Óscares 2023 | Post-mortem da 95ª edição e da temporada de prémios
Chegou finalmente o momento. Terminaram os Óscares 2023 e como habitual voltamos com o post-mortem da temporada de prémios.
De novo com transmissão assegurada pela RTP1, a 95.ª edição dos Óscares da Academia teve alguns dos momentos mais marcantes da temporada de prémios e de toda a história dos galardões. Depois das altas expectativas, os Óscares 2023 terminaram com a consagração absoluta de “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo“, com 7 prémios incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador.
Esta ficará para sempre lembrada como a edição em que todas as categorias dos Óscares voltaram a ser exibidas em direto (justiça feita!), e também em direto vimos e ouvimos as canções nomeadas para o Óscar de Melhor Canção Original. Foi um regresso às origens e àquilo que de melhor caracterizam os Óscares: uma celebração das distintas artes dentro da grande arte do cinema. Para já não falar do regresso de Jimmy Kimmel como (o melhor) anfitrião da cerimónia, depois de ter apresentado em 2017 e em 2018. A ele juntaram-me algumas das maiores estrelas do cinema e televisão para apresentar as categorias vencedoras, como Halle Berry (vencedora do Óscar de Melhor Atriz por “Monster Ball” em 2002), Antonio Banderas (nomeado para o Óscar de Melhor Ator por “Dor e Glória” em 2020), Nicole Kidman (nomeada para o Óscar de Melhor Atriz por “Being the Ricardos!” em 2022) e Troy Kotsur (vencedor do Óscar de Melhor Ator Secundário por “CODA” em 2022), entre outros. Foi uma cerimónia bastante envolvente, que passou rapidamente e conseguiu voltar a dar à transmissão televisiva muita vida!
Ainda não conheces todos os vencedores da 95ª edição dos Óscares da Academia? Consulta a lista completa de vencedores e prepara-te para o post-mortem mais dinâmico destes galardões. A análise final à cerimónia dos Óscares 2023 e à temporada de prémios são da autoria do nosso especialista Virgílio Jesus.
Para a análise, garantimos que foram vistos todos os filmes nomeados e vencedores dos Óscares 2023, assim como acompanhada a cerimónia ao vivo.
Quase todos os prémios ao mesmo tempo
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Tudo levou a isto! Já sabíamos que “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” sairia como grande vencedor dos Óscares da Academia, após vencer os prémios dos sindicatos de produtores (PGA), realizadores (DGA) e atores (SAG). O balanço na temporada de prémios acabou por ser mais do que positivo, com 322 prémios acumulados! Nos principais galardões de Hollywood colheu 11 nomeações e acabou por levar 7 estatuetas douradas para casa. Foram elas (consoante a ordem pela qual foram sendo entregues):
- Melhor Ator Secundário, Ke Huy Quan
- Melhor Atriz Secundária, Jamie Lee Curtis,
- Melhor Argumento Original, Daniel Kwan e Daniel Scheinert
- Melhor Montagem, Paul Rogers
- Melhor Realizador, Daniel Kwan e Daniel Scheinert
- Melhor Atriz, Michelle Yeoh
- Melhor Filme, Daniel Kwan, Daniel Scheinert, e Jonathan Wang
Com estas vitórias, “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” conseguiu algumas conquistas históricas que valem a pena mencionar:
- Ke Huy Quan é o primeiro ator vietnamita a ganhar um Óscar. Além disso, é o segundo ator asiático a ganhar o Óscar na categoria de Melhor Ator Secundário, depois de Haing S. Ngor por Terra Sangrenta (Roland Joffé, 1984);
- Primeiro filme parcialmente falado em mandarim a ganhar o Óscar de Melhor Filme e o primeiro a levar o Óscar de Melhor Argumento Original pelo mesmo motivo;
- Daniel Kwan e Daniel Scheinert são a terceira dupla de realizadores a vencer o Óscar de Melhor Realizador, depois de Robert Wise e Jerome Robbins o terem alcançado com “West Side Story” (1961) e depois dos irmãos Ethan Coen e Joel Coen com “Este País Não É Para Velhos” (2007). Por sua vez, são a terceira dupla de realizadores cujo filme acaba por vencer o Óscar de Melhor Filme;
- Com as vitórias de Melhor Atriz, Melhor Ator Secundário e Melhor Atriz Secundária, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” é o primeiro filme da história dos Óscares a vencer três categorias de interpretação mais o Óscar de Melhor Filme;
- Com as vitórias de Melhor Atriz, Melhor Ator Secundário e Melhor Atriz Secundária, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” é apenas o terceiro filme a conseguir levar as três categorias de interpretação, depois de “Network – Escândalo na TV” (Melhor Atriz, Melhor Ator e Melhor Atriz Secundária nos Óscares de 1977) e “Um Elétrico Chamado Desejo” (Melhor Atriz, Melhor Ator Secundário e Melhor Atriz Secundária nos Óscares de 1952);
- Com 3 categorias de interpretação, Melhor Realizador e Melhor Filme, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” ganhou os mais Óscares principais do que qualquer outro filme das 94 edições passadas da Academia;
- Michelle Yeoh tornou-se na primeira pessoa nascida na Malásia a vencer um Óscar, assim como a primeira pessoa do Sudeste Asiático a vencer na categoria de Melhor Atriz. Michelle Yeoh segue-se apenas a Halle Berry (Óscar de Melhor Atriz em 2002 e quem teve a honra de entregar o Óscar a Yeoh) como atriz não caucasiana a vencer o Óscar na categoria. Mais do que merecida esta celebração, afinal estamos a falar de 94 anos de história da Academia maioritariamente dominada por mulheres brancas;
- Com os Óscares atribuídos a Ke Huy Quan, Jamie Lee Curtis e Michelle Yeoh por “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” e o Óscar de Melhor Ator para Brendan Fraser em “A Baleia”, a A24 torna-se a primeira produtora/distribuidora a conseguir os quatro Óscares de interpretação numa edição das estatuetas douradas;
- Daniel Kwan tornou-se no primeiro americano de origem asiática (os pais são de Hong Kong e Taiwan) a ganhar o Óscar de Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento Original;
- “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo“, é o terceiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme com produtores asiáticos, depois de “Parasitas” nos Óscares 2020 e “Nomadland – Sobreviver na América” nos Óscares 2021. O produtor Jonathan Wang é americano, mas o seu pai era do Taiwan. Kwan e Wang são os primeiros americanos de origem asiática a vencerem o Óscar de Melhor Filme;
- Primeiro filme de ficção científica (embora a sua mistura de géneros seja muito pertinente e não nos deixe fechá-lo a um só género) a vencer o Óscar de Melhor Filme.
Feitas as contas, este é um filme que continua a quebrar recordes.
“Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” é o primeiro filme a vencer Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Montagem e três categorias de interpretação. “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” é também o Melhor Filme com mais Óscares acumulados, desde “Estado de Guerra”, nos Óscares 2010, que levou seis prémios. Aproxima-se praticamente de “Quem Quer Ser Bilionário” que nos Óscares 2009 venceu em 8 categorias, contudo nenhum desses filmes levou categorias de interpretação.
Nenhum filme vencedor da categoria principal tinha ganho mais de 4 Óscares desde “O Artista” – aconteceu na edição dos Óscares 2012. De constar inclusive que “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” está agora empatado com os 11 filmes a seguir, cada um com 7 Óscares da Academia:
- “Gravidade” (2013): venceu Melhor Realizador, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Banda-Sonora Original, Melhor Edição de Som, Melhor Mistura de Som, Melhores Efeitos Visuais. É o único destes títulos que não levou o Óscar de Melhor Filme;
- “A Paixão de Shakespeare” (1998): venceu Melhor Filme, Melhor Atriz Principal, Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Original, Melhor Direção Artística, Melhores Figurinos, Melhor Banda-Sonora Original;
- “A Lista de Schindler” (1993): venceu Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Direção Artística, Melhor Montagem, Melhor Banda-Sonora Original;
- “Danças com Lobos” (1990): venceu Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Montagem, Melhor Banda-Sonora Original;
- “África Minha” (1985): venceu Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Direção Artística, Melhor Som e Melhor Banda-Sonora Original;
- “A Golpada” (1973): venceu Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Direção Artística, Melhores Figurinos, Melhor Montagem e Melhor Banda-Sonora Original;
- “Patton” (1970): venceu Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Direção Artística, Melhor Som e Melhor Montagem;
- “Lawrence da Arábia” (1962): venceu Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Fotografia (Cor), Melhor Direção Artística (Cor), Melhor Som, Melhor Montagem e Melhor Banda-Sonora Original;
- “A Ponte Sobre o Rio Kwai” (1957): venceu Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Realizador, Melhores Argumento Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Montagem e Melhor Banda-Sonora Original;
- “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” (1946): Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Ator Secundário, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Montagem, Melhor Banda-Sonora Original, vencendo também um prémio especial para Harold Russell, pela sua interpretação e por trazer “esperança e coragem aos seus colegas veteranos de guerra”;
- “O Bom Pastor” (1944): Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Ator Secundário, Melhor Realizador, Melhor História Original, Melhor Argumento Original, Melhor Canção Original;
Também não podemos esquecer que, desde “Estado de Guerra” em 2009 nenhum filme vencer do Óscar de Melhor Filme tinha sido lançado antes do verão. “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” teve lançamento nas salas de cinema dos Estados Unidos em meados de março de 2022 – em Portugal passou em abril de 2022 quase despercebido – e assume-se vencedor na categoria principal como um dos filmes lançados mais cedo em salas. Isto é relevante porque a maioria dos estúdios aproveitam os festivais de Cannes, Veneza e Toronto como rampa de lançamento dos potenciais vencedores de Óscares, assim tem sido desde os velhos tempos da Miramax e de Harvey Weinstein. Neste caso o filme dos Daniels acabou por sair um pouco do menu habitual, tornando-se um concorrente improvável das cerimónias de prémios. Uma mais valia para os cineastas e para o próprio mercado e não precisa de ficar amarrado a este peso insuportável das datas de distribuição e dos festivais.
Particularmente interessante o facto desta ser uma das edições dos prémios da Academia com mais nomeados ao Óscar de Melhor Filme que saíram de mãos a abanar. São eles: “Os Fabelmans” (concorria a 7 Óscares), “TÁR” (concorria a 6 Óscares), “Elvis” (concorria a 8 Óscares), “Triângulo da Tristeza” (concorria a 3 Óscares) e “Os Espíritos de Inesherin” (concorria a 9 Óscares). O caso de “Os Fabelmans” é bastante peculiar, afinal é o primeiro filme vencedor do estimado People Choice Award do TIFF – Toronto International Film Festival (prémio que assegura um certo favoritismo na corrida ao Óscar de Melhor Filme) que sai sem nenhum Óscar. O último filme a vencer o prestigiado prémio em Toronto e a não levar nenhum Óscar foi “Promessas Perigosas” na edição dos Óscares 2008 e que só esteve nomeado para Melhor Ator. Esta é também a primeira vez desde que os Óscares expandiram o seu leque de membros, que menos de 50% dos nomeados para Melhor Filme voltaram para casa com pelo menos um Óscar. Parece que os padrões da temporada de prémios estão a mudar e isto só prova que as cerimónias de prémios estão bem de saúde e recomendam-se a 100%.
Melhor Filme e Melhor Atriz de mãos dadas
“Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” conseguiu o verdadeiro golpe de mestre, ao levar o Óscar de Melhor Filme e o Óscar de Melhor Atriz. Desde o início do século só aconteceu duas vezes com “Nomadland – Sobreviver na América” (2020) + Frances McDormand e “Million Dollar Baby: Sonhos Vencidos” (2004) + Hilary Swank. No exemplo mais recente, não se esperava que McDormand prevalecesse, mas Hilary Swank era a grande favorita depois de ganhar vários prémios ditos precursores.
Na década de 1990, a categoria de Melhor Filme e Melhor Atriz corresponderam por duas vezes: “A Paixão de Shakespeare (1998) + Gwyneth Paltrow e “O Silêncio dos Inocentes” (1991) + Jodie Foster. O mesmo vale para a década de 1980: “Miss Daisy” (1989) + Jessica Tandy e “Laços de Ternura” (1983) + Shirley MacLaine. E aconteceu por duas vezes na década de 1970: “Annie Hall” (1977) + Diane Keaton, e “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” (1975) + Louise Fletcher.
Aqui está a lista completa de todas as vezes em que os Óscares de Melhor Filme e Melhor Atriz foram para o mesmo filme, consoante a ordem de lançamento decrescente – do mais recente para o mais antigo. “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo” e Michelle Yeoh conseguiram ser o número 13 desta lista:
- Melhor Filme para “Nomadland – Sobreviver na América” + Frances McDormand como Fern, na edição dos Óscares 2021
- Melhor Filme para “Million Dollar Baby: Sonhos Vencidos” + Hilary Swank como Maggie Fitzgerald, na edição dos Óscares 2004
- Melhor Filme para “A Paixão de Shakespeare” + Gwyneth Paltrow como Viola de Lesseps / Thomas Kent na edição dos Óscares 1999
- Melhor Filme para “O Silêncio dos Inocentes” + Jodie Foster como Clarice Starling, edição dos Óscares 1992
- Melhor Filme para “Miss Daisy” + Jessica Tandy como Daisy Werthan, na edição dos Óscares 1990
- Melhor Filme para “Laços de Ternura” + Shirley MacLaine como Aurora Greenway, na edição dos Óscares 1984
- Melhor Filme para “Annie Hall” + Diane Keaton como Annie Hall, na edição dos Óscares 1978
- Melhor Filme para “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” + Louise Fletcher como Enfermeira Mildred Ratched na edição dos Óscares 1976
- Melhor Filme para “A Família Miniver” + Greer Garson como Kay Miniver na edição dos Óscares 1943
- Melhor Filme para “E Tudo o Vento Levou” + Vivien Leigh como Scarlett O’Hara na edição dos Óscares 1940
- Melhor Filme para “O Grande Ziegfeld” + Luise Rainer como Anna Held na edição dos Óscares 1936
- Melhor Filme para “Uma Noite Aconteceu” + Claudette Colbert como Ellie Andrews na edição dos Óscares 1935
Categorias de interpretação mais renhidas do que nunca
Algo que nunca pensámos abordar num post-mortem dos Óscares da Academia diz respeito às quatro categorias de interpretação, que jamais estiveram tão renhidas – ou mesmo dizendo nunca estiveram tão interessantes. Desde nomeações imprevisíveis para Stephanie Hsu (“Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo”), Andrea Risebourough (“Para Leslie”), Judd Hirsch (“Os Fabelmans”) ou Brian Tyree Henry (“Causeway”), toda a temporada 2022/2023 foi uma explosão de emoções. Peculiarmente, nenhum ator conseguiu arrecadar todos os principais prémios da temporada de prémios, aquilo que os amantes de Óscares gostam de chamar de “sweeper” (ou varredor de galardões).
De facto, nenhum ator conseguiu levar o Globo de Ouro, o Critics Choice, o SAG, BAFTA nem o Óscar em conjunto pelo mesmo filme. Mesmo assim, relembremo-nos que em temporadas muito caóticas como a corrida de Melhor Atriz nos Óscares 2021 (vitória surpresa para Frances McDormand por “Nomadland – Sobreviver na América”) ou a corrida a Melhor Atriz nos Óscares 2022 (vitória para Jessica Chastain por “Os Olhos de Tammy Faye”), existiu sempre um ator a levar os cinco prémios. No ano passado, a mesma edição de Jessica Chastain, foi o caso da persona non grata Will Smith triunfar nesses cinco prémios com “King Richard: Para Além do Jogo”, na categoria de Ator Principal. Na mesma cerimónia de “Nomadland – Sobreviver na América”, foi Daniel Kaluuya por “Judas e o Messias Negro” a levar os cinco prémios por Melhor Ator Secundário.
Cate Blanchett por “Tár” tinha oportunidade de conseguir varrer todos os prémios – vencera o Globo de Ouro, o Critics Choice Award e o BAFTA – mas o SAG acabou por ir para Michelle Yeoh por “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo“. O efeito SAG, cerimónia transmitida depois da entrega dos BAFTA e não antes como normalmente acontece, acabou por ser determinante para as estatuetas douradas. Blanchett tinha quase tudo a seu favor, como acontecera na temporada de prémios 2013/2014 em que amplamente aclamada por “Blue Jasmine” (2013), mas a australiana nada de ouro, nem mesmo ao filme com o qual estava nomeada. Um infeliz infortúnio para aquela que muitos consideram a melhor atriz viva. De qualquer forma, o reconhecimento ninguém lhe tira, nem a Colpa Volpi.
Ke Huy Quan, apesar de agora ganhar o Óscar de Melhor Ator Secundário, tinha perdido o BAFTA para Barry Keoghan (“Os Espíritos de Inisherin”), algo que vimos com muito choque. Já Angela Bassett, não teve a mesma sorte. A Rainha-Mãe de Wakanda ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Secundária, mas perdeu o BAFTA, o SAG e obviamente perdeu o Óscar de Melhor Atriz Secundária para Jamie Lee Curtis. Já para não falar da corrida ao Óscar de Melhor Ator. Depois de triunfar nos BAFTA, Austin Butler (“Elvis”) perdeu o SAG para Brendan Fraser (“A Baleia”), este último também venceu o Óscar. Estão perdidos? Nós também estivemos, mas percebeu-se aqui uma semelhança com o prémio dos sindicato dos atores, como também aconteceu nos galardões no ano passado em que Will Smith, Jessica Chastain, Troy Kotsur e Ariana DeBose levaram SAG e Óscar. Esta é também a primeira vez, desde 1997, que nenhum dos atores nomeados interpreta personagens inspiradas em figuras reais e também das poucas vezes em que os vencedores de interpretação são todos estreantes em nomeação para os Óscares. Personagens ficcionais, mas prémios muito autênticos!
Uma pequena nota que queremos deixar de referir aqui. O Óscar de Melhor Maquilhagem e Cabelos foi para “A Baleia”, confirmando uma tendência dos últimos anos de atribuir esse Óscar e uma categoria principal de interpretação em conjunto. Por “A Baleia”, Judy Chin tornou-se na primeira mulher de origem asiática a vencer o Óscar de Melhor Maquilhagem e Cabelos (Kazu Hiro continua a ser o primeiro e único homem a triunfar)!
A Oeste Nada de Novo, a vitória para a Netflix
A Netflix ainda não conseguiu receber o Óscar de Melhor Filme, mas não se poderá queixar nesta 95.ª edição dos Óscares da Academia, ao contrário do que acontecera em 2021 no qual levou apenas o Óscar de Melhor Realizador. O estúdio e gigante de streaming acumulou vários prémios este ano – 6 no total:
- Melhor Filme Internacional (Alemanha) para “A Oeste Nada de Novo”;
- Melhor Banda Sonora Original, para Volker Bertelmann, “A Oeste Nada de Novo”;
- Melhor Design de Produção para Christian M. Goldbeck e Ernestine Hipper, “A Oeste Nada de Novo”;
- Melhor Curta-Metragem de Documentário, para Kartiki Gonsalves e Guneet Monga, “The Elephant Whisperers”;
- Melhor Fotografia, para James Friend, “A Oeste Nada de Novo”;
- Melhor Filme de Animação para Guillermo del Toro, Mark Gustafson, Gary Ungar e Alex Bulkley, “Pinóquio de Guillermo del Toro”.
O mais curioso é que se tratam de filmes com a insígnia Netflix provenientes do fórum internacional, nomeadamente da Alemanha, da Índia e do México. Assim, a Netflix não só se confirma como promotora dos nomes estrangeiros junto da Academia, como uma das mais importantes casas para o cinema do mundo, do mais independente ou ao mais comercial e dispendioso. Não faltaram menções à Netflix nos discursos de agradecimento e temos a certeza que continuaremos a ouvir o nome várias vezes nas próximas edições. A Netflix no total já arrecadou 16 Óscares (de 116 nomeações) e como todos temos consciência da sua força com campanhas de marketing “For Your Consideration” bastante importantes junto dos votantes da Academia.
De referir ainda que na categoria de Melhor Filme Internacional (previamente designado Óscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira), a Alemanha continua a somar prémios. Este é o quarto atribuído ao país depois de “As Vidas dos Outros” na edição dos Óscares 2007, “Algures em África” na edição dos Óscares 2002 e “O Tambor”, o prémio arrecadado pelo país, na edição dos Óscares 1980.
Quanto a “The Elephant Whisperers” tornou-se a primeira vitória da Índia na categoria Melhor Curta Metragem de Documentário. Contudo, esta não é a primeira vez que Guneet Monga ganha o Óscar pela sua pátria Índia. Em 2019, venceu com também com “Period. End of Sentence”. Já “Pinóquio de Guillermo del Toro” torna-se o primeiro filme da Netflix a vencer o Óscar de Melhor Filme de Animação, sendo que a distribuidora concorria com outro filme “The Sea Beast”. Muito importante referir que este é apenas o segundo filme de animação stop-motion a triunfar na respetiva categoria – o primeiro foi “Wallace & Gromit: A Maldição do Coelho-Homem” na 78.ª edição dos Óscares da Academia.
De mencionar a vitória ligeiramente surpreendente de “A Oeste Nada de Novo” na categoria de Melhor Fotografia. Nos últimos dias, a vitória de “Elvis” era dada como certeza, afinal Mandy Walker tornou-se na primeira diretora de fotografia a levar para casa o prémio mais importante do American Society of Cinematographers Award na categoria de longa-metragem. Parecia ter tudo certo para repetir a vitória nos Óscares, tornando-se possivelmente na primeira mulher nos 95 anos de história destes prémios a triunfar na categoria. Não aconteceu, por isso continuamos a contar o momento para que este grande feito seja realidade! Porque sonho já parece ser.
Ruth E. Carter para Sempre
Nem tudo são mais notícias. De longe! Veja-se só o caso Ruth E. Carter.
Em 2019, Ruth E. Carter tornou-se na primeira figurinista afro-americana a vencer o Óscar de Melhores Figurinos por “Black Panther“. Em 2023, volta a levar o Óscar na categoria pela sequela “Black Panther: Wakanda Forever”. Torna-se assim a primeira mulher afro-americana a vencer o Óscar por duas vezes (contando com qualquer categoria) e a primeira figurinista a vencer duas vezes pelo mesmo franchise. Ruth E. Carter, consciente do seu feito histórico, ofereceu um dos discursos mais emocionantes da noite:
Obrigado à Academia por reconhecer a super-heroína que é uma mulher negra. Ela resiste, ela ama, ela supera, ela é cada mulher neste filme. Ela é minha mãe. Na semana passada, Mable Carter tornou-se uma ancestral. Este filme preparou-me para este momento. Chadwick, por favor, cuide da mamã. Ryan Coogler, Nate Moore, obrigado a ambos pela vossa visão. Juntos, estamos reformulando a forma como a cultura é representada. A família Marvel, Kevin Feige, Victoria Alonso, Louis D’Esposito e seu arsenal de génios, obrigado. Eu partilho isto com muitos artistas dedicados, cujas mãos e corações ajudaram-me a manifestar os figurinos de Wakanda e Talokan. Isto é para a minha mãe. Ela tinha 101 anos.
Embora bastante merecida, a vitória de Ruth E. Carter foi um choque, afinal superou o favoritismo de Catherine Martin, que ganhou os prémios BAFTA e o Costume Designers Guild Award pelo seu trabalho em “Elvis”, de Baz Luhrmann. Também superou Mary Zophres por “Babylon”, Jenny Beavan por “Um Sonho em Paris” e Shirley Kurata por “Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo”, que foi o vencedor surpresa do prémio do sindicato dos figurinistas na categoria de ficção científica. Relembramos que Ruth E. Carter tem um total de quatro nomeações para os Óscares, incluindo “Malcolm X” de 1992 e “Amistad” de 1997.
A figurinista iguala assim Denzel Washington (que fez história em 2002 quando se tornou no primeiro afro-americano a vencer o seu segundo Óscar por “Dia de Treino”) e Mahershala Ali (outro afro-americano com dois Óscares, por “Moonlight” de 2016 e “Green Book” de 2018, ambos em Melhor Ator Secundário). Viola Davis, embora conte com quatro nomeações à estatueta dourada, ganhou apenas uma vez por “Vedações” nos Óscares 2017.
Recorde também para “Black Panther: Wakanda Para Sempre” que se consagra como apenas a quinta sequela a vencer o Óscar de Melhores Figurinos. Os outros vencedores foram “O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei” nos Óscares 2004, “Elizabeth – A Idade de Ouro”, nos Óscares 2008, “Mad Max: Estrada da Fúria” nos Óscares 2016 e “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” nos Óscares 2017. Longa vida ao talento desta deusa do guarda-roupa!
Steven Spielberg, seis décadas de cinema
Foi talvez das cerimónias dos Óscares mais serenas e com menos surpresas dos últimos tempos. Infelizmente, um dos maiores realizadores a trabalhar atualmente não teve qualquer oportunidade de subir ao palco do Dolby Theatre e muito menos de arrecadar mais um Óscar. Podem chamar “Os Fabelmans” como o filme menos popular do senhor Spielberg ou o seu filme mais conservador, mas não poderemos negar que ofereceu aquele que foi o melhor trabalho de realização de 2022 e um dos mais célebres trabalhos da sua carreira.
Com este drama familiar semi-biográfico, Steven Spielberg confirmou ser uma pedra preciosa na história da Academia, com um recorde de 12 longas-metragens nomeados ao Óscar de Melhor Filme e 9 nomeações para Melhor Realizador, num empate impressionante com Martin Scorsese como segundos realizadores com mais nomeações da história dos Óscares. Da lista de nomeados deste ano, Spielberg era também o mais velho, com 76 anos e o único realizador da história das estatuetas com nomeações em 6 décadas diferentes!
Obviamente, acreditamos que esta perda de Spielberg esteja relacionada com duas vitórias prévias – por “A Lista de Schindler” (1993) e “O Resgate do Soldado Ryan” (1998). Mas Steven Spielberg já não ganha nenhum Óscar há 24 anos, sem esquecer que está sempre ali para abraçar e apoiar quem quer que seja. “Os Fabelmans” era uma forma da Academia homenagear um dos nomes poderosos e humildes da indústria, e até um dos maiores defensores dos prémios – no passado Spielberg ajudou, por exemplo, a recuperar os Óscares de Bette Davis em leilão como comprador anónimo e depois cumpriu um dever de entregá-los à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood para preservar a sua história.
“Os Fabelmans” é em parte sobre a arte de fazer filmes e sobre o homem que nos últimos anos melhor nos ensinou como fazê-los! Não tivemos a homenagem como queríamos, mas tivemo-lo ali presente e sentado na sua cadeira, felicíssimo em aplaudir os vencedores. E quanto a Portugal, parece que ainda não foi desta. Chorámos porque ainda estamos à espera…