TOP 2018 | Os melhores guarda-roupas de cinema
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De criminosas relutantes a bruxas bailarinas, passando por guerreiros africanos e rebeldes californianas, 2018 foi um ano de grande cinema com guarda-roupas a condizer.
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Como já foi referido em muitos outros artigos semelhantes, 2018 foi um ano marcado por maravilhoso cinema. Desde impetuosos projetos de realizadores audazes a grandes prestações de atores consagrados, estes foram 12 meses em que as salas de cinema portuguesas foram casa de verdadeiras obras-primas da sétima arte. Contudo, no meio de tanta excelência, uma parte do mecanismo cinematográfico que tende a ser negligenciado em ocasião de prémios e celebração é o guarda-roupa. Figurinos são parte essencial de muitos filmes, uma ferramenta narrativa e uma parte do discurso formal que pode dizer tanto ou mais que o argumento. Não devemos esquecer a sua importância.
Por isso mesmo, propomo-nos a aqui listar os 10 melhores guarda-roupas do cinema de 2018. Convém avisar que um bom trabalho de figurinos nem sempre é marcado por vestidos de época ostentosos, convém dizer, e muitos dos melhores esforços nesta área são os mais subtis. Há espaço para a espetacularidade, mas nem tudo tem de ser espetáculo e excesso. Também não é preciso que as peças em si sejam feitas de raiz. Por vezes, construir o guarda-roupa para um projeto de arte performativa passa pela recolha de materiais pré-existentes. A escolha do que usar e não usar é em si um gesto criativo.[
Com tudo isso em conta, resta-nos clarificar alguns critérios de seleção e destacar as muitas menções honrosas que têm de ser destacadas quando se tem um ano tão rico em excelência cinematográfica como 2018. Para esta lista, só contaram os filmes estreados comercialmente em Portugal entre 1 de janeiro e 31 de dezembro do ano passado. Filmes de festival ou estreados na TV ou em plataformas online não contam. Outra regra importante é que cada figurinista só pode aparecer uma vez na lista.
Tal norma foi feita especialmente para impedir o domínio absoluto de Sandy Powell e Giulia Piersanti nesta lista. Powell foi responsável pela aventura infantil “Wonderstruck – Museu das Maravilhas”, pela nostalgia faustosa de “O Regresso de Mary Poppins” e as loucuras alienígenas de “Como Falar Com Raparigas em Festas”. A designer italiana, por seu lado, vestiu o triunfo cinematográfico de paixão inebriante que foi “Chama-me Pelo Teu Nome” e a orgia de horror, bruxaria e dança contemporânea de “Suspiria”.
No que diz respeito às numerosas menções honrosas, há que se começar por felicitar os figurinistas cujo trabalho foi tão exímio que conseguiram pôr o mundo do cinema a falar sobre excelência em desenho de guarda-roupas contemporâneos. Entre outros, elas são Sarah Edwards que trouxe glamour e a loucura da moda atual a “Ocean’s 8”. Também há que se felicitar Nancy Steiner cuja tempestade de beges, florais e silhuetas descaídas ajudou a fazer de “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” uma experiência de inesquecível desconforto. Além delas, Michele Clapton, conhecida por “Game of Thrones” e “The Crown, fez da sequela temporalmente bipartida de “Mamma Mia!” uma delícia de modas nostálgicas dentro e fora de um contexto de época e memória.
Num panorama mais histórico, temos de felicitar quem pegou em figuras do passado e, através de estilizações imaginativas ou rigorosa reprodução, lhes deu nova vida no grande ecrã. Alguns exemplos de destaque são o guarda-roupa de “Bohemian Rhapsody” concebido por Julian Day, “Mulher Que Segue em Frente” com figurinos de Stephanie Collie, as modas dos anos 70 que Marci Rodgers trouxe a “BlacKkKlansman: O Infiltrado” e o duplo triunfo de Jacqueline Durran que desenhou as roupas de “A Hora Mais Negra” e “Maria Madalena”.
Virando-nos para a interseção entre o cinema de época e a fantasia, “A Forma da Água” valeu ao lusodescendente Luis Sequeira a nomeação para o Óscar e “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” mostrou que Jenny Beavans é capaz de muito mais que as rendas Eduardianas dos filmes de James Ivory e as loucuras futuristas de “Mad Max: Estrada da Fúria”. Por falar em ficção-científica, “Han Solo: Uma História de Star Wars” deliciou-nos com os seus figurinos retro futuristas e “Ilha de Cães” confirma que um bom guarda-roupa não tem necessariamente de ser desenhado ou vestido para e por atores de carne e osso.
Com as menções honrosas já referidas, chega a altura de realmente nos focarmos naqueles que são os 10 melhores guarda-roupas cinematográficos do ano. Segue as setas para descobrires quais são.
10. VIÚVAS
As roupas que vestimos dizem muito sobre quem somos. No mundo fictício do grande ecrã a verdade de tal afirmação é ainda mais absoluta. Uma mulher de classe alta veste fatos brancos para projetar uma ideia de confiança, mas, à medida que o mundo desaba em seu redor, recorre ao conforto do preto que lhe permite esconder-se nas sombras. Uma jovem que aprendeu a olhar para si mesma como um objeto sexual enverga vestidos justos como um uniforme impessoal. Quem luta por sobreviver numa economia em ruínas e sustentar os filhos veste-se para a praticabilidade, para correr e não ter de gastar dinheiro no autocarro. Outra mãe veste-se em estilos profissionais, tentando convencer-se a si mesma de uma estabilidade socioeconómica que não é mais que uma ilusão facilmente dissipada.
Assim são as quatro figuras centrais de “Viúvas”, o mais recente filme de Steve McQueen e uma obra em que a mestria dos figurinos é escondida pela sua relativa subtileza. Jenny Eagan não desenhou os guarda-roupas das personagens com o intuito do espetáculo. Seu objetivo era o da caracterização precisa, tanto da psicologia individual como do panorama social, económico e político de uma cidade rasgada por intransponíveis barreiras de classe e etnia. Eagan teve de vestir Viola Davis, mas também teve de vestir Chicago.
Com isso dito, a qualidade imersiva de um guarda-roupa naturalista não foi o único objetivo ou o alicerce concetual de Eagan neste projeto. Acima de tudo, o trabalho da figurinista é estabelecer um diálogo com a audiência através da linguagem da indumentária. Veja-se como, para marcar uma reviravolta, uma blusa vermelha é como que um borrão de dissonância visual no meio do ecrã ou como, durante um assalto, a qualidade refletiva de fatos macacos escuros faz com que um grupo de criminosas pareçam espectros etéreos a mover-se na noite. No epílogo que encerra a narrativa até é pelo figurino que o fado de uma personagem é assegurado. Não é preciso diálogo nenhum, só a presença de um casaco confortável e obviamente caro em lugar de ligaduras de licra dourada.
09. EU, TONYA
Existem particulares dificuldades, desafios e contrapartidas inerentes a um filme sobre uma figura tão mediática como Tonya Harding. Uma delas é que grande parte da audiência está familiarizada com a história e seu aspeto. Por isso, para não alienar o espectador, existe uma necessária procura pelo verismo mimético do objeto histórico. No patamar dos figurinos, isso normalmente envolve a pesquisa arqueológica e subsequente reprodução com base em documentos. No entanto, pensar que tal exercício é fácil ou desprovido de criatividade é insanidade. “Eu, Tonya” é boa prova disso mesmo.
A figurinista Jennifer Johnson, de facto, reproduziu de raiz muitos dos fatos de patinagem mais icónicos da controversa atleta olímpica. Contudo, muitos dos figurinos precisaram de cuidadas adaptações tanto ao corpo de Margot Robbie como às exigências da câmara. Cores foram mudadas, proporções apuradas de modo a dar a ilusão de veracidade através da falsidade teatral. Por vezes até, essa procura pelo genuíno levou ao exagero e reprodução de problemas nas roupas originais, como mangas demasiado apertadas ou uma saia mal cosida.
Fora do ringue de patinagem, contudo, Johnson teve de dar asas à imaginação e, com bases históricas, construiu uma versão imersiva do universo social de Tonya Harding, suas características económicas e de classe. Neste filme, um casaco de peles é um símbolo de inalcançável estatuto, enquanto um maillot velho em cores garridas é uniforme e armadura de quem tudo sacrificou, até a moral e a ética, ao altar da excelência desportiva. Por isso e muito mais, tal guarda-roupa de atrocidades estilísticas dos anos 80 e 90 merece estar nesta lista.
08. UM PEQUENO FAVOR
“Um Pequeno Favor” é uma endiabrada subversão do thriller de mistério banal. Além disso, é também um dos filmes com um estilo mais “atual” que é possível imaginar. Quando dizemos atual referimo-nos ao exato momento cultural em que nos encontramos, onde os ditames estéticos de inteiras comunidades são definidos pela influência das redes sociais. Para obter tal “atualidade”, a figurinista Renée Ehrlich Kalfus desenvolveu uma abordagem muito colorida, cheia de referências a estilos retro e muito dependente do tipo de modas populares nas redes sociais como o Tumblr ou o Instagram.
O que eleva esta paródia de mistério acima de tantos outros filmes que parecem editoriais da Vogue é o modo como os cineastas envolvidos encararam tais estéticas com uma boa dose de ironia e voracidade subversiva. Nesta narrativa, a imagem que cada pessoa projeta para o mundo é o produto de intensa curadoria, revelando-nos a interioridade das personagens não pela ilustração da sua psicologia em forma de roupa, mas sim pelo uso da indumentária enquanto uma arma. Para a psicopata Emily (Blake Lively), os fatos de traços masculinos são máquinas de sedução e deliberado mistério. Para Stephanie (Anna Kendrick), suas vestes meio infantis são uma máscara que esconde a podridão amoral da vlogger.
A cereja envenenada no topo deste bolo em pasteis delicados é o revés de códigos de vestuário que marca o final melodramático. Aí, Emily já não é um ícone de elegância andrógina, apresentando-se com a versão demoniacamente perfeita de uma dona de casa dos anos 50 com saia rodada, padrões florais e folhos rosados. Quem diria que tal imagem de feminilidade tradicional, quase menina, pudesse ser o equivalente visual a uma facada. Uau!
07. THE POST
Steven Spielberg, Meryl Streep, Tom Hanks, três nomes de peso do cinema americano que, por mérito próprio, se podem considerar lendas vivas do grande ecrã. No início deste ano, eles estrearam seu primeiro projeto em conjunto, “The Post”, mas poucos foram aqueles que se aperceberam que havia mais um nome lendário a acrescentar às manchetes. Referimo-nos a Ann Roth, figurinista veterana que trabalha em Hollywood desde os anos 60 e que já foi responsável por guarda-roupas tão memoráveis como os de “Cowboy da Meia-Noite”, “Klute”, “Hair”, “9 to 5”, “Working Girl”, “O Paciente Inglês”, “Mamma Mia!” e muitos, muitos outros sucessos.
Aos 87 anos, Roth não mostra intenções de deixar o seu ofício cinematográfico e, enquanto espectadores, só lhe podemos estar agradecidos. Na verdade, é difícil imaginar “The Post” sem a sua meritosa contribuição artística. Observar as cenas a desenrolar-se dentro dos escritórios dos jornais mais poderosos dos EUA é mergulhar no que parece ser uma fotografia da época que ganhou vida. Cada peça de vestuário é requintadamente escolhida, mas ninguém parece estar a vestir o artifício do figurino. Parecem, pelo contrário, pessoas com roupas suas, normais, que há muito se habituaram a viver dentro destas indumentárias.
Trata-se de um guarda-roupa um pouco escasso em espetacularidade daquele tipo que normalmente é reconhecido pela Academia de Hollywood, sacrificando tais prazeres em nome do realismo vivido que o filme exsude. É claro que, para quem procurar espetáculo, Roth também tem algo a oferecer, como se pode ver nos figurinos de Meryl Streep. Seu cafetã doirado, tão memoravelmente usado na noite em que a sua personagem faz uma decisão irreversível e histórica, é um dos melhores figurinos individuais do ano. Observar Meryl Streep coberta em doirado, impor a sua vontade a uma sala cheia de homens em bafientos fatos escuros é daqueles momentos cinematográficos que só vêm uma vez em cada geração. Simplesmente magnífico.
06. LADY BIRD
Em termos de figurinos, “Lady Bird” representa um dos esforços mais subtilmente geniais de 2018. Seu mérito e excelência nascem na intersecção de um trabalho de recriação de um específico ambiente histórico e geográfico (2002, Sacramento na Califórnia), cuidada estratificação de hierarquias socioeconómicas dentro do mesmo elenco, ilustração do gosto profundamente individual e idiossincrático das personagens, assim como a telegrafia de seus arcos psicológicos através da evolução do vestuário.
Somente a construção do guarda-roupa da personagem titular é uma maravilha de caracterização em tecido. Veja-se sua estética de rebeldia improvisada com base em referências que nada têm de rebelde, seu surpreendente gosto por feminilidade tradicional em momentos chave e ideia caricaturada de sofisticação nova-iorquina e matura na última sequência do filme. Como todos os elementos na edificação desta modesta maravilha cinematográfica, os figurinos de “Lady Bird” são ferramentas que humanizam e salientam a especificidade de cada pessoa que aparece em frente à câmara.
De certo modo, até algumas escolhas menos vistosas que as roupas da protagonista detêm em si maravilhosos indicadores de personalidade e história pessoal. Temos o estilo boémio californiano nas roupas mais causais de uma matriarca que usa o seu uniforme de enfermeira como uma constante armadura. Temos o conservadorismo em caquis e camisas largas que um jovem usa para camuflar a sua sexualidade. Temos uma rapariga e seu vestido roxo notoriamente mais barato que o da sua melhor amiga, apesar de ambas serem de classe baixa dentro do ambiente económico que frequentam. Temos isso e muito mais neste filme cheio de detalhes preciosos que merecem ser apreciados e celebrados apesar de nunca exigirem isso ou sublinharem seu mesmo génio.
05. COMO FALAR COM RAPARIGAS EM FESTAS
Vestir uma raça alien separada em castas e com uma cultura apoiada em filicídio canibal, desenhar uma visão realista da colisão entre os subúrbios conservadores da Grã-Bretanha dos anos 70 e adolescentes rebeldes, conceber a indumentária de uma rainha punk com aspirações a diva da moda – tudo isto poderia ser um desafio insuperável para muitos figurinistas. Para a inigualável Sandy Powell, contudo, isso é só uma brincadeira de miúdos, uma distração para se divertir com designs malucos e estéticas alucinantes. Quando vemos “Como Falar Com Raparigas Em Festas” quase sentimos o júbilo da figurinista.
Tomando inspiração na sua própria adolescência e suas indulgências nos movimentos punk e glam rock, Powell ressuscitou uma época perdida na cultura pop britânica e fê-lo com tanta autenticidade como estilo. Se as roupas do protagonista adolescente transmitem uma ideia de marginalização realista, Nicole Kidman afirma-se como o epíteto mais operático da estética, estando coberta com explosões de fechos, blazers mutilados e golas esculpidas em alfinetes de ama.
Com isso dito, as verdadeiras estrelas estilísticas desta adaptação de uma obra de Neil Gaiman são a raça alien que visita Croydon em 1977. Sua separação em cores consoante a colónia a que pertencem foi um elemento tirado do trabalho original de Gaiman, mas Powell muito acrescentou a isso, indo buscar inspiração tanto à alta-costura, à performance art, ao bondage como ao circo. O resultado é algo brilhantemente desumano e divertido, cheio de detalhes fetichistas e toques de humor perverso. Neste filme, Kidman pode ser a rainha do rock, mas Powell é que se afirma mais uma vez como rainha dos figurinistas de cinema. Avé Sandy Powell! Longo seja o seu reinado.
04. COLETTE
De rapariga do campo vestida na moda mais banal que França, em finais de século XIX, tinha para oferecer a ícone subversivo em indumentárias sinónimas de escândalo, a viagem estilística de Sidonie Gabrielle Colette é quase tão extraordinária como seu trabalho e excitante biografia. Por isso mesmo, quando chegou a altura da vida da autora chegar ao grande ecrã, a perfeição dos figurinos foi um dos fatores essenciais para o triunfo do projeto. E perfeição foi o que a figurinista Andrea Flesch alcançou em “Colette”.
Tal qualidade não veio sem esforço, há que ser dito. Flesch passou um ano a fazer pesquisa antes de realmente começar a produção dos figurinos. Nesse período de pesquisa, ela foi acumulando peças vintage, inúmeras técnicas de confeção de vestuário tiradas de documentos da época e até amostras de materiais com mais de um século de existência. O resultado de tal trabalho é um dos guarda-roupas históricos mais impressionantemente autênticos dos últimos anos de cinema.
A exacerbar a grandeza do feito da figurinista está ainda natureza profundamente idiossincrática e incomum das modas presentes na narrativa do filme. As elites intelectuais e transgressoras de género da sociedade francesa do início do século XX não representam um grupo histórico cuja estética tenha tido grande visibilidade no grande ecrã. Para quem tenha conhecimento de História da Moda, “Colette” é bem capaz de ser a primeira vez que tais estilos podem ser apreciados fora do contexto de ilustrações antigas ou fotos arquivadas em museu. Afinal, filmes sobre este período histórico tendem a ser orgias de renda conservadora à la “Titanic” e filmografia Merchant Ivory. Com seus fatos masculinos, fantasias egípcias e infinita coleção de gravatas luxuosas, Colette não podia estar mais distante de tais estilos.
03. BLACK PANTHER
Apesar de nunca ter sido galardoada pela Academia de Hollywood ou mesmo pelo sindicato dos figurinistas, Ruth E. Carter é uma das grandes profissionais da sua arte e tem uma filmografia de fazer inveja a qualquer um. “Não Dês Bronca”, “Malcolm X”, “What’s Love Got to Do with It”, “Amistad”, “Sparkle”, “O Mordomo” e “Selma” são somente alguns dos muitos filmes vestidos por Carter. Em 2018, contudo, a figurinista teve o seu maior sucesso de sempre sob a forma de um blockbuster da MARVEL que muito transcendeu os limites do género de super-heróis para se vir a tornar num titânico fenómeno cultural. Referimo-nos, é claro, a “Black Panther”.
Com um realizador que lhe deu toda a liberdade artística imaginável e os recursos sem aparente fim da Disney a servirem de apoio, Carter fez de “Black Panther” uma montra extraordinária para a sua arte, trazendo o afrofuturismo ao mainstream. Além disso, ela conseguiu fazer aquilo que qualquer criador de um mundo fantasiosos deseja – conceber uma realidade alternativa credível, com História e cultura próprias. Para isso, a figurinista fundiu os resultados de uma pesquisa extensiva a modas tradicionais de todo o continente Africano com as mais recentes inovações tecnológicas em que conseguiu pôr as mãos. Deste modo, um figurino como a imperiosa indumentária branca de Angela Bassett, pode ter traços de iconografia Zulu e a confeção meio futurista de um vestido totalmente feito com cortes a laser e impressoras 3D.
No fausto e ostentação deste insano esforço estilístico existe disciplina, apesar de tudo. Para não cair no caos e tornar o filme num fogo-de-artifício desordenado, Ruth E. Carter estabeleceu, juntamente com o realizador, estritos códigos de cor e simbolismo. Não há espetacularidade sem nexo em “Black Panther”. Cada missanga tem propósito, cada linha de armadura uma razão para existir, quer seja para sugerir uma História antiga ou o individualismo das personagens. No fim, Carter pode-se orgulhar de ter sido responsável pela criação de um dos filmes de super-heróis mais belos de sempre e certamente um dos mais bem-vestidos também.
02. LINHA FANTASMA
Há poucos filmes que ponham tanta ênfase nos seus figurinos como “Linha Fantasma”. A mais recente obra-prima de Paul Thomas Anderson centra-se na relação venenosa entre um barão da moda britânica do pós-guerra e sua musa. Trata-se de uma subversão de clichés narrativos, uma exploração de permutações alienantes do amor e um festim visual do mais alto gabarito. As roupas, obviamente, fazem parte dessa espetacularidade visual, mas seu papel no filme muito transcende tal valor decorativo.
Em “Linha Fantasma”, o vestuário é a exteriorização das obsessões do seu protagonista, das dinâmicas de poder em cena e um símbolo da derradeira banalidade dos falos génios que se coroam a si mesmos. Reynolds Woodcock não é um vanguardista, mas sim um designer conservador dentro do contexto de uma clientela britânica aristocrática. O figurinista Mark Bridges teve a coragem de refletir essas mesmas limitações, como que comentando a hipocrisia das personagens ao mesmo tempo que alicia o espectador com os epítetos sensoriais de renda flamenga a deslizar sobre seda, de casacos de lã precisamente cortada e uma echarpe de veludo a abraçar uma garganta despida.
Linha Fantasma” é um filme de dominância e submissão, de amor humano e paixão artística, de obscenidade decorosa e monstruosidade elegante e muita dessa alquimia tonal e temática depende da genialidade dos seus figurinos. Por isso, o feito de Bridges trata-se de um dos grandes trabalhos de figurinos cinematográficos dos últimos anos. Somente a evolução estilística de Alma, a musa insubmissa cujo estilo pessoal é sintetizado pelo amante, teria merecido o Óscar. Reynolds Woodcock pode não ser nenhum génio, mas Mark Bridges talvez seja.
01.SUSPIRIA
Entendidos do mundo da moda talvez já conhecessem o nome de Giulia Piersanti antes do advento de “Mergulho Profundo” em 2015. A italiana ainda hoje trabalha como designer de malhas para a Céline, mas periodicamente também tem abençoado o cinema com os seus talentos a pedido do amigo Luca Guadagnino. Em 2018, os cinemas portugueses viram estrear mais dois filmes vestidos por Piersanti, ambos assinados por Guadagnino. O primeiro foi o amor de verão “Chama-me Pelo Teu Nome”, com seus estilos dos anos 80 e carga homoerótica. O segundo é até agora o maior feito de Piersanti no panorama cinematográfico, “Suspiria”.
O filme de terror é um remake do clássico de Dario Argento de 1977, mas em nada copia ou evoca a estética especifica do primeiro filme. Nesta nova versão, por exemplo, Guadagnino abordou a narrativa como uma história de época, cheia de especificidade sociocultural da Berlim de 1977. Piersanti reforça tal especificidade com seus desenhos, tendo-se inspirado em peças de cultura popular como “The Eyes of Laura Mars” para conceber um look de tons outonais e linhas distintas desses tempos passados. Contudo, o trabalho da figurinista não se resumiu a conceber um guarda-roupa historicamente correto nas tonalidades certas.
Mais do que qualquer guarda-roupa cinematográfico de 2018, as indumentárias de “Suspiria” são como um puzzle de mistérios e detalhes a transbordar significados sobrepostos e perversos. O corpo feminino, por exemplo, é evocado em inúmeros visuais. Num vestido coberto de túlipas que desenham perfis de mulher, enquanto uma capa negra que Dakota Johnson usa num jantar e cujo padrão aparentemente floral é, na verdade, o motivo repetido das ossadas de ancas femininas.
Piersanti pode conceber tais desenhos, pois fez para “Suspira” o que poucos figurinistas têm alguma vez a possibilidade de fazer e criou de raiz quase todos os têxteis usados no filme. Além disso, em momentos chave, suas criações refletem a loucura em cena através dos próprios materiais da indumentária. Os trajes rituais das bruxas a certa altura são feitos de cabelo humano que Piersanti dispôs sobre bases de fitas entrelaçadas. Os figurinos de dança, pelo contrário, foram criados com a ajuda de técnicas de bondage, sendo que as cordas vermelhas foram mesmo adquiridas em sex shops.
Com tudo isto dito, não podemos terminar este elogio ao trabalho sem igual de Giulia Piersanti sem mencionar os seus subtis piscares de olho ao filme de 77 ou o guarda-roupa de Tilda Swinton. Para referenciar a obra de Argento, a figurinista italiana pegou em padrões dos cenários do filme antigo e aplicou-os a peças como o robe florido que uma bailarina usa nas suas trágicas investigações noturnas. Por outro lado, para vestir Swinton como Madame Blanc, a figurinista fez referência a grandes senhores das artes plásticas e da dança, usando Marina Abramovic e Pina Bausch como suas principais referências. A grande exceção é o robe cerimonial vermelho que a atriz escocesa veste no fim e que foi inspirado por criações de Madame Grés. Desde referências fetichistas até alta-costura francesa, o guarda-roupa de “Suspiria” tem de tudo. É um milagre que seja tão coerente e perfeito, mas assim é este remake fantasmagórico, um trabalho miraculoso.
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