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As 10 piores vencedoras do Óscar para Melhor Atriz

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Entre as 92 performances premiadas com o Óscar para Melhor Atriz, nem todas mereceram a honra e algumas delas nem deviam ter sido nomeadas sequer. De Grace Kelly a Jennifer Lawrence, a MHD propõe-se a explorar quais são as piores vencedoras desta honra na História dos Óscares e de Hollywood.

Todos os anos ouve-se falar muito de como o Óscar raramente representa uma escolha acertada. Nunca defenderemos por completo as escolhas da Academia de Hollywood, mas há que entender que existem sempre muitos fatores em jogo, muitos deles têm pouco que ver com mérito artístico. Tais são as circunstâncias que acabam com lendas de Hollywood a morrerem sem um único Óscar competitivo e outros artistas de menor talento ou ambição a serem para sempre imortalizados no Panteão dos vencedores de Óscares.

É claro que nem sempre um mau vencedor é necessariamente um mau cineasta. Veja-se, por exemplo, a categoria de Melhor Atriz. Aí, algumas das piores performances vencedoras foram dadas por atrizes genuinamente geniais que tiveram o azar de ser reconhecidas por alguns dos seus projetos mais infelizes. Com isso em mente, convidamos o leitor a explorar connosco as 10 piores vencedoras do Óscar para Melhor Atriz.

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Os nossos critérios basearam-se principalmente na qualidade do desempenho em si, mas também reconhecem quando a decisão da Academia foi particularmente injusta devido ao mérito das outras nomeadas. Por isso mesmo, decidimos não incluir aqui Sally Field em “Um Lugar no Coração”, um esforço medíocre e superficial que, mesmo assim, estava a competir com uma das mais desinspiradas seleções de nomeadas na História dos Óscares.

Outras menções desonrosas incluem Jessica Lange em “Céu Azul”, uma performance de pura indisciplina que teve a sorte de calhar também num ano com outras nomeadas muito mal escolhidas. Helen Hayes também não tinha grande competição quando ganhou por “O Pecado de Madelon Claudet”, mas o seu histriónico esforço é um pesadelo de exagero teatral sem nenhuma modulação para a intimidade da câmara de cinema.

Shirley Booth foi outra vencedora injusta cujos exageros dos palcos foram mal transferidos para o cinema, mas cuja histeria interpretativa foi demasiado vistosa para ser ignorada por uma instituição que tende a confundir gritos e lágrimas com bom trabalho de ator. Em contraste, Katharine Hepburn em “Adivinha Quem Vem Jantar” podia e devia injetar mais intensidade no seu choroso papel que só lhe valeu um Óscar pois toda a Hollywood estava de luto pela morte do seu amado, Spencer Tracy. Enfim, pelo menos Hepburn viria a ganhar no ano seguinte, 1969, por uma prestação realmente merecedora de um Óscar em “O Leão no Inverno”.

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Sem mais demoras, aqui segue o nosso top 10 das piores vencedoras do Óscar para Melhor Atriz. Usa as setas para navegar o artigo e vê se concordas, ou não, com estas escolhas.

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10. Luise Rainer em TERRA BENDITA

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© Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
  • Ano da cerimónia: 1938
  • Papel: O-Lan, uma camponesa chinesa.
  • Quem é que devia ter ganho: Greta Garbo em “Camille”, Barbara Stanwyck em “O Pecado das Mães” ou Irene Dunne em “Com a Verdade Me Enganas”

Luise Rainer foi a primeira pessoa a conseguir ganhar dois Óscares de Melhor Atriz, foi a primeira de duas a fazê-lo em anos consecutivos e, verdade seja dita, quase ninguém sabe quem ela é hoje em dia, nem mesmo fãs devotos de cinema clássico. Parte desse anonimato deve-se ao modo como Rainer abandonou Hollywood, sendo que a vida de celebridade nunca foi do seu gosto. Os mandatares da MGM, furiosos com a obstinação de Greta Garbo, tentaram que Rainer fosse a nova “Garbo”, mas ela foi contra esses planos, mesmo depois de ter ganho dois Óscares que lhe foram praticamente comprados pela influência do estúdio.

Apesar de muitos discordarem, ainda há forma de justificar a vitória de Rainer em “O Grande Ziegfeld”, mesmo que o seu papel nesse filme de 1936 seja indiscutivelmente secundário. No caso de “Terra Bendita”, contudo, é mais difícil defender Rainer. Em primeiro lugar, esta austríaca nunca devia ter interpretado o papel de uma mulher chinesa, especialmente quando Anna May Wong, uma rara estrela da Era Doirada de Hollywood de etnia asiática, tanto lutou para ganhar o papel. Já na altura estes castings racistas eram criticados e hoje em dia continuam a ser, especialmente quando, como acontece aqui, a performance final é uma triste amálgama de exageros caricaturados.

Rainer tem poucas falas ao longo de “Terra Bendita”, sendo esta uma personagem definida pela sua natureza submissa, especialmente face ao marido. No entanto, é a resiliência de O-Lan que traz muita da emoção do filme e, quando Rainer não tem de falar, a sua expressividade dramática até merece alguma apreciação positiva. Há algo de arcaico na sua gestualidade, um tipo de trabalho de ator mais típico do cinema mudo do que do sonoro, mas Rainer lá se safa. O problema emerge quando ela tem de falar e Rainer mantém o gesto exagerado e deixa que ele afete a dicção. Em suma, Rainer parece uma grotesca visão de feminilidade submissa, cheia de tiques e expressões lacrimosas que pouco ou nada nos dizem sobre a interioridade da personagem. Trata-se de uma prestação tristemente superficial.

Também triste é o facto que três das lendárias atrizes que Rainer derrotou nunca ganharam Óscares. No caso de Garbo e Dunne, isso é de particular horror quando consideramos que estas são muito provavelmente as suas melhores performances de sempre. É um crime pensar que a Margarida Gauthier de Greta Garbo perdeu contra esta caricatura racista que parece saída de um filme mudo com má direção de atores.


9. Sandra Bullock em UM SONHO POSSÍVEL

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© NOS Audiovisuais
  • Ano da cerimónia: 2010
  • Papel: Leigh Anne Tuohy, uma mulher sulista, branca e abastada, que ajuda um jovem afro-americano de poucas posses, mas com um grande talento para jogar futebol americano.
  • Quem devia ter ganho: Gabourey Sidibe em “Precious”.

Um Sonho Possível” é um dos piores filmes alguma vez nomeados para o Óscar de Melhor Filme. Trata-se da adaptação da autobiografia de um jogador de futebol americano que é tornado numa personagem secundária dentro do seu próprio filme, em prol de uma celebração desmesurada de uma das famílias que o acolheram na juventude. É uma amálgama de deturpações históricas que de factual pouco tem e cujo drama é meloso e transborda sentimentalismo barato. Esteticamente é pior que muitos filmes televisivos de baixo orçamento e eticamente é um desastre de fórmulas clichés que tresandam a racismo sublimado.

Apesar de tudo isso, ou talvez por causa disso mesmo, este foi um bombástico sucesso de bilheteira e esse triunfo comercial catapultou o projeto para os Óscares. É evidente que Sandra Bullock também contribuiu muito para o número de bilhetes vendidos, sendo que o filme estreou precisamente no auge do seu estrelato, mesmo no ponto da sua carreira em que atriz trocou a reputação como uma diva das comédias pelo prestígio de uma rainha de dramas premiados. O filme auxiliou as ambições de Bullock, ao centralizar o papel de Leigh Anne, transformando-a numa heroína inspiradora, o tipo de papel perfeito para ganhar Óscares.

O problema é que, por muito que os cineastas de “Um Sonho Possível” tenham cedido todo o peso dramático do projeto aos talentos e carisma de Sandra Bullock, o guião é tão tépido que nem mesmo ela consegue dinamizar os clichés da história ou da personagem. A presença de estrela está lá e faz muito para redimir as maiores fragilidades desta caracterização mal esboçada, mas não é suficiente. Todas as escolhas de Bullock ora se apoiam em demasia no seu carisma e presença ou revelam limites de uma atriz que não está habituada a lidar com psicologias realistas ou dramas que pretendem ter esses mesmos elementos. No final, parece que a atriz está a fazer uma imitação reles do mesmo tipo de performance que valeu a Julia Roberts um Óscar sem perceber as razões que tornaram essa prestação num triunfo popular, crítico e artístico.


8. Grace Kelly em PARA SEMPRE

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© Paramount Pictures
  • Ano da cerimónia: 1955
  • Papel: Georgie Elgin, a esposa infeliz de um cantor alcoólico que tenta voltar à ribalta e, pelo caminho, culpa a mulher de todos os seus problemas.
  • Quem devia ter ganho: Judy Garland em “Assim Nasce Uma Estrela”.

Foi Groucho Marx quem alegadamente caracterizou a vitória de Grace Kelly nos Óscares como um dos maiores roubos já vistos. A favorita da noite era Judy Garland por uma das performances mais gloriosas de toda a História do Cinema em “Assim Nasce Uma Estrela” e, apesar de estar hospitalizada, os repórteres estavam junto dela para registar o momento da vitória. Contudo, qualidade foi superada por popularidade nessa triste noite de 1955, quando Grace Kelly subiu ao palco para receber um troféu que, mais do que um prémio por uma interpretação meritosa, era um selo de aprovação de Hollywood para com a sua atriz mais célebre e lucrativa do momento.

Entenda-se que, em 1954, Grace Kelly entrou em três filmes e dois deles, “Janela Indiscreta” e “Uma Chamada para a Morte”, são hoje em dia considerados clássicos imortais de Alfred Hitchcock. No panorama da época, não havia ninguém que chegasse aos calcanhares desta estrela em ascensão que tanto podia ser vista como a pessoa mais glamourosa do mundo, como estava disposta a sacrificar alguma da sua beleza em nome do papel. Em “Para Sempre”, Kelly vestiu-se como uma mulher de meia-idade e fingiu ser mais velha do que era. Um pequeno gesto de anti glamour que, na altura, fez as manchetes dos jornais e das revistas. Esta técnica de ganhar prestígio instantâneo foi tão bem sucedida que, ainda hoje, muitas atrizes recorrem a este método de deglamourization para garantir o sucesso na Awards Season.

Infelizmente, além da transformação cosmética, há muito pouco de transformativo ou minimamente convincente no retrato de Kelly desta dona-de-casa amargurada. Em primeiro lugar, a atriz nunca “vende” a relação amorosa entre marido e mulher e muito menos sugere a evolução penosa que levou um casal apaixonado a tornar-se na parelha de monstros deprimentes que aparecem no filme. As suas tentativas de interpretar desespero parecem forçadas, inorgânicas e estamos sempre a ver as dificuldades que Kelly está a ter, estamos sempre cientes do seu lavoro e de quanto lhe está a custar interpretar uma persona tão longe da sua zona de conforto enquanto atriz. Esta é uma interpretação unidimensional e superficial que vale pelo claro empenho da atriz, mas pouco mais. É um verdadeiro crime que este trabalho medíocre tenha ganho o Óscar que devia ter pertencido a Judy Garland.


7. Ingrid Bergman em ANASTÁSIA

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© Twentieth Century Fox
  • Ano da cerimónia: 1957
  • Papel: Anna Koreff, uma mulher que sofre de amnésia e que muitos pensam ser a Grã-Duquesa Anastásia, a única filha viva do Czar Nicolau II da Rússia.
  • Quem devia ter ganho: Carroll Baker em “Baby Doll”.

Ingrid Bergman era uma grande atriz, uma das mais aventurosas de Hollywood e das poucas que, no auge do sistema de estúdios, se arriscou a escolher os projetos com base no realizador e seu potencial mérito artístico. Algumas das suas prestações são lendários píncaros da Arte da atuação em cinema. Veja-se o romantismo melancólico de “Casablanca”, o desespero enlouquecido de “Meia Luz”, o erotismo trágico de “Difamação” e todos os seus devaneios em frente à câmara de Roberto Rossellini. Infelizmente, dos três Óscares que Bergman ganhou, só um deles foi merecido e o segundo pode bem ser considerado como uma das piores vitórias de sempre. Certamente é um dos piores trabalhos na carreira de Bergman.

Em “Anastásia”, a atriz sueca tenta moldar a sua pronúncia escandinava a tonalidades russas e acaba por falar com sotaque que não convence ninguém. Esse é o menor dos seus problemas, quando consideramos quão performativa é a fragilidade que Bergman traz ao papel desta mulher que não se recorda do passado e passa metade do filme num estado que sugere que uma brisa de vento seria suficiente para a atirar ao chão. Tudo é demasiado exagerado e sublinhado, especialmente a fisicalidade altiva que a Grã-Duquesa adota nos capítulos finais da narrativa.

Sempre houve um certo artifício a sombrear mesmo as melhores prestações de Bergman, contudo, em “Anastásia”, essa qualidade está mais evidente que nunca e as consequências não são positivas. Há algo de mecânico em Anna, no modo como ela salta de emoção para emoção com o virtuosismo de uma atriz consumada, mas as transições de um estado para o outro não estão presentes e o espetador é assim exposto a uma figura quebradiça cujos humores alternam como se de um robot se tratasse. Para Bergman, este filme representou uma chance de voltar a Hollywood depois de anos no exílio resultante de um escândalo amoroso, e, infelizmente, é essa atriz em busca de aprovação pública que aparece em cena ao invés da Grã-Duquesa Anastásia.


6. Jennifer Lawrence em GUIA PARA UM FINAL FELIZ

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© NOS Audiovisuais
  • Ano da cerimónia: 2013
  • Papel: Tiffany, uma mulher que sofre de depressão crónica depois da morte do marido e decide participar numa competição de dança na companhia de homem bipolar que acabou de conhecer.
  • Quem devia ter ganho: Emmanuelle Riva em “Amor”.

Jennifer Lawrence é uma estrela de cinema. Não há como negar esse facto. Basta vê-la entrar em cena e é como se o ecrã se eletrizasse e os olhos de toda a audiência fossem imediatamente colados à sua presença magnética. Essa qualidade, esse carisma inato, tem ajudado Lawrence a esculpir um lugar de destaque na hierarquia de Hollywood. No entanto, tal talento também tem vindo a ser abusado pela atriz e seus realizadores que muitas vezes apoiam personagens inteiras nesse magnetismo em detrimento dos filmes e das próprias figuras a quem Lawrence dá vida no grande ecrã.

Assim é o caso de Tiffany em “Guia Para Um Final Feliz“, um de muitos papéis desta atriz que são prejudicados pela juventude e imaturidade invariável da sua intérprete. Com vinte e poucos anos, Lawrence não estava preparada nem tinha a aparência de ser uma viúva rancorosa que sofre de depressão. Aliás, o modo como o filme trata essa doença é um insulto a todos os que sofrem dela ou conhecem alguém afetado, pois trata-se de um dos retratos mais inapropriados que se possa imaginar.

Na boa tradição das manic pixie dream girls, a depressão de Tiffany é somente um trejeito amoroso da sua personalidade, um elemento que só a torna mais colorida e perfeita para encantar audiências e coprotagonista. Ela é um cliché de Hollywood personificado, sem interioridade ou uma vida que se estenda para além das cenas forçosamente leves que o filme lhe concede. Talvez se Tiffany tivesse sido radicalmente reescrita para se adaptar à persona de estrela de cinema de Lawrence, os problemas do filme e da personagem pudessem ser mais escondidos, mas na forma em que estão, esta mulher não é mais que um mecanismo narrativo que só existe para facilitar a redenção do seu par amoroso. O pior de tudo, é que Lawrence não complica o que lhe é dado, não encontra nuance, não sombreia o que é gritado, simplesmente piora a situação com um estilo de atuação agressivo e bombástico que faz muito barulho, mas não diz ou transmite nada de interesse.


5. Susan Hayward em QUERO VIVER!

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© United Artists
  • Ano da cerimónia: 1959
  • Papel: Barbara Graham, uma prostituta alcoólica que é condenada por um crime que não cometeu e acaba por se achar no corredor da Morte, desesperada e sem ninguém que a ajude.
  • Quem devia ter ganho: Shirley MacLaine em “Deus Sabe Quanto Amei”.

Durante os anos 40 e 50, Susan Hayward afirmou-se como a rainha dos melodramas mais gritantes de Hollywood. Ocasionalmente, o realizador certo e o guião perfeito convergiam de tal modo que as tendências mais exageradas da atriz eram colmatadas, resultando em notáveis prestações. Contudo, quando esses raros elementos não se manifestavam, Hayward tendia a ser uma supernova de epítetos dramáticos sem nuance, muitas lágrimas e ainda mais histeria vocífera. Isso não a impediu de ceifar numerosas nomeações para o Óscar, é claro.

Como o seu título conspicuamente pontuado sugere, “Quero Viver!” não é um drama particularmente subtil. Como muitos dos filmes mais famosos de Susan Hayward, trata-se da história trágica e verídica de uma mulher alcoólica. Neste caso, trata-se de uma prostituta que é condenada à morte por um homicídio que não cometeu. Qualquer tipo de comentário social ou retrato humano que pudesse existir na história real é totalmente obliterado do produto final que é quase unicamente construído como uma montra para Hayward.

Sem ninguém a puxar as rédeas e um argumento a sublinhar todas as suas piores tendências enquanto atriz, ela rende-se por completo aos extremos da história. Ela grita e pede piedade, seus olhos arregalam-se com cada palavra que sai da sua boca, ela contorce-se e gesticula freneticamente como se o seu corpo estivesse sempre ligado a uma linha elétrica. Tanta é a comoção que Hayward conjura sempre que está em cena que é impossível ver a sua personagem como algo mais que um exercício de ator indisciplinado. Esta não é uma pessoa, é uma coleção de tiques e Oscar clips pouco convincentes.


4. Bette Davis em MULHER PERIGOSA

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© Warner Bros.
  • Ano da cerimónia: 1936
  • Papel: Joyce Heath, uma atriz alcoólica em busca de redenção por meio de um romance fatídico.
  • Quem devia ter ganho: Katharine Hepburn em “Alice Adams”.

Quando até o vencedor de um Óscar reconhece que não mereceu o troféu, então é certo que o trabalho em questão deve ser inquestionavelmente terrível. Assim é o caso da performance de Bette Davis em “Mulher Perigosa”, um melodrama reles de um dos períodos mais infelizes na carreira desta lendária atriz que, somente três anos a seguir, viria a ganhar um segundo Óscar, dessa vez muito mais merecido. Ela mesma veio a expressar esta opinião, vendo o primeiro troféu como um prémio de consolação depois da sua escandalosa derrota no ano anterior.

Em 1934, Bette Davis tinha chocado Hollywood com uma prestação de lacerante intensidade em “Escravos do Desejo”, onde ela interpretou uma empregada de mesa britânica que se envolve numa relação mutuamente tóxica com um jovem infeliz. O sotaque da atriz nesse filme é ridículo e muitos dos seus trejeitos também suscitam algum humor acidental, mas a sua espiral autodestrutiva no final da obra foi algo revolucionário para Hollywood. Davis despiu vaidades e glamour, fez-se monstruosa e grotesca. Quando ela não foi nomeada, a Academia abriu uma exceção e deixou que os membros votassem, não só nas performances nomeadas, mas também noutras que achassem meritosas. Davis acabou por perder o Óscar, mas recebeu mais votos que uma das reais nomeadas desse ano.

Um ano depois, o seu nome era sinónimo de um tipo de integridade artística rara em Hollywood e é fácil de imaginar que qualquer fosse o seu projeto seguinte, ela iria acabar por cair nas graças de uma Academia arrependida. Assim aconteceu, mas o filme em questão é pouco mais que uma tentativa de o estúdio capitalizar no prestígio de Davis, copiando muitos dos elementos mais clichés e medíocres de “Escravos do Desejo” e extraindo qualquer interesse dramático ou formal que esse outro filme tem. “Mulher Perigosa” é aborrecido e Bette Davis parece ela própria aborrecida e desinteressada, deixando-se cair nas suas afetações mais abrasivas, o que resulta numa prestação simultaneamente exagerada e soporífera.


3. Joan Fontaine em SUSPEITA

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© RKO Radio Pictures
  • Ano da cerimónia: 1942
  • Papel: Lina McLaidlaw Aysgarth, uma envergonhada herdeira britânica que se casa com um homem charmoso e depois acaba por suspeitar que ele a quer matar.
  • Quem devia ter ganho: Barbara Stanwyck em “Bola de Fogo”.

Como já deu para entender, muitas das atrizes nesta lista não são artistas medíocres. Contudo, quase todas elas tiveram o azar de ganhar o Óscar por alguns dos seus piores trabalhos, em muitos casos como um prémio de compensação dado em reação a uma presumida injustiça da Academia de Hollywood. Assim foi com Bette Davis em 1936, com Susan Hayward em 1959 e até com Bergman em 1957 e Bullock em 2010. Podemos juntar a esse grupo o nome de Joan Fontaine que chocou muitos quando perdeu o Óscar em 1941, quando estava nomeada por “Rebecca” e acabou por ganhar no ano imediatamente a seguir por mais um filme realizado por Alfred Hitchcock.

É claro que, enquanto “Rebecca” é uma das obras-primas do rei do suspense, “Suspeita” é um dos seus piores fracassos e Joan Fontaine tem o infortúnio de ser a maior vítima das fragilidades do projeto. Para começar, Hitchcock claramente não sabia se estava a realizar uma comédia satírica ou um thriller matrimonial e essa intransigência afeta o filme, onde quase todos os atores parecem ter decidido que estão numa comédia mordaz. Todos os atores menos Fontaine, que se embrulha em afetações próprias para uma mártir e trata todo o argumento com a mais solene das seriedades.

A inconsistência tonal de “Suspeita” é assim exacerbada pelas escolhas pueris de Joan Fontaine que, de cena para cena, parece estar completamente perdida e sem saber para onde se virar. Cary Grant, pela sua parte, não ajuda nada a sua coprotagonista e parece, por vezes, que os dois estão em dois filmes diferentes colados por alguma magia inglória. A cereja putrefata a encimar este bolo bolorento é o modo como a rigidez interpretativa de Fontaine rouba a “Suspeita” qualquer tipo de valor enquanto uma obra de entretenimento. Enquanto o espetador pode estar a tentar divertir-se com o absurdo do enredo, Fontaine está sempre lá para o mirar com olhos de carneiro mal morto e lembrar que não há nada de estranho nesta história, que estamos a ver um assunto muito sério e realista e que devemos encarar as prostrações da atriz com toda a admiração respeitosa que normalmente se reserva para sermões na igreja.


2. Loretta Young em A FILHA DO LAVRADOR

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© RKO Radio Pictures
  • Ano da cerimónia: 1948
  • Papel: Katrin Holstrom, uma mulher sueco-americana de origens humildes que é forçada a arranjar emprego como empregada doméstica de um congressista e acaba por se envolver no mundo da política.
  • Quem devia ter ganho: Susan Hayward em “História de Uma Mulher”.

Humor étnico é um dos mais deploráveis elementos do cinema da Era Doirada de Hollywood. Pior ainda, é o modo como quase nenhum ator conseguia ser minimamente bom a reproduzir sotaques sem cair na caricatura absurdista e estereótipos comportamentais. Loretta Young é um desses atores com pouco talento para fingir ser de outras origens étnicas e os seus trejeitos pseudo escandinavos em “A Filha do Lavrador” são quase um exercício em anti comédia, tal é a sua capacidade de matar qualquer suspiro de humor presente no texto do filme.

Esta atriz, famosa pelo seu conservadorismo, nunca foi uma intérprete camaleónica do grande ecrã, sendo que os seus talentos incidiam mais na presença de estrela de cinema e relativo apelo enquanto heroína romântica. “A Filha do Lavrador” não tenta dar grande uso a essas mais valias, preferindo forçar Young a tentar ser uma comediante. Loretta Young não era uma comediante e isso é notório, é mesmo inescapável.

Em suma, neste filme, a atriz é entediante, chacina qualquer comédia e, além de tudo isso, parece estar terrivelmente desconfortável num papel que lhe está constantemente a pedir para dar vida a situações doidas. Tudo isto é particularmente triste, pois, apesar do seu humor étnico, “A Filha do Lavrador” é um projeto que parece ter sido concebido por uma equipa de argumentistas sob o efeito de uns quantos psicotrópicos e seria interessante ver como é que as suas mais tresloucadas propostas narrativas teriam funcionado se, no centro do filme, estivesse uma atriz mais apropriada que Loretta Young. Se não fosse a sua enorme popularidade e apelo comercial na época, ela nunca teria ganho este Óscar.


1. Mary Pickford em COQUETTE

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© Domínio Público
  • Ano da cerimónia: 1930
  • Papel: Norma Besant, a filha namorisca de um médico sulista de atitudes conservadoras que reage violentamente face à possibilidade de a sua filha ter sido desonrada por um pretendente.
  • Quem devia ter ganho: Jeanne Eagels em “A Carta”.

Por muito más que as prestações selecionadas para esta lista possam ser, todas elas denotam um grau mínimo de competência. Todas elas, menos uma. Referimo-nos, pois claro, à nossa campeã para o título da pior vencedora de sempre do Óscar para Melhor Atriz, a indefensível Mary Pickford em “Coquette”, um filme que, como que a refletir o trabalho da sua protagonista, transcende a mediocridade na direção da absoluta incompetência.

Mary Pickford não é necessariamente uma má atriz. Durante muitos anos, ela foi uma das pessoas mais famosas e celebradas do mundo e deveu esse sucesso a uma série de excelentes prestações em filmes mudos de qualidade. Apesar disso, quando o cinema estava a fazer a sua desajeitada transição do mudo para o sonoro, Pickford estava já em declínio e os seus talentos provaram ser impossíveis de se adaptar às exigências deste novo tipo de produção, especialmente nos anos mais primitivos da nova tecnologia.

Com isso dito, convém esclarecer que o que Pickford faz em “Coquette” nunca seria considerado uma boa prestação, mesmo nos mudos mais teatralmente expressivos do início do século XX. Comparando-se a gesticulação demente desta estrela americana com o trabalho que Louise Brooks estava a fazer no cinema mudo alemão no mesmo ano é como comparar o desenho esborratado de uma criança de três anos sem pinga de aptidão pictórica a uma obra de Leonardo da Vinci. Pior ainda que a fisicalidade cambaleante de Pickford é a sua voz estridente, num registo que oblitera qualquer modulação emotiva, assim como as suas expressões faciais grotescas e asquerosamente infantis. Observar este desastre é quase fascinante daquele modo como acidentes de carro particularmente sangrentos tendem a puxar os nossos olhos quando vamos na estrada. Talvez seja por isso que ela ganhou este Óscar.

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O que pensas destas escolhas? Concordas com elas ou és fã de algumas das atrizes aqui criticadas?  Pensas que elas mereceram o Óscar? Diz-nos a tua opinião sobre o assunto.

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