Adrien Brody (The Brutalist) © Brookstreet Pictures

O Brutalista, a Crítica | O filme de Brady Corbet é uma obra-prima monumental.

Com duração de três horas e meia (215 minutos), incluindo a novidade de um intervalo, “O Brutalista”, do actor e realizador Brady Corbet é um drama épico incrível, filmado em 70mm, que passa sem se dar por isso e que segue parte da vida de um arquiteto judeu László Toth (Adrien Brody) imigrado para os EUA, depois de ter sobrevivido a Auchevitz. É um dos mais fortes candidatos a Melhor Filme dos Óscares 2025, pois tem dez nomeações. Estreia esta semana nas salas nacionais.

“O Brutalista”, o drama épico do norte-americano Brady Corbet, é sem dúvida o melhor e mais completo filme nos potenciais candidatos a Melhor Filme dos Óscares 2025. E porquê? Em primeiro lugar, pelo risco de numa altura em que a pressão do mercado cinematográfico exige produções mais dirigidas ao grande público e de entretenimento, um jovem realizador que ainda há pouco era actor se atreva a filmar um épico de grande formato e de longa duração, à semelhança dos grandes clássicos da Era de Ouro de Hollywood.

Para além disso, é um filme que está na ordem do dia, sobre a arte e a vida e que segue um personagem fictício, mas que até parece que existiu na realidade, em toda a sua abrangência e obra. Trata-se da história de um arquiteto judeu de seu nome László Toth (Adrien Brody) e da sua esposa Erzsébet (Felicity Jones), que se passa numa jornada de décadas, após a sua viagem da Europa Central, quando terminou a Segunda Guerra Mundial, para construírem uma nova vida na América, e depois de alguns anos separados.

László Tóth é retratado como um visionário e o seu trabalho reflete a influência do Brutalismo, um movimento arquitetónico da Bauhaus, conhecido pelas suas formas austeras, do uso de betão e respeito sobretudo pela funcionalidade. O realizador Brady Corbet explicou mesmo que “O Brutalista” ‘é um filme sobre como a psicologia do pós-guerra moldou a arquitetura do pós-guerra’.

Por sua vez, “O Brutalista” inspira-se também nos clássicos do cinema americano dos anos 40, como “Verdade Indómita” (“The Fountainhead), de King Vidor; um filme que também por sua vez é baseado no romance de Ayn Rand (1905-1982), a escritora russa-judaica e filósofa do movimento Objectivista norte-americano: um sistema filosófico que vê o ser humano como uma criatura heróica, que deve ter a busca da felicidade como obrigação moral, a produtividade como objetivo e a razão como absoluto. Brady Corbet parece ter estudado exaustivamente, os escritos de Ayn Rand.

the brutalist critica tiff
“The Brutalist” © TIFF

Um outro Tóth famoso pela negativa

Curiosamente, a realidade conheceu um outro húngaro que se auto-intitulou László Tóth. Esta personagem entrou para a história, mas de forma bastante negativa e muito diferente da do personagem do filme; esse outro Tóth ficou conhecido pelo seu ataque à Pietà, a famosa obra de Miguel Ângelo, que está na Basílica de São Pedro, em Roma.

A 21 de maio de 1972, durante o Pentecostes, Tóth, atacou um grupo de turistas que visitavam a basílica com um martelo, gritando ‘Eu sou Cristo’, e golpeou a Pietà quinze vezes com o martelo. Como resultado do ataque, a escultura perdeu a mão direita e o seu rosto ficou danificado. Após este ato, o homem não foi considerado culpado do crime e acabou declarado louco.


Corbet é um realizador-prodígio

Brady Corbet (36 anos) é por si só uma figura fascinante, como o arquitecto húngaro, o personagem principal do filme e portanto vale a pena falarmos dele antes de seguirmos para o filme. Curiosamente, Corbet adora Portugal e sobretudo adora comer bem e até tem engordado uns quilos, nos últimos anos, em que saiu da frente dos ecrãs, para definitivamente passar para trás deles, sempre com grande afirmação e coragem para fazer coisas diferentes do mainstream.

Era um ator talentoso e precoce, que aos dezesseis anos foi protagonista de “Mysterious Skin”, do exigente e sofisticado Gregg Araki. O filme esteve na competição da secção Orizzonti de Veneza 2004, não ganhou nada, mas o cinema ficou de olho naquele jovem actor para o futuro.

Depois de Gregg Araki, Michael Haneke contou com Corbet para o remake americano de “Brincadeiras Perigosas” (2007). Depois como actor, trabalhou com Lars Von Trier e fez “Melancolia” (2011). A sua vontade de colaborar com grandes realizadores europeus persistiu com Bertrand Bonello (“Saint Laurent”), Ruben Östlund (“Força Maior”) e Olivier Assayas.

É precisamente em “Nuvens de Sils Maria”, deste último, onde Corbet interpreta precisamente o papel de um jovem ator americano e que no final desabafa com a sua colega de elenco Juliette Binoche que tinha escrito o argumento para um filme que queria realizar.

Argumento esse que acabou mesmo por se transformar no seu filme de estreia: o extraordinário “A Infância de um Líder”, que ganhou o Prémio De Laurentiis de Melhor Primeira Obra e de Melhor Realização na secção Orizzonti do Festival de Veneza 2015. Foi um filme muito apreciado pela crítica e pelos círculos de cinema independente em Portugal, inclusive estreou no LEFFEST, (Corbet esteve cá a apresentar o filme e ao que parece aproveitou bem a gastronomia nacional), nesse mesmo ano.

Adrien Brody em O Brutalista
László Toth (Adrien Brody) é um arquitecto judeu à procura do sonho na ‘terra das oportunidades’. ©Cinemundo

A actualidade e importância de “O Brutalista”

Corbet parece também ter aprendido bastante e com bons ‘professores’, aliás bastante diferentes nas maneiras de filmar e no estilo, mas que têm algo em comum de ser todos cineastas-autores de renome mundial. Por isso Corbet continuou insistentemente atrás das câmeras, a mostrar o seu olhar muito particular, primeiro como realizador de “Vox Lux”, (2018), a história de uma estrela do rock interpretada por Natalie Portman e agora com esta quase obra-prima “O Brutalista”, a sua terceira longa-metragem, um filme de um ‘visionarismo clássico’ incrível — aliás como o seu personagem principal —, admitamos, que é tão absorvente e tão interessante, que as três horas não custam a passar.

Os temas deste filme épico e grandioso são sem dúvida a América construída pelos migrantes, o sonho modernista e a Arte, temas aliás bastante actuais, se tivermos por exemplo em conta a tomada de posse de Donald Trump, as posições em relação aos estrangeiros residentes nos EUA e a preponderância de figuras controversas na sociedade americana como Elon Musk ou os outros milionários que agora rodeiam o presidente empossado há dias.

Guy Pearce em O Brutalista
Guy Pearce é o feroz e sinistro industrial Harrison Lee Van Buren, que ‘dá a mão’ interesseira a Toth. ©Cinemundo

Vencer na individualista sociedade americana

“O Brutalista” trata sobretudo uma terna e comovente história de amor e de compreensão mutua, entre os dois seres com enorme talento e cultura, vindos da Europa, mas decerto modo frágeis e pouco preparados para vencer na individualista e selvagem sociedade capitalista americana: László Toth e a mulher, têm que defender-se do feroz e sinistro industrial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), que ao mesmo tempo contratará o arquitecto para projetar um monumento que mudará para sempre a vida do casal.

Mais especificamente, László Toth era um arquiteto brilhante, um judeu húngaro de nacionalidade, que milagrosamente sobreviveu a Auschwitz. Em 1947, mudou-se para os EUA com sua esposa Erzsébet, na tentativa de serem reconhecidos e mudarem de vida, longe da Europa destroçada pela guerra à conquista da terra de oportunidades.

Depois de alguns anos, em que passam grandes dificuldades, Toth encontra finalmente alguém que lhe permitirá dar vazão à sua criatividade: esse misterioso e riquíssimo Harrison Lee Van Buren, que lhe encomenda uma obra gigantesca, na qual, no entanto, Toth não quer, qualquer interferência criativa de fora. Toth é, entre outras fragilidades emocionais, viciado em ópio ou melhor num composto de heroína, que o manda abaixo frequentemente.

O Brutalista
A esposa Erzsébet (Felicity Jones), reencontra-se com  ele e atravessam essa jornada de décadas. ©Cinemundo

Um personagem que parece real

Como já referi, László Tóth, a personagem principal, não existiu na verdade é uma personagem fictícia, mas representa centenas de homens e mulheres que viveram histórias semelhantes. E portanto “O Brutalista” é uma verdadeira homenagem a todos àqueles que deixaram o passado para trás em busca de uma vida melhor. Mas de qualquer modo insisto, é inspirado em acontecimentos históricos.

O que vemos no filme aconteceu mesmo: Segunda Guerra Mundial, a migração em massa de europeus para os EUA e a procura de novas oportunidades. Génio, incompreensão, imprudência e comportamentos nos limites da consciência humana, tem caracterizado quase sempre os protagonistas dos filmes de Corbet.

Neste caso, as obras  de arquitectura e design de László no filme, como que simbolizam a sua luta contra o trauma e o seu desejo de deixar uma marca duradoura num mundo que sofreu enormes mudanças. A personagem foi criada também como uma homenagem aos arquitetos do modernismo e à sua visão de reconstrução do mundo do pós-guerra.

O Brutalista
As personagens são fictícias e apenas inspiradas, mas parece que existiram na realidade. © Cinemundo

“O Brutalista” na frente da corrida aos Óscares

O que é certo é que com este ambicioso projeto “O Brutalista”, Brady Corbet — que não é mais ator, pois não está à frente das câmeras desde 2014 — já ganhou entre outros os Golden Globes de Melhor Realizador e Melhor Filme Dramático e está na calha para ser um dos favoritos nas mesmas categorias nos Óscares 2025.

Tem dez nomeações, entre elas Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actor Principal. As interpretações de todos os actores são absolutamente notáveis: Adrien Brody já ganhou o Golden Globe 2025 para Melhor Ator em Filme de Drama e está nomeado para Melhor Actor nos Óscares, enquanto Felicity Jones estava nomeada na categoria de Melhor Atriz e agora nos Óscares para Melhor Actriz Secundária.

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A banda sonora, a realização e a fotografia (também estão nomeadas) captam perfeitamente a dor, o medo e as emoções das personagens principais, que nos tocam também a nós como espectadores. Embora alguns espectadores possam considerar o filme algo lento porque parece um filme biográfico, o final é extremamente chocante e ao mesmo tempo grandioso, como “O Mundo a Seus Pés” (“Citizen Kane”), de Orson Welles.

O Brutalista
O filme é também uma história de amor e compreensão mútua entre dois seres frágeis. ©Cinemundo

“O Brutalista” com uma pausa sem pipocas

Para terminar, uma das gostosas sensações revivalistas, ao assistir a “O Brutalista” — vi-o pela primeira vez no Festival de Veneza 2024, onde ganhou o Leão de Prata de Melhor Realizador e o Prémio FIPRESCI — foi a introdução de uma pausa, creio que cerca de 15 minutos, com uma projecção de um slide no ecrã a dizer INTERVALO.

Uns momentos que até dá para conversarmos com quem foi connosco ao cinema, sobre o que vimos até então, como antigamente. Pode ser uma boa sugestão também para os exibidores em geral, para outras as sessões mais longas. Dá mais que tempo para ir ao WC, mas este “O Brutalista” não é definitivamente um filme para ver e estar a comer pipocas!

E tu? Já tiveste a oportunidade de ver “The Brutalist” nos cinemas nacionais? Qual a tua opinião?

  • José Vieira Mendes - 90

Conclusão:

Brady Corbet, mais conhecido pela sua carreira de ator com realizadores como Michael Haneke, Gregg Araki e Lars von Trier, reúne toda esta frustração oculta de cidadão responsável e extraordinário artista, para em “O Brutalista” desferir um forte golpe na ‘terra das oportunidades’ e no ‘sonho americano’. Para isso, investigou o destino que os EUA, reservaram aos arquitectos europeus que fugiram da guerra ou dos regimes totalitários subsequentes, recorrendo a vários testemunhos de migrantes. Ao brilhante e ainda jovem realizador juntaram-se Adrien Brody e Felicity Jones neste filme inspirado em factos reais, mas com personagens fictícios, que nos transportam para uma época negra da humanidade, algo semelhante à de hoje e através de um trabalho de realização absolutamente magistral, que posiciona tanto o filme como o seu realizador, como os favoritos do ano. ‘O Brutalista’ é um drama histórico épico, absolutamente a não perder!

Overall
90
User Review
99 (1 vote)

Pros

“O Brutalista” não é apenas um filme de personagens ou um grande épico histórico, é também um notável ensaio filosófico e uma profunda reflexão sobre a ascensão de novos impérios, a crueldade ou benevolência dos sistemas políticos e sociais do nosso tempo.

Cons

Adrien Brody está sempre pronto a querer fazer-nos chorar e mais uma vez consegue-o com o seu novo papel do arquiteto visionário László Tóth, em mais uma história que, infelizmente é inspirada em factos reais e com um passado dos campos de concentração.



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