dora Tillier, Denis Podalydès, Antoine Gouy
Genre: Drama, Comédia, 2017, 95 min
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José Vieira Mendes - 80
CONCLUSÃO
“Monsieur & Madame Adelman” é uma inteligente mistura de romance e humor cáustico sobre um amor que atravessa o tempo e as crises de uma relação.
O MELHOR: O filme é cativante, brilhante, irritante e por vezes exaustivo quanto baste.
O PIOR: A escolha de usar perucas e maquiagem para envelhecer os personagens nem sempre é feliz, e a história provavelmente ganharia em ser ligeiramente mais curta.
JVM