MONSTRA ’22 | Competição de Curtíssimas, em análise
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Ano após ano, uma das secções mais interessantes do Festival de Animação de Lisboa é a Competição de Curtíssimas. Tal não deixou de ser verdade na 21ª edição da MONSTRA, que terminou no passado dia 27 de março.
A mais recente sessão de Curtíssimas na MONSTRA, em 2022, contou com a participação de muitos pequeníssimos filmes. Analisamos agora algumas destas curtas, com a duração média de 1 a 2 minutos e meio e exibidas na sessão esgotada de dia 26 de março, no Cinema São Jorge.
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O ÚLTIMO DESTINO DE MARIKA TAMURA (EUA/ JAPÃO, 2021, 2′)
Em inglês “Final Deathtination” (disponível no Youtube) um trocadilho que faz alusão à saga “Final Destination”, em português “O Último Destino”, é a história de um homem suicida que consulta a Morte, uma agente de viagens, para encontrar o sítio mais adequado para morrer. Acabam por viajar o mundo em conjunto nesta curta de animação digital 3D produzida pela Ringling College of Art & Design, na Florida, e que oferece uma visão diferente acerca das razões que nos fazem ou não querer viver.
O maior trunfo de “O Último Destino” e o que o torna um filme para lá de adequado para figurar entre esta seleção da Competição de Curtíssimas, é o facto de conseguir apresentar uma história complexa e com várias interpretações e oscilações tonais em apenas dois minutos e cinco segundos de filme. Sem dúvida uma entrada forte a pés juntos e uma narrativa super-curta que ainda assim consegue enternecer e surpreender em igual medida (sem dispensar o seu toque de humor negro). Como bónus nobre, é um filme capaz de recordar o ímpeto para viver e descobrir novos mundos que por vezes nos falta. Quanto à animação digital, não deslumbra, mas é eficaz e bem conseguida.
Classificação: 80/100
DINO BONE DE JORDAN POWER E SAM DURKIN (EUA, 2021, 2′)
Mais uma obra nesta competição de curtíssimas que nos chega diretamente dos Estados Unidos e da Ringling College of Art and Design, “Dino Bone” (no Youtube) é uma curta-metragem que conta com um realizador por cada minuto (salvo seja, foi realizada por uma dupla de artistas). Esta é a história de um pai que, depois de encontrar um fóssil de dois dinossauros em posições comprometedoras, fará de tudo para evitar ter “A Conversa” com o seu jovem filho. Para isso, recorre a uma sequência de pequenas mentiras inofensivas.
“Dino Bone” é engraçado, em toda a sua inocente semi-perversão. Aborda um conceito geral, o de ter de explicar a jovens filhos o que é e como se processa a reprodução. Todavia, ao contrário da curta que mencionámos anteriormente, os dois minutos não parecem suficientes e, embora se guie por um conceito humorístico com mérito, “Dino Bone” parece algo..incompleto.
Classificação: 70/100
RAWR RAWR LAND: MELODIA DE AMOR DE ANTONIO MONTILLA (EUA, 2021, 2′)
O próximo pequeno filme é ainda uma obra da americana Ringling College of Art & Design e inclusive também sobre dinossauros. “Rawr Rawr Land” é uma brevíssima homenagem ao filme de Hollywood “La La Land”. A sua acção coloca-nos perante o evento que levou à extinção dos dinossauros. Aqui, os dois protagonistas recusam-se a baixar os braços e, perante a eminente catástrofe, limitam-se a dançar até que os pés lhes doam.
“Rawr Rawr Land: Melodia de Amor” não tem nada de particularmente especial, mas permite-nos passar um bom (e breve) bocado. Quanto à sua estética de animação 3D é, sem tirar nem pôr, a mesma que vimos nas duas curtíssimas anteriores, o que faz crer que estes projetos de alunos seguiram os mesmos fundamentos. Em comum, têm todos a ironia e a capacidade de brincar com temáticas aparentemente sérias.
Classificação: 68/100
COR DE ROSA DE YI HAN (CHINA, 2021, 1′)
No que diz respeito à missão últimas das obras exibidas nesta competição de curtíssimas, “Cor de Rosa” cumpre e simultaneamente não cumpre a sua premissa. Por um lado, enquanto ultra-curta consegue, em apenas 1 minuto e 18 segundos, contar a história de uma menina que sempre sofreu com o preconceito de género e com a sociedade patriarcal: desde a sua infância, passando pelo momento em que menstruou, até à violência doméstica que veio a sofrer no seu casamento.
Este é um filme estupendamente completo para a sua duração. Todavia, no fim, encontramos a nossa amargurada protagonista numa encruzilhada e o único pecado deste bela curta em 2D digital é não nos dar mais contexto acerca deste momento. Fica a reinar o poder da sugestão, mas não deixamos de nos questionar…Será o final demasiado abrupto?
É também notável a expressividade e a mágoa que conseguimos sentir de uma figura desenhada a duas dimensões. Sem dúvida “Cor de Rosa” faz-se sentir pesado, intenso, necessário, contemporâneo e simultaneamente intemporal.
Classificação: 88/100
QUERIDO IRMÃO DE WEI-CHI FANG (TAIWAN, 2021, 3′)
Um irmão mais novo recebe uma carta da sua irmã. As páginas estão carregadas de confissões sobre a dor, a raiva, o arrependimento e o amor que a irmã traz consigo no peito.
“Querido Irmão” é uma história muito simples, como o são na realidade, diga-se de passagem, a generalidade das histórias com menos de três minutos de duração. Isto significa antes que na sua génese esta curtíssima é sobre uma temática universal e fácil de compreender: os ciúmes infantis mas por vezes corrosivos que surgem entre irmãos.
Num filme dedicado a um irmão na vida real, expiam-se os pecados da infância. A animação é distinta e marcadamente oriental.
Classificação: 67/100
SENSORIAL DE ALICIA FROY JOHNSEN (REINO UNIDO, 2021, 1′)
“Sensorial”, uma curta criada na University for the Creative Arts UK, é quase experimental, uma vez que se centra, como o nome indica, em experiências sensoriais e não propriamente num evento ou sucessão de eventos. Uma mulher sente, em todo o seu medo, entusiasmo e êxtase, as memórias sensoriais do seu corpo, as quais a transportam para várias situações distintas, situações que a mente pode querer esquecer mas que o corpo insiste em recuperar.
Uma história curta, inteligentíssima e que carrega em si uma nítida crítica social, no topo do seu pouco mais de minuto e recorrendo a um 2D animado bastante simples no traço mas belo, repleto de elementos e cores (que acabam por contrastar com alguns dos horrores que apoquentam a carne).
Classificação: 85/100
CONSENTIMENTO DE AMBER VALLANCE (BÉLGICA, 2021, 1′)
“Consentimento”, produzida pela The Academy for Visual Arts, em Ghent, na Bélgica, acompanha o momento mais privado entre um casal e tem uma premissa muito simples e muito importante: o consentimento não só é necessário, como sexy. Este é o ponto de partida para uma curta sexualmente desinibida, que procura mostrar o que é dar e obter prazer numa relação a dois.
Estabelece-se também uma relação fulcral entre confiança e prazer, não se dissociando a atitude correta do parceiro da própria satisfação sexual. Uma lição sobre consentimento que infelizmente decorre com as mantas escondidas e que se foca acima de tudo no poder da sugestão. Gostávamos de ter visto mais, ou pelo menos de ser brindados com um estilo de animação mais complexo (embora a ideia de desenhar sobre o lençol seja deveras criativa).
Esta pequena curta erótica é o trabalho de final de curso da artista Amber Vallance, que surge aqui como um nome com potencial para criar no futuro histórias ainda mais ricas.
Classificação: 70/100
LIGADOS DE ESTÚDIO GUNNER (EUA, 2021, 2′)
Do Estúdio Gunner, oriundo de Detroit, nos EUA, chega-nos “Sync”, uma curta animada através do uso de 3D 2 eD digital, sobre conexão nas mais inesperadas das circunstâncias.
Aqui, a sintonia mencionada pelo título faz-se ao nível dos corpos, com três mulheres a partilharem o alívio depois da turbulência. Esteticamente, “Ligados” é uma experiência interessante, uma vez que a sua animação digital a três dimensões é fortemente influenciada por um traço de pintura 2D, casando aqui, de forma exemplar, uma animação mais tradicional com os processos modernos. Belíssima e pouco vulgar, grandiosa quando nos é apresentado o céu radioso em vários tons, assim é esta criação deste estúdio americano.
Classificação: 80/100
O HIERARQUIZADO PREJUDICADO DE CONFORM COX (HOLANDA, 2021, 2′)
Há muito tempo, a humanidade tem-se separado dos animais. Mas quanto mais conhecimento os cientistas têm sobre seres não-humanos, mais veem semelhanças connosco. Esta curta-metragem começa por desconstruir as ideias hierárquicas dos humanos em relação a outros animais, utilizando exemplos da vida real.
Esta curtíssima animada a duas dimensões é deliciosa, procurando argumentar, de forma clara e sempre jocosa – como não podia deixar de ser – porque é que o ser humano não é, na realidade, superior a qualquer outro animal. Fá-lo antropomorfizando vários animais, atribuindo-lhes forças de carácter e ocupações nitidamente humanas, apenas para lhas retirar mais tarde.
Todavia, o absurdo é um valor que vai sempre atravessando esta criação. Brincalhona mas com claro sentido de propósito, esta curta que supostamente defende a “emancipação animal” apenas peca por não ser um pouco mais longa. Ao fim de contas, o seu universo parece rico demais para a finitude a que nos forçam apenas dois minutos de filme.
Classificação: 85/100
ÍMPAR DE LAURA EQUI, LAURA PIRES E MARTA RIBEIRO (PORTUGAL, 2021, 2′)
Entramos na “secção” de curtas portuguesas integradas na Competição de Curtíssimas da MONSTRA em 2022. Quanto a “Ímpar”, é uma história muito breve mas repleta de sentimentos fortes: o desejo de libertação, de conhecer o mundo, de procurar novas realidades e limites. Todos estes sentimentos se vêm projetados na metáfora do voo. Uma metáfora muito comum, diga-se de passagem, mas muito bem executada neste pequeníssimo filme.
Esta é uma curta realizada por três estudantes do Curso de Imagem Animada da Universidade do Algarve, recorrendo a um 2D belo, finalizado com uma banda-sonora muito bem escolhida. Breve mas concisa, “Ímpar” impressiona pela qualidade de um projeto que não foi sequer pensado para o final do curso, mas “apenas” para um workshop. Aliás, a curta foi previamente galardoada pela Academia de Cinema Portuguesa, como anunciado no próprio website da UAlg.
Classificação: 74/100
LIÇÕES NA COZINHA DE MARIANA FERREIRA (PORTUGAL, 2021, 2′)
A falha na tradução é uma das partes mais complicadas de se viver fora. Enquanto vivia no estrangeiro, comecei a gravar algumas conversas que os meus colegas de quarto tinham, sendo que eles próprios também tinham dificuldades em aprender uma língua nova.
“Lições na Cozinha” é uma curta metragem a duas dimensões, a qual reflete acerca das dificuldades linguísticas. Fá-lo através de uma multiplicação cacofónica de sons que nem sempre se tornam fáceis de perceber. Curiosamente, ao contrário do que possa ser sugerido através do nome, esta não é de todo uma história afeta ao espaço da cozinha. Ou a qualquer outro, na realidade. Uma obra sobre barreiras de comunicação que brinca com a situação, evocando um ambiente muito à lá “My Fair Lady”, assim é “Lições na Cozinha”.
Classificação: 65/100
NATA DESTA VIDA DE CLÁUDIA GOMES E RICARDO SOARES (PORTUGAL, 2021, 2′)
Sem qualquer intenção de aludir a trocadilhos, “Nata desta Vida” sumaria, de forma muito criativa e humorística, recorrendo a elementos como stop motion com recurso a fotografia e plasticina, aquela que é a nata da portugalidade. Do fado aos cravos, passando por todos os mais comuns símbolos locais, como o Galo de Barcelos ou azulejos, é “cozinhado” um lote de pastéis de nata compostos de puro saudosismo português.
As metáforas que aludem a uma identidade nacional são introduzidas de formas inteligente, invulgar e peculiar. Eis que um pau de canela se torna habilmente numa guitarra portuguesa, eis que uma casca de limão vira Coração de Viana, eis que a alma portuguesa culmina num único bolo. Uma espécie de video turístico singular, “Nata desta Vida” é criatividade no seu estado mais puro. Esta viagem deliciosa pode ser revista no Youtube.
Classificação: 85/100
OUCH! DE CAROLINA NUNES (PORTUGAL, 2021, 2′)
A autora desta pequeno filme tem joelhos pouco funcionais, os quais lhe trazem frequentes dissabores. Um deles, o qual a jovem explora nesta curtíssima produzida pela Lusófona Filmes em contexto escolar, é a insistência de muitos dos que conhece no sentido de perguntarem porque pode, por vezes, precisar de cadeira-de-rodas ou muletas.
“Ouch!” não só convida à compaixão como nos permite colocarmo-nos no lugar do outro. Pelo caminho, fá-lo com notável boa disposição e ironia. Que todas as obras autobiográficas consigam atingir tal equilíbrio, é o que desejamos depois de ver esta curta premiada na MONSTRA’22 com a distinção de Melhor Curtíssima Portuguesa.
Classificação: 80/100
O DISCO VOADOR PERDIDO DE MIGUEL GALVÁN E MARÍA PAREJA (ESPANHA, 2021, 3′)
Uma menina e a sua cabra brincam com um disco voador, até que este fica preso numa árvore. Ela pede ajuda ao pai, e o pai fará qualquer coisa para recuperar o frisbee da sua pequenina.
Esta é uma pequena curta divertida que acompanha os esforços frustrados de um pai no sentido de resolver o pequeno problema da sua filha. Embora capaz de entreter, a animação tem um ritmo estranhamente vagaroso para uma história de apenas 3 minutos de duração e é, genericamente, muito mais interessante para o público infantil do que para o adulto.
Por isso questionamo-nos, deveria este disco voador ter planado até às competições da MONSTRINHA? Já falando da animação, apesar de bela essencialmente quando falamos dos fundos, nenhum elemento particular salta aqui à vista.
Classificação: 62/100
DONA BELA DE EMMA VIRÁG CSUPORT (ESLOVÁQUIA, 2021, 3′)
Ela sente-se suja. Bella acorda, toma um duche, depila as pernas e, quando se olha ao espelho, a única coisa no reflexo é o seu rosto cansado e envelhecido. Podemos lavar as nossas roupas para nos livrarmos da sujidade física, mas não podemos fazer o mesmo com as nossas almas. Ou será que podemos?
“Dona Bela” chega-nos da Eslováquia e é, quiçá, a curta mais provocadora deste lote, explorando as dinâmicas do desejo e da auto-censura ao retratar a rotina diária de uma senhora da noite. Os pequenos rituais repetidos dia após dia são transmitidos com crescente sentimento de desespero, o qual é alcançado através do talentoso trabalho de montagem e banda-sonora.
Uma produção da Academia de Artes Performativas de Bratislava, “Donna Bella” acerta em tudo: desde a técnica de 2D escolhida, até à música, passando pela palete de cor dominada pelo vermelho ou pela atmosfera sufocante que sabe construir. Outra novidade excelente prende-se com o facto da autora ter disponibilizado a curtíssima online, no Youtube.
Classificação: 92/100
COMPETIÇÃO DE CURTÍSSIMAS COM WYH DE FLORIAN GROLIG (ALEMANHA, 2021, 1′)
“WYH” integra a Competição de Curtíssimas da MONSTRA em 2022 e resume, em pouco mais de um minuto, e recorrendo a uma curiosa animação criada com recurso a papel, aqueles que foram os mandamentos centrais de uma pandemia que nos assombra ha já mais de dois anos.
Vale pela sua capacidade de síntese e intenção de “resumir a pandemia”, vale também pela divertida abordagem a um tema que tem invadido a nossa vida e o entretenimento que consumimos ad nauseam.
Classificação: 70/100
A PROJEÇÃO DE HIPPOLYTE CUPILLARD (FRANÇA, 2021, 2′)
Um projetor solitário cria vida através da exibição de um filme.
“A Projeção” é uma brevíssima homenagem à arte do cinema que, apesar de não ter muito a dizer e não conter muito no seu breve tempo de duração, vale pela ideia importante que lhe é adjacente: a experiência de sala é mágica, rica e inesperada. A animação 2D é também delicada, cuidada, denotando experiência e amor por esta Arte.
Classificação: 65/100
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A MONSTRA ’22, que revelou já os seus grandes vencedores, decorreu entre 16 e 27 de março em Lisboa. No seu rescaldo recordamos algumas das nossas sessões favoritas. Por aí, passaram pelo Festival?
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