Jason McDonald/ © Netflix 2023

Maestro, a Crítica | Bradley Cooper dá a conhecer a vida e obra de Leonard Bernstein

“Maestro” conta com realização de Bradley Cooper para dar vida à complexa história do maestro Leonard Bernstein.

Leonard Bernstein (1918-1990) será para muitos, entre os quais me incluo, não só um dos maiores compositores americanos, mas também um dos maestros mais estimados quer por melómanos exigentes quer por significativas parcelas do grande público, sobretudo a partir do momento em que assumiu a faceta, digamos, didáctica que o popularizou enquanto figura de proa dos Young People’s Concerts, os concertos para jovens gravados no Lincoln Center de Nova Iorque e exibidos pela CBS nos Estados Unidos entre 1962 e 1972 e numa diversidade de canais de TV por esse mundo fora, mais de quarenta, incluindo a RTP de Portugal. Tempos que já lá vão, em que a música erudita beneficiava de horários e de uma simpática exposição no prime-time do pequeno ecrã. Hoje, ao contrário, parece que se assiste a uma regressão civilizacional onde a fancaria e o fedor “penetrante” do cheiro a bacalhau predominam.

DE COSTAS UM PARA O OUTRO: PENSA NUM NÚMERO! DOIS, COMO UM PAR?

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Nos minutos iniciais do filme “Maestro”, 2023, escrito, realizado e interpretado por Bradley Cooper, vamos encontrar Leonard Bernstein quando ele estava prestes a beneficiar de um relativo “milagre” que iria mudar a sua vida e o seu destino profissional, ou seja, no limiar de adquirir um estatuto invejável para alguém da sua idade, já que em 1957 foi nomeado maestro principal da Filarmónica de Nova Iorque, substituindo o grego Dimitri Mitropoulos (1896-1960). O outro acontecimento que iria mudar o rumo da sua vida, mas desta vez no plano pessoal e privado apesar das suas incidências no plano público, foi o encontro algo fortuito e nada “milagroso” com uma actriz chilena, Felicia Cohn Montealegre (interpretada magistralmente no filme por Carey Mulligan), a namorada e mulher livre que mais adiante acabou por desviar ou, pelo menos, refrear a exuberante vida social que Leonard Bernstein experimentara nos primeiros anos da sua carreira nos meandros das artes e das letras da Big Apple, onde se envolveu em aventuras e ligações amorosas quer com homens quer com mulheres. Entretanto, os dois acabaram por se casar a 10 de Setembro de 1951.

Maestro Netflix
Jason McDonald/Netflix © 2023

Tudo isto não será iludido, e ainda bem, no “Maestro”, versão Bradley Cooper, coadjuvado no argumento por Josh Singer. Diga-se que inicialmente o filme estava previsto para ser realizado por Martin Scorsese. Mas por causa da rodagem da sua primeira longa-metragem de ficção para a Netflix, “The Irishman” (O Irlandês), 2019, o novo “bombom” biográfico e musical acabou nas mãos do actor que já dera provas da sua competência ao dirigir o melodrama “A Star Is Born” (Assim Nasce Uma Estrela), 2018, uma história singular mas já anteriormente adaptada ao grande ecrã. E o mínimo que se pode dizer é que Bradley Cooper não desilude nesta sua visão do maestro, nem a sua dose de overacting (mitigada mas que por lá anda) vai contra o natural entusiasmo gay (de alegre, não necessariamente de orientação sexual) com que assume a composição do homem e da sua persona, de algum modo justificada e sustentada pela opção que o realizador e actor quis assumir polarizando o estilo muito particular de comportamento, louvado e reconhecido junto dos que seguiam e seguem, através dos materiais áudio e visuais disponíveis, os sinais idiossincráticos da sua exposição pública, ou seja, o rosto e atitudes do verdadeiro Leonard Bernstein.


Nomeadamente quando o músico, mais do que o homem, melhor se fazia notar, sobretudo nas suas exuberantes performances diante das orquestras que dirigiu e que com ele atingiram um patamar de perfeição que ninguém no seu perfeito juízo rejeitaria partilhar como espectador caso fosse bafejado com a sorte de poder assistir aos correspondentes concertos. Na verdade, podemos salientar que “Maestro” dá importância ao mundo em que se inserem esses grandes acontecimentos musicais, mas uma boa parte da sua estrutura narrativa mergulha de forma mais decidida e activa nas contradições da vida do casal, onde objectividade e subjectividade se misturam, nos altos e baixos e na estreita linha que separa a fidelidade de um amor que arde sem por vezes se ver e a pura e dura ruptura. Dois como um par, sim, mas de costas voltadas um para o outro.

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Por duas vezes iremos assistir a esse jogo de perguntas e respostas entre Leonard Bernstein e Felicia Montealegre. Dois momentos similares que, vistos de longe, parecem revelar uma feliz harmonia mas que, vistos de perto, são muito diferentes na sua essência. Um primeiro momento numa era de alguma liberdade individual onde cada um pergunta pelo número que o outro era suposto adivinhar (o número que o parceiro estaria a pensar). E um segundo numa era em que já não havia lugar para nenhuma espécie de inocência e onde a noção da unidade do um mais um serem dois, como era o pressuposto da equação inicialmente desejada, já se perdera no desgaste das curvas e contracurvas da vida em comum. Será na verdade este o conflito dramático que domina “Maestro” e que na minha opinião faz deste filme uma obra capaz de ultrapassar as habituais limitações dos projectos meramente biográficos. Projectos onde com frequência as personagens percorrem caminhos divergentes ou convergentes dos que constam das matérias ditas oficiais, como quem filma alguém a querer ir para um lugar e, em vez de seguir em frente rumo a uma visão pessoal, anda para ali a dar voltas e mais voltas até encontrar a saída de um sempre intrincado novelo dramático, labirinto de emoções, a maior parte das vezes fabricado, para fazer “render o peixe” e agradar a plateias pouco exigentes.

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Destaque ainda para a Direcção de Fotografia a preto e branco e a cores, assinada por Matthew Libatique, numa paleta a fazer lembrar as imagens fotográficas e cinematográficas das diferentes épocas abordadas, com a utilização inteligente do ratio clássico dos enquadramentos que fazem convergir a nossa atenção para o mundo e para a intimidade de Leonard Bernstein e de Felicia Montealegre, personagens que criaram para si um universo de valores próprios que, muitas vezes, não protegem por si só o espaço familiar, uma espécie de santuário de criação, aqui e além invadido pelo exterior que de mansinho acaba subvertendo as regras do jogo comportamental.

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Destaque para o som e, como não podia deixar de ser, para a banda sonora musical onde a música de Leonard Bernstein e a música de outros compositores se conjugam, sem no entanto apagar os silêncios da alma que por lá se expressam através de um olhar, de um sorriso ou de um robusto mas não gratuito estilhaçar das convenções morais da ideologia dominante, o quadro social e político que acompanhou a vida dos protagonistas nos Estados Unidos, e não só.

Maestro, a Crítica

Movie title: Maestro

Director(s): Bradley Cooper

Actor(s): Carey Mulligan, Bradley Cooper, Matt Bomer, Vincenzo Amato, Greg Hildreth, Michael Urie, Brian Klugman

Genre: Drama, 2023, 129min

  • João Garção Borges - 70
70

Conclusão:

PRÓS: Não ser um simples biopic…!

E ainda o facto de Bradley Cooper demonstrar que está pronto para seguir em frente com a carreira de realizador, seja ele actor ou não.

CONTRA: E agora só falta desejar que a habitual brigada da futilidade e o gang das notícias parvas e supérfluas desista do exercício pueril que consiste, grosso modo, em procurar similitudes ou diferenças entre o Leonard Bernstein do filme e o da vida real que porventura só os mais próximos conheciam ao pormenor, e mesmo assim vá-se lá saber. Sobretudo, não nos impinjam a conversa fiada da polémica sobre o nariz do maestro e da lengalenga sobre as armadilhas associadas ao modo como são representados os judeus no cinema e demais artes. De facto, há quem não saiba distinguir um projecto de ficção de uma singela colecção de cromos.

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