Close to You, a Crítica | Elliot Page é a força motriz desta estreia no Queer Lisboa
Um dos últimos grandes destaques da 28.ª edição do Queer Lisboa foi a exibição, na secção Panorama, do filme “Close to You”, drama assinado pelo inglês Dominic Savage e protagonizado por Elliot Page. Aqui, a experiência trans é expressa com franqueza, determinação e sustentada por uma prestação central para lá de cintilante.
“Close to You”, integrado no Panorama do Queer Lisboa, teve estreia mundial no TIFF (Toronto International Film Festival), e contou com passagem também pelo NewFest Pride em Nova Iorque e pelo britânico BFI Flare.
Mais conhecido do grande público pelos seus papéis em “Juno” (pelo qual foi nomeado ao Óscar) e “The Umbrella Academy”, Elliot Page tem vindo a demonstrar ser, nos últimos anos, um dos mais importantes (e visíveis) representantes da comunidade trans. A sua coragem, a de partilhar tanto de si e da sua transição ao longo dos últimos anos, quer online, quer através do seu livro “PageBoy”, é sem dúvida de assinalar, um refugio num mundo onde o ódio insiste em ganhar terreno.
Um drama familiar afim ao terreno biográfico
“Close to You”, escrito e realizado por Dominic Savage, é um drama familiar íntimo, que não sendo de todo uma autobiografia, bebe em parte da experiência de Page, a de crescer numa pequena localidade canadiana, onde apenas a mudança para a grande cidade lhe permitiu realmente ser, estar, de uma forma mais livre e plena.
Elliot Page referiu por várias vezes que a obra não é um espelho da sua vida, mas sentimos (e é reconhecida), ainda assim, uma afinidade imensa entre o protagonista Sam e o ator que lhe dá vida. Elliot está estrondoso, vibrante e honesto em cada cena de “Close to You”.
O realizador, o experiente Dominic Savage, afirmou repetidamente em entrevistas que Page foi escolhido para este papel a dedo e, embora careça de créditos de argumento, as conversas entre ator e realizador acabaram por ajudar a formar a história que aqui é contada (e esses créditos de história são-lhe reconhecidos, não fosse Elliot também co-produtor).
Improvisação como uma ferramenta preciosa para Elliot Page
Além disso, muito de “Close to You” foi improvisado, com o intuito de transmitir naturalismo, conforme estipulado pelo realizador. Um ator habituado a produções de grande estúdio, Page admitiu ter-se sentido intimidado por esta nova dinâmica.
Sem margem para dúvida, esta honestidade e este fluxo de consciência por vezes ininterrupto que é aqui empregue como método joga a favor da histórica contada. Acima de tudo, joga a favor da prestação de Elliot Page.
A improvisação assenta-lhe que nem uma luva, neste filme em que encarna Sam, um homem trans que regressa, pela primeira vez em vários anos e desde a sua transição, a uma pequena localidade no Canadá para o aniversário do seu pai.
O peso da família tradicional no Queer Lisboa 28
Elliot Page expressa, num diálogo fluído, as frustrações próprias de uma pessoa LGBTQIA+ presa entre duas necessidades – a de sarar as feridas do passado; mas também a necessidade de respeitar a sua própria identidade, o seu desenvolvimento enquanto indivíduo e a sua separação da pessoa que em tempos foi forçada a ser.
O Sam de Page encontrou a sua paz de espírito, e a forma como o expressa não deixa dúvidas a quem vê. Todavia, a sua família insiste, uma e outra vez, em dizer e fazer a coisa errada, projetando em Sam os seus valores heteronormativos, incutindo um peso gigante no seu filho, irmão, cunhado, e tornando este ‘regresso a casa’ drenante e, em último caso, infrutífero.
Onde Sam (e Elliot Page) tentam educar neste 28.º Queer Lisboa, as personagens do outro lado resistem com tudo o que têm – quer tenham intenções boas ou nem tanto. O maior problema de “Close to You” é que acaba por soar algo doutrinal nesta sua abordagem.
Membros da comunidade Queer e todes es que apoiem a sua jornada rumo ao pleno direito à felicidade irão comover-se com este filme e com a ferocidade de Page. Todavia, aqueles que mais precisam de aprender a lição poderão não conseguir compreender o que está a ser comunicado nalguma das sequências e até através da própria resolução . E sim, há um claro cunho educacional inerente à longa-metragem, mas se algumas pessoas conseguirem assimilá-la, já terá valido a pena.
O regresso a um antigo amor em Close to You
A parte mais emotiva de “Close to You”, que em Portugal estreou na presente edição do Queer Lisboa, é a história de amor entre Sam e Katherine (Hillary Baack, de “O Som do Metal”). No comboio de regresso à pequena localidade, Sam vê a sua paixão de infância, Katherine. A pessoa que esteve lá para ele durante os difíceis tempos pré-transição, a pessoa que foi sua confidente durante o período escolar.
Há uma particularidade interessante na sua dinâmica, Katherine é uma personagem surda. Em parte, foi esta característica de “alteridade” que uniu Sam e Kat na infância. Ambos eram “outro” na sua experiência de pequena cidade, e de alguma forma sabiam como reconhecer a essência um do outro de uma forma mais pura. O seu carinho, o seu amor, as suas memórias, o seu reencontro e os seus desencontros, tudo isto emociona sobejamente e cria um elemento humano muito especial e tenro.
O Queer Lisboa 28 já terminou as suas sessões, mas o Queer Porto arranca já no dia 8 deste mês!
Close to You, a Crítica
Movie title: Close to You
Movie description: No aniversário do seu pai, Sam embarca numa viagem que não quer necessariamente fazer. Sam não tem voltado a casa desde a sua transição. Após quatro anos em Toronto, onde vive no seio de uma comunidade da qual sente que finalmente faz parte, este retorno à sua cidade natal significa enfrentar tensões emocionais por resolver. D.P. (Queer Lisboa)
Date published: 4 de October de 2024
Country: Canadá, Reino Unido
Duration: 100'
Author: Dominic Savage, Elliot Page
Director(s): Dominic Savage
Actor(s): Elliot Page
Genre: Drama, Queer, Romance
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Maggie Silva - 74
Conclusão
Expressando-se de forma livre e envolvente, Elliot Page é o verdadeiro trunfo deste “Close to You”. A experiência com a improvisação tem pontos positivos e negativos. Permite ao ator uma performance como nunca antes, mas a restante coesão do argumento sai algo sacrificada.
Overall
74User Review
( votes)Pros
- Elliot Page na prestação da sua carreira;
- Um romance emotivo, credível e forjado a partir de uma intimidade notável;
- O retrato da experiência trans e o ‘regresso a casa’ com transparência. Uma honestidade notável.
Cons
- Acaba por pregar um pouco as suas convicções sem saber como se fazer universal. Se não alinharmos já com tudo o que o filme tem para dizer, é possível que a nossa posição se mantenha inalterada. E se nós, de um ponto de vista muito pessoal, nos comovemos, sabemos que muitos sairiam de uma sala comercial com a falta de compreensão estampada no rosto.
- Um mundo desprovido de cor é-nos apresentado neste “Close To You”, que exagera na sua metáfora – a pequena cidade era um local sem alegria, e por isso assim se esvaziam as cores deste local e deste filme.