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O Amor Louco, a Crítica | O clássico de Jacques Rivette com Jean-Pierre Kalfon regressa aos cinemas

A Leopardo Filmes traz “O Amor Louco” até ao grande ecrã, um clássico de 1969 do realizador Jacques Rivette.

Na mesma semana em que estreia os quase 180 minutos da primeira longa-metragem de ficção de um realizador vietnamita emigrado nos EUA, “Ben Trong Vo Ken Vang” (No Interior do Casulo Amarelo), 2023, realizado pelo ainda jovem Thien An Pham, a Leopardo Filmes, demonstrando coragem e resiliência cinéfila, estreia igualmente um clássico indiscutível da História do Cinema, “L’Amour Fou” (O Amor Louco), 1969, do então relativamente jovem cineasta e crítico francês Jacques Rivette (1 Março de 1928 – 29 de Janeiro de 2016).

UM PROJECTO LOUCO DE AMOR AO CINEMA

O Amor Louco
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Tal como o vietnamita, iniciou a sua carreira na produção de curtas-metragens onde assinou algumas (arrisco dizer sem exagerar) obras maiores do formato como “Le Coup du Berger”, 1956, que há uns anos exibi no Onda Curta, para além de um retrato que ficou famoso do cineasta e mestre Jean Renoir intitulado “Jean Renoir: Le Patron”, 1967. Nada mais nada menos do que 266 minutos produzidos no contexto da série Cinéastes de Notre Temps, ensaio audiovisual dividido em episódios, a saber, “La Recherché du Relatif”, “La Direction D’Acteurs” e “La Régle et La Exception”.

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Projecto que qualquer Escola de Cinema deveria exibir como matéria curricular, como sucedeu nos idos de 1975-1976 na Escola de Cinema do Conservatório de Lisboa graças a um dos seus mentores, o camarada e professor Alberto Seixas Santos. Fui um dos beneficiários desta nova vaga didáctica, numa altura em que se experimentava pela primeira vez no nosso país uma aprendizagem, nada convencional, dos mil e um caminhos da arte e da linguagem cinematográficas.


Mas a verdadeira importância de Jacques Rivette acabou por chegar com maior impacto aos olhos da cinefilia internacional quando, na sequência da sua afirmação pessoal e colectiva no seio da Nouvelle Vague em França, e ainda no da sua intervenção crítica ao lado do grupo fundador dos Cahiers du Cinéma (onde foi parceiro de nomes como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Eric Rohmer, Claude Chabrol, entre muitos outros), decidiu realizar “La Religieuse” (A Religiosa), produzido entre 1965 e 1966, até certo ponto inesperada mas autêntica pedrada no charco da cinematografia francesa e não só. E porquê? Em boa verdade, devido ao facto de abordar os amores de uma freira, Suzanne Simonin, a dita religiosa, com argumento baseado no romance de Denis Diderot (1713-1784). Na versão fílmica, aquela mulher aproxima-se do pulsar existencial de outra personagem controversa, Justine, segundo a obra escrita pelo Marquês de Sade.

O Amor Louco
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Resultado, o filme foi proibido em França no meio de acusações reaccionárias envolvidas num clima de escândalo. E, ao contrário do que por vezes acontece, esse facto dificultou seguramente a perspectiva de o realizador poder realizar outra futura obra com a liberdade que desejava. Mas a azia dos decisores e os ecos da censura e da controvérsia foram-se desvanecendo, e quatro anos depois Jacques Rivette conseguiu obter os fundos necessários (enfim, um orçamento apertado, quarenta e cinco milhões de francos) para a sua nova longa-metragem, precisamente a que agora se apresenta no circuito comercial em Portugal e que se manteve inédita comercialmente pela simples razão de que nunca por aqui, salvo melhor informação, se exibiu a versão integral, ou a que se aproxima mais dessa versão.

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Na verdade, há uns anos a Fundação Calouste Gulbenkian organizou um grande ciclo dedicado ao cineasta, mas o “L’ Amour Fou” que então se exibiu foi a versão remontada com 132 minutos e não a obra pensada e defendida inicialmente com os seus 252 minutos, aquela que podemos ver aqui e agora. Finalmente, impressiona o modo como, com uma equipa reduzida e uma rodagem de cinco semanas, o resultado final, para além do evidente fôlego experimental e ficcional, nos dá a sensação de coerência e consistência artísticas que falta a muitas outras com orçamentos milionários e contribuições mais ou menos plutocráticas.


Terceira longa-metragem numa obra recheada de grandes projectos de vanguarda, “O Amor Louco” marca o reencontro de Jacques Rivette com uma das dinâmicas que sempre apreciou, a dialéctica entre Teatro e Cinema. Deste modo, o percurso de uma personagem como Sébastien (interpretada por Jean-Pierre Kalfon) funciona numa dupla dimensão, aquilo que diz respeito aos meandros da sua vida e aquilo que faz parte da “vida” da peça que ocupa os seus dias como encenador, ou seja, “Andrómaca”, na verdade a Andromaque do poeta e dramaturgo francês Jean Racine (1639-1699) e não a do poeta grego Eurípides (480-406 a. C.).

O Amor Louco
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Entretanto, uma equipa de TV dirigida por André S. Labarthe (cineasta e crítico francês, figura de proa e companheiro da geração a que pertence o realizador) encarrega-se de filmar um documentário em 16mm cujo material será incorporado na estrutura do filme em articulação com a restante fotografia em 35mm. Pelo meio assistimos ao desabar de uma união e ao despontar de um amor louco quando Claire, a mulher de Sébastien, interpretada pela luminosa Bulle Ogier, compromete a relação que existia no seio do casal abrindo as portas a uma nova realidade emocional.

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Nestas coisas, nada como interpretar ou simplesmente ler a palavra do realizador: “Naturalmente que a escolha de ‘Andrómaca’ não foi inocente. Os riscos de analogia entre a peça e o ‘L’Amour Fou’ impressionaram-nos ao ponto de o Jean-Pierre Kalfon e eu  decidirmos evitar as aproximações demasiado evidentes entre Racine e o que estávamos a fazer. Teria sido demasiado fácil explorar esse lado e acabaria por ser bastante desagradável. Todavia, no decorrer das filmagens e posteriormente na montagem nunca nos sentimos obrigados a suprimir o que poderia surgir como relação, apesar de, como disse antes, nunca a procurarmos. Era preciso que ambas as coisas fossem paralelas e que os ecos de uma na outra fossem relativamente acidentais. O princípio foi o de deixar as coisas acontecerem por si mesmas, sem nunca as forçar. Presenciá-las como um observador”. E acrescento outra magnífica citação: “No cinema, o importante é o momento em que já não há autor do filme, já não há actores, já não há sequer história, não há assunto, nada senão o que o filme diz”.

O Amor Louco, a Crítica
O Amor Louco

Movie title: L'amour fou

Director(s): Jacques Rivette

Actor(s): Jean-Pierre Kalfon, Bulle Ogier, Josée Destoop, Michèle Moretti

Genre: Drama, 1969, 252min

  • João Garção Borges - 90
90

Conclusão:

PRÓS: Restauro meticuloso e verdadeiramente milagroso, já que alguns materiais originais sofreram danos consideráveis. Magnífica cópia digital em 4K, com supervisão da Directora de Fotografia Caroline Champetier.

CONTRA: Nada.

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