"El Placer Es Mío" | © Queer Lisboa

El Placer Es Mío, a Crítica | O cinema argentino veio ao Queer Lisboa ‘24

“El Placer Es Mío,” também conhecido como “The Pleasure Is Mine,” trouxe o cinema argentino à mais recente edição do Queer Lisboa. Esta obra de Sacha Amaral integrou a Competição de Longas-Metragens.

Sobre o vazio de um ecrã preto, ouvimos uma voz masculina, desesperada. Fala sobre um Antonio e suplica-lhe a saciação de um desejo avassalador, quiçá autodestrutivo. É uma chama que arde sem se ver e consome, queima até só sobrar um coração carbonizado. Trata-se de uma mensagem de voz no voicemail desse tal Antonio, sendo este um mecanismo a repetir-se ao longo de “El Placer Es Mío.” Considerando a estrutura cíclica da fita, é como que um marcador de compasso, ou talvez o separador entre capítulos de uma odisseia sem fim à vista. Uma coisa é certa – o realizador Sacha Amaral desperta-nos o interesse sobre Antonio, sua sensualidade, seu mistério.

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Mas depois conhecemos Antonio, interpretado por Max Suen. Com vinte anos, ele é um jovem que deambula pelas ruas de Buenos Aires em busca de sustento e sexo também, ora para prazer ou para encher a carteira com algum dinheiro. Sem dar muito contexto, o filme deixa-nos entender a figura vagabunda, observando a matina, quando o trabalhador do sexo investiga a casa do cliente e esse outro deixa-se dormir, uma imagem perfeita de contentamento carnal. O sexo não se vê, mas sente-se no corte entre a noite e a manhã. Tal como o voicemail, também este mecanismo se vai repetir, padronizado até à loucura neste curioso exemplo de cinema sobre juventude queer.

Um filme que se perde em ciclos repetitivos.

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© Queer Lisboa

E o ciclo continua. Pouco depois, lá está Antonio em busca do orgasmo com outro corpo. É com uma rapariga desta vez, alguém que lhe caminha sobre as costas para lhe soltar os músculos tensos. Sente-se o investimento dos cineastas num registo háptico, onde se exulta a tatilidade do corpo nu ou seminu, pele suada e cabelos desgrenhados pela carícia empolgada dos amantes. E mais uma vez, lá ele vasculha a casa. Quer roubar, sim, mas talvez também queira alguma intimidade que transcende o contacto direto do sexo. Ele é uma figura curiosa em muitas vertentes, uma cifra. Só é incerto se o filme quer que o espetador o decifre, que resolva esse puzzle chamado Antonio.

Em certa medida, perguntamo-nos se os cineastas sabem a resposta a essa questão. Há um gosto pela impunidade no retrato feito ao rapaz e é algo que transcende a rotina cleptomaníaca. Nota-se em algo tão vulgar como o urinar em plena rua, contra uma árvore no meio do passeio. É noite, mas as luzes estão todas acesas e qualquer pessoa pode ver. Mesmo assim, Antonio não quer saber. Também se está a borrifar quando decide falar com a boca ao invés do corpo erotizado. Cada fala, cada mentira, especialmente quando alguém lhe ousa perguntar algo sobre a vida pessoal, onde ele vive ou que faz. Dito isso, a mãe é o maior alvo do ludíbrio.


Mas a irmã emprestada de um casamento fracassado também leva com o furacão Antonio, sempre a pedir alguma coisa ou a tentar sabotar a paz dos outros. O egoísmo é supremo sem parecer particularmente criticado. “El Placer Es Mío” mantém-se além da moralidade e não está cá para dar sermões. Simplesmente observa e, por vezes, captura momentos preciosos. Nessa primeira visita à casa fraterna, vemos miúdos a deslizarem no chão ensaboado, qualquer brincadeira inocente que dá graça e graciosidade à fita. Em paralelo, temos a inocência de Antonio, qual menino, a deleitar-se com o simples prazer do sol na pele, uns raios calorosos que se refletem em vidro e dançam num quarto fechado.

Oxalá a construção formal da obra estivesse sempre ao nível desses instantes perdidos, esses tesouros. A montagem é o melhor elemento, mas a fotografia consegue frustrar. A câmara ao ombro que Amaral privilegia está sempre a perder o foco. Juntamente com os jumpcuts e estilo de atuação, transmite-se a ideia de um cinema improvisado, feito em seguimento da mesma fluidez amorfa que a vida tem. Ou isso ou será um daqueles clichés típicos do filme independente que ainda não apurou uma estética mais específica que um vago realismo. Quiçá “El Placer Es Mío” esteja afetada pela adolescência tardia, um mal de família para Antonio e companhia.

Será um estudo de personagem ou um enigma?

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© Queer Lisboa

Há algo reminiscente de “Teorema” no modo como todos desejam o jovem. E tal como no clássico de Pasolini, o objeto das fantasias alheias mantém-se à distância, tanto das restantes personagens como do público. Para o espetador mais feroz, poder-se-ia descrever a personagem principal como um narcisista, sem amor para dar, egoísta até ao tutano e tão vazio como um orgasmo arruinado. Quiçá um ator mais interessante conseguiria tornar Antonio numa personagem ao invés de um corpo sobre o qual tudo se projeta e nada penetra além da superfície. Dito isso, há valor no seu alienamento e algo de incisivo no que sua história pode refletir.

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Sendo generosos, conseguimos reconhecer uma meditação sobre o egoísmo do prazer neste “El Placer Es Mío,” o solipsismo e a angústia. Antonio padece de tudo isso e, quando é reduzido a um fenómeno estético pela câmara tal como pelos amantes, sente-se a vontade de escapar. A fuga não tem que ser concreta e, a um certo ponto, manifesta-se em jeito de evasão do próprio, como se Antonio estivesse a correr para longe de si mesmo. Afinal, ele reconhece os seus mesmos vícios – “Eu não sou um santo, mas também não sou o pior de todos.” Há algo de comovente nesse juízo dentro de um filme sem julgamentos, uma petulância de miúdo pequeno e rebeldia queer que se mostra desesperado por alguma simpatia.

Depois do Queer Lisboa, vem o Queer Porto. O festival portuense começa já dia 8 de Outubro. Não percas!

Queer Lisboa '24 | El Placer Es Mío, a Crítica
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Movie title: El Placer Es Mío

Date published: 29 de September de 2024

Duration: 96 min.

Director(s): Sacha Amaral

Actor(s): Max Suen, Katja Alemann, Anabella Bacigalupo, Ramón Cohen Arazi, Silvia Cobelo, Belén Datwiller, Vladimir Durán, Iván Haidar, Paco Fernández Onnainty, José Vicente Orozco, Sofía Palomino, Iair Said, Luciano Suardi, Julián Larquier Tellarini, Ivana Zacharsky

Genre: Drama, 2024

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

“El Placer Es Mío” jamais julga as personagens, mas também faz pouco com essa evasão moral. Seguindo um narcisista em Buenos Aires, Sacha Amaral constrói um estudo de personagem tão curioso quanto disfuncional, a rebentar com vazios enigmáticos e explosões de ódio filial. Além disso, há que apreciar a astúcia de um filme sobre sexo que mantém o ato fora de cena até uma cena-chave, quando a conclusão já se avista no horizonte.

O MELHOR: As cenas pós-coitais, esses deambulares sorrateiros enquanto os amantes dormem são as melhores cenas da fita. Nem que seja pelo contraste entre uma câmara móbil, quase felina, e a quietude entorpecida do outro corpo que dorme. A luz fria da manhã também ajuda, conferindo rara beleza a “El Placer Es Mío.”

O PIOR: Chega-se a um ponto de repetição enfática – na estrutura, na narrativa, na filmagem – que cambaleia em vertigem do enfadonho. E quando a mudança surge – um assalto e um salvamento, um reflexo simétrico – parece que o mecanismo vem forçado, sem seguimento orgânico dentro da fita.

CA

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