MOTELX 2022 | Entrevista aos Diretores Artísticos
Pedro Souto e João Monteiro, os diretores artísticos do Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, o MOTELX, estiveram à conversa com a MHD.
Criado em 2007, o MOTELX é um festival português de cinema de terror que promove a exibição de curtas e longas-metragens, sejam elas recentes ou eternos clássicos, bem como conversas com convidados nacionais e internacionais do setor cinematográfico. Este ano, o evento terá lugar entre os dias 6 e 12 de setembro, tendo o Cinema São Jorge como espaço central. Além disso, haverá um ‘Warm-Up’ nos dias 1, 2 e 3 de setembro, com acontecimentos que prometem levar o espírito do festival para as ruas de Lisboa. A programação completa pode ser consultada aqui.
A poucos dias de chegar até nós aquela que será a 16ª edição do Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, a MHD esteve à conversa com Pedro Souto e João Monteiro, os diretores e programadores do MOTELX. Os cofundadores do evento relacionado com o terror falaram-nos do programa deste ano, dando-nos um panorama mais alargado das novidades que poderás encontrar neste festival. Prepara-te para a semana mais arrepiante do ano!
TEASER | O MOTELX REGRESSA A 6 DE SETEMBRO DE 2022
MHD: O MOTELX tem uma secção que se chama ‘O Quarto Perdido’, que este ano é dedicada a Paulo Branco. Mas, pela primeira vez, vão pegar nas longas-metragens que foram apresentadas nesta rúbrica ao longo das edições, e vai ser lançado um livro. Que importância tem esta obra, não só para o MOTELX, mas para a memória do cinema português?
João Monteiro: O MOTELX encerra uma década de trabalho à volta de uma investigação que não é académica. Está relacionada com a programação do festival e com a nossa vontade desde o início de programar o cinema português num género que nós achávamos não existir. E esta viagem de descoberta fez-nos ficar com a ideia exatamente do contrário, porque, de facto, existe e a maior parte das pessoas, tal como nós, não está a par. Portanto, a importância para o festival é a consolidação desse trabalho e podermos deixar um registo físico daquilo que fizemos nos últimos anos. Quanto ao cinema português, não consigo responder porque não foi feito com esse intuito de acrescentar alguma coisa. Este trabalho que fizemos foi didático para nós e encerra, de certa maneira, os 10 anos do trabalho nesta secção. Obviamente que não saíu mais cedo por motivos pandémicos, mas, se calhar está a sair no momento certo. E portanto, eu espero que possa ter alguma utilidade, obviamente não só para estudantes de cinema, mas para todos os interessados, e que desperte interesse para redescobrir estes filmes ou vê-los outra vez e de outra perspetiva.
MHD: Este ano, esta secção é dedicada a Paulo Branco. Como é que é feita a escolha da pessoa homenageada e que é trabalhada anualmente?
Pedro Souto: Ao longo destes anos todos temos vindo a discutir uma série de ideias que vão crescendo e que se vão amontoando. Se calhar, amontoando é exagerado [risos]. Mas vamos tendo sempre em cima da mesa todos os anos uma, duas, três ideias e, às vezes vai-se discutindo quando é que é a melhor altura. Por exemplo, o ano passado fizemos um especial sobre a Guerra Colonial, porque estávamos a assinalar os 60 anos. Este ano, o Paulo Branco surgiu naturalmente por duas razões. A primeira é que os filmes que vamos passar, “O Convento”, “O Fascínio” e o “Coisa Ruim” não tínhamos ainda exibido em ‘O Quarto Perdido’ e têm esta coisa em comum de terem o mesmo produtor, e depois o livro deu-nos ainda mais esse extra de existirem mais três filmes, o que faz de Paulo Branco o grande recordista de cinema de terror em Portugal. Algo que também um livro e uma investigação deste género acaba por facilitar ou por despertar esse tipo de conclusões e de elações. É claro que estamos a falar de uma ínfima parte da produção deste produtor que tem mais de 400 filmes produzidos em todo o mundo ou Europa, essencialmente, e claro que alguns hão-de ser de género. Foi também um pretexto, não só para terminar a exibição dos filmes que ainda faltavam nessa lista, mas também para o convidar e para poder ouvir as histórias dele relacionadas com os filmes de género e das produções que teve com o [David] Cronenberg e com todos os outros.
MHD: Há 10 anos que o Dario Argento não vinha ao MOTELX. É um acontecimento muito importante para o evento poder trazer um nome deste peso e desta dimensão?
João Monteiro: Nós ao longo dos anos fomos trazendo várias pessoas, e temos tido muita sorte, e é preciso ter sorte, porque pode haver indiponibilidade de datas, etc. Mas a certa altura, nós começamos a mudar um bocadinho para não depender tanto de um convidado. Antes da pandemia já estávamos a apostar nestes novos valores. Portanto, depois de dois anos com uma versão a meio gás a nível de restrições, não a nível da programação, mas sem a hipótese de trazer convidados, nesta nova edição a 100% poder ter o Dario Argento com um filme novo, é um dos grandes momentos deste festival. Por isso, tem uma importância enorme, ainda por cima, tendo em conta que ele é, de facto, a maior lenda do cinema de terror europeu. E já conta com mais de 80 anos, mas continua a trabalhar, portanto, sim, estamos muito felizes!
Pedro Souto: Como já fizemos a homenagem há 10 anos e já lhe oferecemos a estatueta e uma pequena retrospetiva, é um privilégio poder tê-lo como se fosse um realizador como os outros, mas com esse extra de ter essa história. Queremos, se calhar, fazer mais uma conversa com o público, mas no fundo, ele vem cá apresentar o seu último filme e isso é um privilégio. Muitos destes grandes mestres às vezes não têm possibilidade ou não têm interesse em continuar a filmar, e ficamo-nos sempre pelas homenagens, que também são incríveis.
MHD: Antes de começar o evento propriamente dito, há sempre um Warm-Up que acontece em vários locais da cidade. Este ano está espalhado por três sítios diferentes e tem entrada gratuita. Qual é que é a finalidade deste Warm-Up que acontece num modelo diferente do evento em si?
João Monteiro: O Warm-Up começou por ser uma espécie de extra em que começamos a anunciar que o festival está prestes a começar e é quando o ambiente do festival invade as ruas. E era também um pretexto para vermos outras correntes artísticas, tal como exibições na rua. Isso acabou por se tornar uma espécie de tradição para nós. Tentámos sempre fazer coisas diferentes todos os anos e isso tornou-se algo que é indisssociável do festival. O Warm-Up é o festival [risos]! E este ano é ainda mais especial porque tem dois temas, sendo o primeiro a celebração de “Nosferatu”, que 100 anos depois é um filme que continua a ecoar no cinema. E depois, há ainda a questão do livro, e não só, também o projeto FILMar da Cinemateca, que tem estado associado ao restauro de filmes relacionados com o mar. E o curioso é que o filme que nos propuseram é um filme que está no livro. Chama-se “O Fauno das Montanhas”, um filme de 1926, realizado na Madeira, por Manuel Luís Vieira. É um filme muito curioso e que vai ter direito a uma sessão com um concerto de música e num espaço privilegiado, que é o Jardim do Palácio Pimenta, onde fica o Museu da Cidade. Portanto, este é um Warm-Up bastante especial, porque durante dois anos foi mais complicado organizar eventos na rua e eventos com público.
Pedro Souto: O Warm-Up, penso que acaba por surgir em seguimento da nossa obsessão pelo cinema em sala. Desde sempre, este foi o objetivo principal da nossa atividade, e queríamos muito deixar de ter pouca concorrência de eventos e de festas, porque o Warm-Up também já chegou a juntar alguns momentos de festa e de concertos, no Cais do Sodré e noutros sítios. Isso surgiu um pouco dessa ideia de separar, ou seja, fazemos um momento mais festivo ao ar livro, com entrada livre, etc., e depois são sete dias intensos, fechados numa sala de cinema. É claro que depois as coisas vão evoluindo, não quer dizer que não tenhamos outras coisas paralelas durante o festival, mas também com a entrada de um parceiro com muita força cultural, que é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, há uns anos que também nos ajudou a cimentar o Warm-Up como esse espaço de experimentação importante. É um convite que deixamos a todos: apareçam [risos]!
MHD: Entrando no festival em si, gostava que vocês fizessem um pequeno panorama dos filmes que foram selecionados este ano.
João Monteiro: Destacando novamente o cinema português, temos duas estreias mundiais e uma estreia nacional. A estreia nacional é uma animação chamada “Os Demónios do Meu Avô”, realizada pelo Nuno Beato, uma animação em stop-motion, que já está pronta há algum tempo e que não teve a oportunidade de estrear por causa da pandemia, e que assenta perfeitamente na temática do festival. Das estreias mundiais, temos “Criança Lobo”, do Frederico Serra, que vamos exibir e que está no livro, e uma coprodução entre a Galiza e Portugal, chamada “O Corpo Aberto”, que tem no elenco Vitória Guerra e José Fidalgo. Portanto, estes são alguns dos pontos altos. Obviamente que depois também temos dentro das sessões internacionais “Dark Glasses”, com a presença de Dario Argento, acho que já falámos sobre isso [risos]. E temos um filme chamado “Final Cut”, que é um remake de um filme japonês que, curiosamente, ganhou o ‘Prémio do Público’ no MOTELX, e o “Holy Spider”, do Ali Abbasi, que é um realizador que já nos visitou há uns anos com um filme que esteve em competição.
Pedro Souto: Temos um filme chamado “Fall”, que é um intenso episódio, um acidente de duas alpinistas que sobem a uma antena desativada com 300m de altura e que se vêem presas lá em cima. São 40 minutos delas a sofrer nas alturas [risos]. Um ótimo filme para quem tem vertigens [risos]! Temos ainda um filme do México e do Peru, “Huesera”, de uma realizadora chamada Michelle Garza Cervera, também nos traços de terror com um pouco de body harder.
João Monteiro: E há uma maior presença de países que não têm tido representação no MOTELX! Obviamente que o grosso é sempre da Europa e, principalmente, EUA e Canadá. Este ano, vamos ter pela primeira vez um filme do Senegal chamado “Saloum”, um filme da República Dominicana, chamado “Parsley”, e um iraniano chamado “Zalava”. E temos algumas estreias, não de fora da Europa, mas vamos ter pela primeira vês um filme eslovaco, chamado “Nightsiren”, que inclusive ganhou um prémio agora no Festival Locarno, e um filme luxemburguês, com um lobisomem, chamado “Wolfskin”. Também gostava de destacar uma sessão de culto, porque vamos ter algumas sessões de cultos especiais na Sala Multiusos (Sala 2). É um filme açoriano, provavelmente o primeiro filme açoriano da história do cinema, chamado “O Hotel da Noiva”. Foi feito em 2007, por um professor de secundário, que trabalhava para a RTP Açores, filmado num hotel abandonado junto à Lagoa das Sete Cidades, e que na altura foi exibido, fez uma estreia mundial no Teatro Micaelense, e desde então o filme desapareceu, nunca mais foi visto. E era assim um tipo de lenda. Foi-nos dado a conhecer por intermédio de alguns amigos, nomeadamente por um cineasta açoriano chamado Francisco Lacerda, que costuma estar em competição no MOTELX, e ele falou-nos deste filme exatamente para ‘O Quarto Perdido’ e nós fomos à procura do filme e achámo-lo! É, de facto, um filme muito curioso e é um filme pioneiro, e vamos exibi-lo naquilo que acreditamos ser uma sessão de culto, com a presença do realizador.
Pedro Souto: E para terminar, o nosso filme de abertura vai ser o “Bodies Bodies Bodies”, também de uma realizadora. Este ano também temos esse privilégio de ter ainda mais mulheres realizadoras na programação! Nós, por vezes, perdemos alguns dos filmes por razões alheias à organização, ou por falta de disponibilidade de datas, etc. Mas temos estado muito atentos nestes últimos anos e a produção tem aumentado bastante e este ano conseguimos uma maior presença de filmes de realizadoras, até de vários pontos do globo. E até na competição de curtas portuguesas! Portanto, “Bodies Bodies Bodies” é um slasher que vamos apresentar para abrir o festival.
MHD: Para terminar, gostava de perguntar se têm mais algum destaque a fazer sobre a edição deste ano.
Pedro Souto: Temos o regresso ainda mais composto da secção ‘Lobo Mau’, com dois workshops, um peddy paper, uma sessão de curtas e uma sessão de longa-metragem. Temos também um cine-concerto muito especial de homenagem a Bernardo Sassetti, porque vai ter música composta por ele e vai ser no segundo dia do festival, no dia 7, no Teatro São Luiz. É um cine-concerto de “Os Crimes de Diogo Alves”, um dos primeiros filmes portugueses e o primeiro de terror português, que está também no nosso livro. Em termos cronológicos, é um filme de 1911, de João Tavares. Como referi, vai ter música ao vivo com músicos da Escola Superior de Música de Lisboa, com composição Bernardo sassetti, seguida de uma conversa sobre música pelo cinema mudo e especialmente cinema de terror, com a presença de Tó Trips e Filipe Raposo. O maestro que vai estar a tocar na sessão chama-se Desidério Lázaro, e contará com moderação de Inês Laginha, da Casa Bernardo Sassetti.
Prepara-te para a semana mais arrepiante da tua vida! Já tens os bilhetes para o MOTELX 2022?