MOTELx | Killers, em análise
Exibido no último dia do MOTELx 2014. Os anteriores do evento poderiam até ter sido enfadonhos, de fraca qualidade e com ‘scripts’ sem linha condutora. Não foi o caso, e o MOTELx é, em ‘repeat’ anual, a adrenalina cinéfila. Não há como negar a perfeita harmonia caótica de “Cannibal” (Manuel Martín Cuenca), a emotiva monstruosidade de “Aux Yeux des Vivants” (Alexandre Bustillo, Julien Maury), a estrutura coerente de “Honeymoon” (Leigh Janiak), a potência de “The Raid 2” (Gareth Evans) e a genialidade (um hino ao cinema de autor) de “Over your Dead Body” (Takashi Miike).
Quase ocorrida a totalidade de visionamentos, com salas repletas de aficionados e – como se referia – mesmo que os precedentes, por hipótese remota, tivessem causado, no geral, uma insatisfação digna de nota, só por “Killers”, valeria a pena organizar-se um Festival de Cinema.
O psicopata Nomura Shuhei (Kazuki Kitamura) é uma espécie de Patrick Bateman (“American Psycho”), cuja originalidade, fruto dos tempos modernos, reside no facto de gravar as cenas de tortura das vítimas femininas. Calculista e profissional, já o exerce descontraidamente. Como quem prepara um jantar. Como quem compra flores e diz à florista que é perfeitamente capaz de cortar um velhote às postas. Com um sorriso. E a fazer a ingénua menina sorrir também.
A pluralidade surge através de Bayu Aditya (Oka Antara), um jornalista de carreira arruinada. Frustrado pessoalmente, e com uma sede escondida de revolta, deixa-se fascinar e horrorizar, permite-se (esforçando-se pelo oposto) por encontrar uma saída naquilo com que os seus olhos se confrontam, aplicando-o à sua própria vida, embora de forma atabalhoada e emocional. E o que é? Os vídeos colocados na internet por Nomura. Sem querer, há um lado de Bayu que absorve este serial killer e o quer na sua mente e ‘modus operandi’.
Mas o que existirá de tão profundo e diferente nesta realização e argumento de Timo Tjahjanto e Kimo Stamboel ‘aka’ Mo Brothers (os fãs dos autores lembrar-se-ão, possivelmente, de “Macabre” e, exclusivamente quanto a Timo Tjahjanto, de um dos episódios de “The ABC’s of Death” e, também na forma de episódio, “Safe Heaven” (V/H/S 2)? Variadíssimos elementos. Vejamos.
O que desperta em Bayu a vontade de matar? Qual a sua motivação? É inteligível para nós. O guião faz com que, claramente, o percebamos. Já quanto a Nomura, será algo bem mais recôndito. Com raízes tão complexas. Tão longínquas. Tão coerentes com a sua atitude. E será esta dicotomia, este paralelismo que nos fará, em última instância, comparar homicídios premeditados e brutalmente sangrentos. Filmados até ao fim. Condenáveis, evidentemente. Mas paira algo na nossa mente. Há, de um lado, uma ausência de critério, um gelo que, manifestamente, não existe do outro. É inegável essa constatação.
O tormento constante, o desleixo, a culpa, a perda de norte, ‘versus’ a indiferença, a experiência, a ausência de remorsos, a tranquilidade fazem destas duas personagens um exemplo para gerações vindouras na construção de personalidades a nível das ‘criminal minds’.
Acresce nem sempre ser fácil terminar a visualização de uma película com a sensação de que aquele foi o ‘timing’ certo, principalmente quando a sua duração ultrapassou as duas horas e um quarto. Mas “Killers” precisa deste tempo para que o seu sentido seja respeitado.
E que dinâmica. Que humor sábio. Que inteligência emocional.
Porque deste género, são vistos poucos filmes com tanto, parabéns, MOTELx.
Sofia Melo Esteves