Nos Primavera Sound | O melhor e pior da edição de 2019
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O Nos Primavera Sound já não é o que era. Se grandes figuras da música alternativa de agora estiveram presentes, ficaram enterradas em pop sobrevalorizado e ignóbeis sobreposições. Eis o que nos ficou na memória, pelas melhores e piores razões.
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Num mundo regido pela procura desmesurada de gerar notícia, não interessa do quê, há que documentar o que é bom para que não se perca. Assim, numa edição do Nos Primavera Sound onde não falta o que criticar, são cinco os concertos que selecionamos não apenas como os melhores (porque afinal, em terra de cegos quem tem olho é rei), mas como verdadeiramente meritórios (eles e alguns outros) de nos terem levado até ao Parque da Cidade, no Porto. Quisemos assim começar pelo que fez história na nossa vida e nos faz estar gratos pela existência deste Nos Primavera Sound 2019.
Como é possível atestar pela nossa secção de piores, esta edição do Nos Primavera Sound (já se antevia aliás pelo cartaz) esteve longe de ser perfeita e, se o fazemos notar por meio do juízo e da verve do nosso Daniel Rodrigues, é para que não se perca um dos festivais que sempre teve a nossa estima pela real alternativa que representava no actual panorama de poptimismo. A tradição e identidade deste evento constituía um legado da geração X de cuja atractividade para os milenares esta mesma geração X não devia duvidar, até porque não falta neste universo juventude a reclamar, tornar seu e inovar o indie que herdaram. Como o comprova o próprio cartaz no que tinha de melhor.
Seria, contudo, injusto ou mesmo inconsciente da nossa parte deixar que míseras atuações cuja grandeza subjaz apenas no entretenimento dos olhos, através dos seus ostentosos espetáculos, se sobrepusesse a tudo o que na sua discrição e naturalidade, é realmente bom. Assim, para o final e para a posteridade, fica o registo fotográfico e as memórias da grande música que se fez e ouviu nos 3 dias desta edição do Nos Primavera Sound de 2019.
O MELHOR | 5. Fucked Up
É sem dúvida uma opinião controversa. Houve muito boa gente que por ali passou e, num misto de desconforto e de certa incompreensão do cenário anárquico que se afigurava tanto no palco, como à sua frente, preferiu observar de fora ou simplesmente ir dar uma volta. Mas não há dúvida que merece lugar entre os grandes concertos desta edição do Nos Primavera Sound.
O seu punk hardcore, como esperado, destruiu tudo o que podia antes ter sido construído pela placidez das atuações pop/R&B que tanto marcaram este ano o cartaz. Os Fucked Up sabem como dominar o palco e como nos dar tudo o que esperamos. Se é diferente da sua versão em estúdio? Sem dúvida. Melhor? Não sei dizer, mas é certo que voltar a ouvir o último disco dos Fucked Up, depois de ter visto Damian Abraham rugir para o microfone, é todo um outro nível.
O MELHOR | 4. Courtney Barnett
Novamente uma atuação destoante do universo do cartaz. Numa entrega estrondosa, Courtney Barnett trouxe-nos o rock e a sua pujança, entre riffs familiares e solos de guitarra arrebatadores, sempre acompanhados de um arrasto de voz que a torna reconhecível em qualquer lado. Talvez pela sua postura descontraída e divertida, talvez por a vermos dominar tão bem a guitarra, Courtney soou ainda melhor do que em estúdio.
Provavelmente a melhor atuação que passou pelo palco principal, este foi um dos concertos que mais beneficiou de um dos aspetos positivos da edição deste ano. Apesar das interferências a nível sonoro, detetadas em alguns concertos, devido a certas sobreposições infelizes no cartaz (e a um certo palco intrusivo), foi possível testemunhar uma clara melhoria na transmissão do som, face aos anos anteriores. Felizmente para nós, isto notou-se bem no concerto da Courtney Barnett. A sonoridade esteve bem calibrada para a dimensão do parque e da plateia, tendo-se tornado difícil, para quem estava nas imediações do palco principal, não se deixar levar por aquele ímpeto rockeiro.
O MELHOR | 3. Interpol
Na linha do seu estatuto de banda de culto, os Interpol deram um concerto para a sua comunidade de acérrimos entusiastas. Comunidade que não aparenta ter idade. Mas talvez até tenha, se pensarmos que resulta da união dos fãs que os acompanham desde o início do século e dos jovens admiradores que cresceram a ouvi-los nos CDS lá de casa (estou a falar de mim claro). A verdade é que não foram necessárias grandes encenações para que os Interpol dessem um grande concerto, até porque a banda a tal não sucumbiria.
A consciência de que as músicas do passado soaram identicamente ao que teriam soado num concerto há quinze anos não deixa de ser reconfortante, tendo mesmo os novos temas, apesar da sua assumida diferença, mantido uma concordância que reafirmou a inabalável identidade dos Interpol. Canção atrás de canção, foi com um surpreendido entusiasmo que o público se deu conta de que não havia tema que não soubesse de cor.
O MELHOR | 2. Lucy Dacus
Uma das vítimas da malfadada sobreposição, Lucy Dacus foi talvez a menos prejudicada, tendo sido a primeira escolha daquele público que se tentava dividir pelos palcos. Se o ano passado no Vodafone Paredes de Coura atuou cedo e curtamente num palco secundário, já este ano conquistou o seu espaço no palco Super Bock, onde se enquadrou na perfeição.
Numa simplicidade e naturalidade invejáveis, Lucy não necessita de grandes palcos para mostrar tudo o que tem. Sempre afável e sorridente, já encantou e subjugou uma grande plateia de fãs, que a acompanham nos seus arranques de guitarra, tanto conhecendo os seus temas mais antigas como estando a par das músicas que lançou com as boygenius. Estar num concerto da Lucy Dacus é confrontar aquela que escreve e canta as letras que consomem o nosso pensamento, aquela que, sob um ritmo enérgico e vibrante, traduz muito do que nos vai na cabeça.
O MELHOR | 1. Low
Não deixa de ser interessante como os Low (formados em 1993) assomam como o melhor concerto num festival com uma clara preponderância de artistas muito jovens. A principal razão talvez seja Double Negative, o seu álbum mais recente, lançado o ano passado, e que a banda veio novamente apresentar aos lusitanos. Double Negative foi disparado perante uma plateia silenciosa, escondida nas sombras projectadas por um palco imerso naquele contraluz que é a delícia dos fãs e o pesadelo dos fotógrafos. A voz flutuante de Sparhawk e a voz irreal de Mimi Parker interligam-se. Juntas formam um sopro de esperança que arrosta a atmosfera de desespero advinda do som fragmentário, cuja impetuosidade, aliada aos impulsos de luz, nos envolve numa atmosfera transcendente.
Quaisquer dúvidas da viabilidade de ouvir este novo álbum ao vivo, passando pela experiência, desvanecem-se e a certeza apodera-se de nós. Na transição de melodias quase imperceptíveis para crescendos que fazem tremer o chão, no contraluz envolvente ou na escuridão total, a cada instante a banda mostrou que a geração mais antiga ainda tem muito para dar (e ainda bem) a nós mais novos (mas não só) que ali fomos agraciados pela sua arte e alma.
O MELHOR | Menções Honrosas do Nos Primavera Sound
Como dá para ver, o que foi bom, foi muito bom e não há dúvida de que excedeu um sempre limitativo top 5. Claro que existiram muitos outros concertos dignos da nossa atenção e entusiasmo que poderiam constituir uma lista de menções honrosas, como é o caso de Nilüfer Yanya. Doente, em esforço sobre-humano, fez das tripas coração para nos tocar (e bem) aquele seu pop/R&B tão distinto, pelo qual só não gritámos mais porque, claramente, ela não estava nas condições ideais.
As Let’s Eat Grandma também não podem passar sem uma referência especial, ao conseguir, apesar de já bastante esperadas, constituir uma enorme surpresa. Para quem julgava que o seu synthpop não passava de prodígios de estúdio, emprestados de algum produtor (como SOPHIE), as duas jovens amigas britânicas mostraram bem quem manda ali, fazendo vingar o seu virtuosismo instrumental e brilhar as suas magníficas composições. Men I Trust, James Blake, Aldous Harding, Snail Mail, Sons of Kemet e Yves Tumor também granjearam a afeição da nossa equipa, durante esta estadia no Nos Primavera Sound 2019.
O PIOR | J Balvin e reggaeton no Nos Primavera Sound
“A identidade do NOS Primavera Sound é não ter identidade ou género e conseguir arriscar e transfigurar-se de ano para ano” – dizia alguém ao nosso lado num dos muitos concertos que vimos no passado fim-de-semana no Parque da Cidade do Porto. É uma afirmação cuja veracidade é deveras discutível, mas se a própria organização anuncia a vinda da era The New Normal (o slogan que identificou a edição deste ano do festival-irmão em Barcelona), quem somos nós para a refutar taxativamente. Dentro dessa definição, damos as boas vindas a nomes emergentes e consagrados de géneros musicais distintos (Solange, Rosalía, Erykah Badu, Sophie ou Let’s Eat Grandma, por exemplo).
Lamentamos não poder fazer o mesmo a J Balvin, que dividiu o papel de cabeça-de-cartaz com os Interpol, no segundo dia do festival. Haverá quem goste da música de J Balvin? Com certeza. Durante a sua atuação, o NOS Primavera Sound registou a sua maior afluência? É bem provável que sim. Quem o quis ver, divertiu-se? Parece-nos irrefutável. Mas J Balvin não pode caber num festival como o NOS Primavera Sound. Colocar J Balvin num palco que já pertenceu a Nick Cave, Patti Smith ou Kendrick Lamar, é “normalizar” o reggaeton, é exultar o twerk e as palmadas em rabos saltitantes nos ecrãs gigantes, é fazer vénias a produções musicais plastificadas, é dizer que a música pode ser exclusivamente fogo-de-artifício e que os adereços e os confettis lambuzados de azeite podem substituir uma voz, uma letra ou uma melodia. À sua segunda noite (e na terceira também, como se fosse uma aparição diabólica no concerto de Rosalía), o NOS Primavera Sound descartou (pelo menos parte) da audiência que construiu desde o seu início e ofereceu-nos um espetáculo inenarrável digno da festa da aldeia.
O PIOR | Cartaz, horários e múltiplos cancelamentos
Comecemos pela última parte: Ama Lou, Peggy Gou, Mura Masa e Kali Uchis, todos eles cancelaram a sua presença no NOS Primavera Sound a poucos dias (ou no próprio dia) dos seus concertos. Se é certo que a organização pouco pode fazer face a situações deste calibre, também é verdade que outras medidas preventivas poderiam ter sido adotadas. Dois dos cancelamentos (Peggy Gou e Mura Masa) deveram-se a problemas relacionados com cancelamentos ou atrasos de voos, que se poderiam resolver se os artistas assumissem compromissos responsáveis e não viajassem sempre no limite do admissível.
Face a estes cancelamentos, a organização do NOS Primavera Sound também pouco fez para substituir os artistas por outros, com o tempo que teve disponível (exceção feita a Branko, que substituiu Kali Uchis), o que ajudou a adensar a perceção de um cartaz profundamente pobre (como é possível que, a dado momento, a única alternativa a J Balvin seja algo tão antagónico quanto Fucked Up?). Há que somar também a questão dos horários que, embora numa dimensão diferente de anos anteriores, provocaram estragos, como seja o de colocar Lucy Dacus, Tomberlin e Big Thief, artistas com públicos semelhantes, a cantar à mesma hora em palcos diferentes.
O PIOR | Palco SEAT, um amor de vizinho
A princípio estranha-se e depois entranha-se, costuma dizer-se. Mas essa afirmação não se aplica ao novo palco SEAT. A inovação surgiu no ano passado, por substituição da antiga tenda do Palco Pitchfork, e foi uma forma que o NOS Primavera Sound encontrou de criar um palco com peso equivalente ao seu palco principal. Mas este Palco SEAT foi um erro: é frio e desconfortável, comunica de forma deficiente com as áreas envolventes do Parque da Cidade, e projeta demasiado ruído para os outros palcos (estamos a recordar-nos dos concertos de Aldous Harding, MorMor e Lucy Dacus, por exemplo, onde o ruído era desconfortável para o público e para os próprios artistas). Uma estratégia que deveria ser repensada por parte da organização.
EM IMAGENS | Dia 1 Nos Primavera Sound 2019
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