Robot Dreams – Amigos Improváveis, a Crítica | A animação que levou Pablo Berger aos Óscares
No ano passado, “Robot Dreams – Amigos Improváveis” conquistou uma nomeação surpresa para o Óscar de Melhor Filme de Animação. A obra do espanhol Pablo Berger mereceu a honra e está agora nos cinemas portugueses.
Na selva urbana, a solidão é uma epidemia que afeta muitos. Na vida pública usam-se sorrisos como máscara, mas, em privado, é difícil não sentir essa dor que vem com o vazio. É a aflição da falta de companhia, ausências onde o coração pede uma presença. Ficamos a ver televisão, a ler, a distrair-nos para não pensar no que está em falta, só que tais métodos só valem até certo ponto. Esta é a realidade retratada nas primeiras passagens de “Robot Dreams,” fita que, pela descrição, poderá parecer um penoso drama sobre a vida nas cidades modernas. Pelo contrário, trata-se de uma animação passada numa Nova Iorque dos anos 80 habitada por animais antropomorfizados.
Cão é um desses cidadãos infelizes, mesmo que a sua infelicidade se manifeste mais como uma torpitude, um tédio, uma falta de motivação. Assim se passam os seus dias, sem grandes percalços ou entusiasmo. Até uma noite em que, ao fazer zapping, o Cão vê o anúncio para um novo produto – robots que se podem encomendar e tornar amigos devotos. Cativado pelo conceito, ele encomenda a coisa e espera ansiosamente pela chegada do pacote. Recebidas as partes e montado o corpo, lá o robot acorda para a vida e, pelo caminho, dá novo sentido à vida do Cão. Ao longo de um verão idílico, tornam-se amigos inseparáveis, uma montagem estival ao som de “September” dos Earth, Wind & Fire.
Amizade e sinceridade acima de tudo!
A montagem é suficiente para nos aquecer o coração, como um abraço em forma de cinema. É doce e calorosa, esbatendo as linhas que separam a amizade e o romance, pontilhado de humor e observações que não são bem piadas, mas rasgam sorrisos na face do espetador. Em sinceridade absoluta, “Robot Dreams” quase nos desafia a cair na ironia, impondo-se contra tudo o que se opuser ao seu retrato idealizado da amizade. Seria preciso muita má disposição para olhar este primeiro ato e dele tirar conclusão cínica. Mesmo em termos de forma cinematográfica, estas passagens são alegria rarefeita e sintetizada, pronta para consumo e para deleite.
Consideremos o estilo de animação digital, cheio de cores vibrantes e linhas simples, limpas, personagens simplificadas perante panos de fundo a recriar uma visão de Nova Iorque mais facilmente encontrada em postais que na realidade vivida. Os ritmos são precisos, mesmo antes de todo um idílio nos avassalar nessa montagem, e sustentam a abordagem muito peculiar de Pablo Berger. Tal como no seu aclamado “Blancanieves,” o cineasta espanhol decidiu contar a história sem diálogo, apoiando-se na expressividade da imagem e nas técnicas do mudo. Não que “Robot Dreams” seja um qualquer pastiche dos ‘silent movies’ de outros tempos.
Pelo contrário, apesar da sua falta de texto e alusões aos anos 80, o filme parece-nos extremamente atual, sendo até a textura dos seus enquadramentos aquela polidez brilhante que só é possível com o advento do cinema digital e da animação aperfeiçoada no computador. Certamente se constam tradicionalismos no gosto pelo 2-D e a rudimentaridade do exercício, mas Berger não se deixa perder em alienações estilísticas. Só assim é possível a “Robot Dreams” cometer os sobressaltos narrativos que lhe dão fama, umas mudanças tonais tão inesperadas como violentas, tão fortes que reconfiguram toda a experiência. Ao invés de júbilo despreocupado, a fita torna-se num poço em fundo de melancolia.
Acontece quando o Cão leva o seu amigo Robot à praia, divertindo-se entre os banhistas sem qualquer consideração pelos limites materiais dos seus corpos. Pois, é que o metal não se dá bem com água salgada e os circuitos preferem estar secos. Quando a ferrugem imobiliza o Robot, o Cão é forçado a deixá-lo sozinho na areia na esperança que, noutro dia, o consiga salvar. Só que aquele era o último dia da época balnear e as praias passam a estar interditas, deixando o Robot num estado de paralisia e abandono. Feliz ou infelizmente, a sua consciência mantém-se alerta, sua mente cibernética perde-se em sonhos, fugindo a loucura. Afinal, os robots não sonham com ovelhas elétricas, mas com com “O Feiticeiro de Oz” e o fim do seu suplício.
Uma reflexão sobre a perda e seguir em frente.
As observações de Berger aparecem-nos sem juízo moral, descrevendo a trajetória distinta dos dois protagonistas ao longo das estações, à medida que o Verão dá lugar ao Outono e depois um Inverno que enterra a máquina-viva na neve. Acompanhar o Cão deixa-nos perscrutar um desespero sisífio, com todas as tentativas de resgatar o amigo acabando em fracasso e mais tristeza. Pensar-se-ia que “Robot Dreams” acabaria assim, com uma bofetada na cara do espetador que aceitou aquela glória de uma doce amizade sem pensar na dor que a sua perda criaria. Mas não, pois o filme vai mais longe e considera o que vem depois. Porque a vida continua e sobreviver passa por aceitar o fado e seguir-se em frente.
“Robot Dreams” não é um filme interessado em mensagens pedagógicas, prescrições sentimentais ou outros tantos clichés. Se há ideias que Berger queira incutir, fá-lo através da ressonância que estas realidades da vida possam ter no espetador, forçando o reconhecimento e a reflexão sem nunca se impor em demasia. Nas mãos de outro cineasta, o leitmotiv de “September” poderia ter caído no absurdo e pode-se dizer o mesmo do reencontro desencontrado do final, uma reviravolta quase Dickensiana não fosse a maturidade com que Berger escolhe terminar o conto. “Robot Dreams” parece feito para crianças e certamente lhes agradará. No entanto, serão os graúdos para quem a perda é algo mais que uma abstração, para quem amizades esquecidas e os sacrifícios da idade adulta são tangíveis – será essa gente quem mais reconhecerá o génio deste filme. Serão eles que sairão do cinema a limpar a lágrima.
Robot Dreams - Amigos Improváveis, a Crítica
Movie title: Robot Dreams
Date published: 18 de January de 2025
Duration: 103 min.
Director(s): Pablo Berger
Actor(s): ivan Labanda
Genre: Animação, Comédia, Drama, 2023
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Cláudio Alves - 80
CONCLUSÃO:
O filme mudo deixou de ser mainstream quando o som sincronizado se abateu sobre a indústria cinematográfica. Contudo, há artistas que o querem manter vivo. Pablo Berger é um desses visionários, mas as suas experiências não se deixam prender a historicismos e homenagens nostálgicas. Pelo contrário, um filme como “Robot Dreams” questiona a nostalgia como conceito, ao mesmo tempo que nos conta uma história inesquecível de solidão urbana e o florescer de uma amizade, a dor da perda e o milagre de uma nova vida depois de tudo parecer perdido. Trata-se de um dos grandes triunfos de animação dos últimos tempos, um marco no contexto do cinema espanhol.
O MELHOR: A montagem inicial de “September,” o sonho do “Feiticeiro de Oz,” aquele final inesquecível onde se descobre que, por vezes, é melhor deixar o passado no passado e aceitar as circunstâncias do presente.
O PIOR: Situar a narrativa nos anos 80 é uma afetação estilística que não nos parece especialmente motivada. É algo que distrai mais do que complementa a história a ser contada por Berger e companhia.
CA