O Homem Duplicado, em análise
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No dia que marca o quarto aniversário da morte de José Saramago, aproveitamos para navegar pela sua mais recente transposição para o universo cinematográfico.
Adam é um professor de história emocionalmente catatónico que vive o quotidiano na base da repetição entre as mesmas palestras sobre totalitarismo e uma apatia pessoal extrema. Quando decide alugar um filme depois de uma recomendação de um colega de trabalho, repara num figurante que se parece assustadoramente consigo. Futuras incursões nos créditos deste enigmático ator provam a teoria que Adam mais temia: por aí anda o seu exato duplo.
Com argumento adaptado por Javier Gullón, “O Homem Duplicado” foi filmado em Toronto, em 2012, ainda antes de Denis Villeneuve e Jake Gyllenhaal terem trabalhado juntos no monetariamente mais almofadado e projetado “Raptadas”.
Operando sobre um pano de fundo de espaços urbanos opressivos, amarelos, castanhos e cinzentos, Villeneuve sugere uma história simultaneamente antiga e futurística, que muito deve à tensão de Hitchcock, à bizarria de Cronenberg, ao mistério de Lynch e à energia psicossexual de Polanski.
A hipnotizante exploração da intimidade, identidade e do reino dos desejos inconscientes quase se perde à medida que os twists do enredo se tornam mais improváveis, mas é aqui que a noção de controlo e técnica do realizador de tornam absolutamente impressionantes. É uma obra com uma narrativa glacial que é um autêntico relógio suíço, mas ainda assim cativante, com um intento quase perverso – ganhar acesso à nossa vulnerabilidade, e depois alimentar-se dela, como um predador da presa.
No elenco principal, cabe a Gyllenhaal interpretar Adam e Anthony com uma angústia e horror silenciosos – apesar de manifestamente diferentes, os duplos são os dois lados discretos da mesma moeda. Com mais uma entrada arriscada (e vencedora) na sua eclética carreira, o ator americano continua a provar porque é que é um dos protagonistas mais esfíngicos e interessantes da sua geração em Hollywood.
Mais construído à base de perguntas do que de respostas, “O Homem Duplicado” é propício à geração de um animado arco de discussões sobre a estranheza do seu enigmático enredo. Desde o subterrâneo populado por tarântulas gigantes, às enigmáticas strippers mascaradas, ao plano final – por alguns considerado como o mais assustador de sempre – o filme de Villeneuve convida a visionamentos… duplicados.
Como a teia de aranha que se forma lentamente sobre a psique de Adam até ao mundo real, “O Homem Duplicado” envolve-nos lenta mas inescapavelmente e aloja-se sinistramente no canto mais sombrio do nosso cérebro. Aquele que esconde todos os medos que nunca iremos entender.
E o caos permanece uma ordem por decifrar.