Perdido em Marte | Análise definitiva
Volvidos três anos desde “Prometheus”, Ridley Scott regressa ao sci-fi com uma obra adaptada do romance homónimo de Andy Weir. Perdido em Marte é, provavelmente, o melhor filme do género que o realizador britânico já produziu até à data desde Blade Runner.
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“Embrulha, Armstrong!”. É com este espírito competitivo, que Mark Watney (Matt Damon) se faz ouvir pela vastidão solitária da atmosfera marciana. E mesmo que o homem da Lua esteja a revolver-se no túmulo por uma desforra de galões, os feitos que iremos relatar em seguida são dignos de uma Odisseia grega. Já lá vão quase cinco décadas desde a expedição da Apollo 11, e continuamos a sonhar fervorosamente com o planeta vermelho. Sonhar, é o derradeiro ímpeto de alento que teremos de continuar a acalentar, enquanto o avanço tecnológico não apanha o tempo das palavras do escritor. O programa espacial da Ares III, – a primeira expedição tripulada a Marte – bem que poderia ser uma missão oficial da NASA mas, por agora, não passará de um simulacro aprovado dessa utopia louca, ainda distante.
“É, de resto, uma imagem de marca de Scott, irromper a matar com toda a profundidade emocional para em seguida gerir meticulosamente o ritmo da narração.”
Contudo, a cinematografia realista de Ridley Scott assenta em bases científicas bastante sólidas, dotando a sua obra de um cariz quase documental, não obstante o inevitável grau de abstração. Aliás, basta atentarmos no facto da aventura espacial ter sido filmada num deserto jordano, que emprestou o nome às verídicas ravinas de “Acidalia Planitia“, aonde Watney e a sua equipa de investigadores esquadrinham pelos mesmos vestígios de vida, já identificados por uma sonda da Nasa (Mars Global Surveyor). E enquanto os astronautas escreviam os seus nomes na história da Humanidade, uma maciça tempestade de colorau arenoso resolve cuspir Mark Watney pela garganta da noite, forçando o vaivém Hermes a uma descolagem de emergência com a certeza de carregar menos um passageiro a bordo.
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Assim, é no epicentro da calamidade, que somos absorvidos freneticamente em primeira instância, antes do frenesim da narrativa amainar com a aparente sepultura de Mark Watney. É, de resto, uma imagem de marca de Scott, irromper a matar com toda a profundidade emocional para em seguida gerir meticulosamente o ritmo da narração. Verificamos esse pico de tensão primordial, quando a aguerrida comandante Melissa Lewis (Jessica Chastain) delibera o insanável veredito de condenar Watney à sua sorte para salvaguardar a viabilidade da campanha. Com a viseira parcialmente enterrada naquele areal estéril, Watney ressuscita como uma criança abandonada que acaba de nascer em aflição.
“A cinematografia realista de Ridley Scott assenta em bases científicas bastante sólidas, dotando a sua obra de um cariz quase documental, não obstante o inevitável grau de abstração.”
Doravante, a lente da câmara cola-se às pálpebras de Watney, perseguindo-o exaustivamente como uma sombra fanática. Aliás, a personagem interpretada por Matt Damon desbobina vários colóquios solitários em forma de relatórios digitais para ele próprio. Agora, o primeiro e último marciano com direito de exclusividade planetário, é forçado a reinventar-se com um sentido de humor cerebral para suster a adversidade, obrigando as famosas GoPro a entrar em cena como repórteres de terreno a gravar para um reality show. Até numa recente entrevista concedida ao cineasta inglês, o mesmo afirmou que “os mencionados dispositivos são como as caixas negras para a eventualidade de algo correr mal”. Mas, o botânico/engenheiro mecânico, recusa aceitar os malefícios de um monstro territorial, extasiando-nos nostalgicamente num “one man-show” de improvisos geniais que remontam aos bons velhos tempos de MacGyver.
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Já dizia o livro que os Homens eram de Marte e as Mulheres de Vénus mas, interpretações matrimonias à parte, seria inconcebível imaginar outro marciano com o arrojo de olhar nos olhos um planeta que o quer engolir. Em condições idênticas, qualquer mortal panicava neste cenário de “guerra muda” e, é nesta linha de pensamento, que a paridade realizador/argumentista declara a inteligência da narrativa, autorizando que as notas humorísticas contenham a nervura do objetivo racional de escapar ao próximo encontro com a obliteração. Daqui em diante, Matt Damon é poesia em movimento, seja no improviso de uma estufa artificial para plantação de batatas, seja na tentativa de comunicar com a Terra através de uma tabela ASCII.
“O primeiro e último marciano com direito de exclusividade planetário, é forçado a reinventar-se com um sentido de humor cerebral para suster a adversidade.”
Por seu turno, enquanto o E.T. Houdini entretém as hostes com os infindáveis coelhos que vai precipitando da cartola, a NASA desmultiplica-se em esforços para resgatar a maior prova de vida alguma vez detetada em Marte. E, se a milhões de quilómetros de casa, a superestrela Watney puxa pelos neurónios até ao limite para sobreviver, o rígido diretor da agência espacial Theodore Sanders (Jeff Daniels) tenta reunir consensos decisivos junto dos seus adjuntos de luxo: o diretor das “Missões Marte” Vincent Kapoor (Chiwetel Ejiofor) e o diretor de “Voo da Hermes” Mitch Henderson (Sean Bean). Porém, apesar de Mark Watney reclamar para si o grosso da atenção, esta tríplice aliança mediática viverá os seus tumultos protocolares e éticos no planeamento da operação de salvamento. Aqui, o maestro Ridley Scott volta a ritmar a batuta a seu bel-prazer, promovendo variações no enredo que se vão amontoar em novos pontos de tensão paralelos às incidências em Marte. O pináculo dessas extrapolações dinâmicas de guião, dá-se quando os companheiros de Watney regressam à órbita marciana para o salvar, altura em que Jessica Chastain dá um ar da sua graça, oferecendo o corpo às balas como é apanágio de um líder.
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A contraposição Marte\NASA\Hermes funciona com eficácia no refrescamento visual daquela palete quente marciana, o que não invalida a constatação da beleza paisagística do planeta vermelho. Os planos de imagem são ricos e imaculados, apresentando uma sensação de profundidade deveras impressionante, pelo menos na versão em 3D. Num apontamento mais picuinhas, notificar apenas que num punhado de ocasiões a escala entre cenário e peças em movimento parece levemente desfasada. A sonoplastia a cargo do vetereno Harry Gregson-Williams embrulha de forma notável o pulsar das emoções, com arrufos melódicos medianamente calmos com um substrato ameaçador, que trepam consoante a urgência do momento.
“Matt Damon é poesia em movimento, seja no improviso de uma estufa artificial para plantação de batatas, seja na tentativa de comunicar com a Terra através de uma tabela ASCII.”
“Perdido em Marte”, não se resume à história de um homem amarrado a um planeta que faz das tripas coração para garantir a sua subsistência. É uma mensagem de esperança além fronteiras de alguém que não se perde de si mesmo, e de quem não permite que se perca. Há vidas que merecem ser preservadas até à exaustão, e a de Mark Watney é a expressão máxima de que a união faz a força em prol de um direito fundamental. “O Marciano” quer regressar à sua Terra, e nós aplaudimos de pé a iniciativa do seu regresso…
P.S – Volta Para Casa…
MS
Valeu a pena esperar pela análise definitiva…
Fiquei realmente com vontade de ver o filme em questão… Parabéns pela excelente escrita construtiva,criativa e cuidada…
Parabéns pela excelente crítica! Pois é capaz de nos cativar não só para continuar a ler, como também nos força a ir ver o filme! Parabéns ao Miguel e que continue brindar-nos com a sua fantástica escrita! 🙂
“Perdido em Marte”: 5*
“Perdido em Marte” é sem dúvida alguma um dos melhores filmes de 2015…
“The Martian” tem uma história arrebatadora e um brilhante elenco…
Cumprimentos Frederico Daniel…