O vestuário de Rogue One | Bodhi Rook, o piloto em busca de redenção
Com um figurino apenas, Bodhi Rook é, mesmo assim, uma das personagens de Rogue One cuja indumentária mais questões levanta.
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Política e Star Wars são dois mundos que, normalmente, nunca seriam misturados. Afinal, esta saga, não obstante a seriedade quase religiosa que alguns fãs lhe atribuem, tende a apresentar a complexidade moral de um clássico conto de fadas ou de uma história folclórica onde tudo pode ser reduzido à absoluta luta do bem contra o mal. Para além do mais, das últimas vezes que uma alma infeliz decidiu injetar complexidades políticas nesta ópera espacial, acabámos com uma trilogia, quase universalmente desprezada, cujo enredo começa com uma crise diplomática germinada pelos impostos sobre rotas comerciais.
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Pesando tudo isso, não deixa de ser verdade que analisar Rogue One sem pensar um pouco sobre as suas ramificações e ideologias políticas é ignorar a pedra basilar da sua narrativa. Este é um filme sobre a luta de revolucionários dispostos a tudo para derrotarem um regime imperialista autocrático. Além disso, entre as suas principais personagens incluem-se uma mulher marginalizada por ambas as fações do conflito, um robot do regime tornado fiel rebelde e um piloto de naves de carga que conscientemente trai o Império. Nesta página debruçar-nos-emos somente sobre essa terceira figura, Bodhi Rook.
Na longa história desta saga interestelar, é comum acompanharmos as vidas de indivíduos que, por uma conflagração de eventos condicionantes, são forçosamente inseridos no fogo da batalha. É certo que as narrativas de cada filme tentam apresentar momentos de escolha para os seus heróis mas, quer seja pela sua linhagem sanguínea, estatuto diplomático ou estonteante domínio da Força, Luke, Leia e Rey nunca tiveram grande alternativa senão acabar por se encontrar no centro da Revolução. No caso de Bodhi, essa inevitabilidade é inexistente.
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Ele era um mero piloto de naves de carga, um camionista num mundo de viagens interplanetárias, e, apesar do seu estatuto como funcionário do Império, a sua contribuição para os seus crimes era, no máximo, algo indireto. Em suma, Bodhi era um perfeito exemplo de como a banalidade do mal se manifesta sub-repticiamente no simples cumprimento de ordens inquestionadas e na deliberada ignorância em prol do conforto egoísta. Só que, ao contrário do que normalmente ocorre, Bodhi não permaneceu eternamente nessa existência conformista e ousou questionar o propósito das suas funções, ousou olhar criticamente para a globalidade do que o seu regime perpetrava e, mais impressionante ainda, decidiu fazer algo contra as injustiças que encontrou.
Numa visão macro cósmica da saga Star Wars, as escolhas deste neurótico piloto poderão parecer uma insignificância, mas Rogue One não é um filme que menospreze a coletividade do esforço revolucionário. Sendo assim, Bodhi é uma das primeiras personagens que conhecemos após o calcinante prólogo e, longe de representar qualquer imagem arquetípica de um rebelde heroico, ele parece mais um prisoneiro de guerra à beira de um ataque de histeria. Ele está algemado e coberto em andrajosos tecidos que têm uma dupla função, a de o proteger dos ventos arenosos do deserto e a de esconderem o seu uniforme imperial.
Essa atitude cautelosa é justificável quando nos apercebemos que, para os rebeldes mais extremistas, alguém que em tempos tenha apoiado o Império é para sempre irredimível. Tal mentalidade leva a uma monstruosa interrogação que deixa Bodhi com potenciais danos cerebrais, mas que, miraculosamente, não atenua a sua convicção anti-imperialista. Por essa mesma razão é deveras estranho que, ao longo de todo o filme, Bodhi nunca dispa o seu genérico macacão cinzento, que está longe de ser um figurino tão instantaneamente memorável como o conjunto de preto e cabedal de Finn (a personagem da saga que mais se assemelha a Bodhi, apesar da considerável diferença entre o campo de batalha e o transporte de mercadorias).Como dissemos várias vezes, Rogue One é um filme, em parte, sobre o esforço coletivo, pelo que a falta de impacto visual individualista é facilmente compreensível. A questão da sua recusa em mudar de roupa é mais complicada.
Quando, mais tarde, ele se tenta infiltrar na base imperial de Scarif, o uniforme ganha utilidade estratégica mas, antes disso, a sua escolha de indumentária remete mais para a sua psicologia do que para o pragmatismo bélico. Ao nunca despir o traje que o definia como um funcionário do Império, ou remover a insígnia imperial no antebraço (como uma suástica), Bodhi está a marcar a sua posição como alguém que se rebelou, alguém em busca de redenção. Depois da sua introdução, Bodhi nunca mais volta a esconder as suas origens e nessa escolha encontra-se a sua mais surpreendente mostra de retidão moral e ideológica. Ele pode envergonhar-se do seu trabalho imperial mas tem suficiente integridade para não tentar esconder a sua história ou apagar o passado.
Toda esta análise de personagem e figurino é, como será óbvio por esta altura, uma interpretação subjetiva dos visuais de Rogue One. No entanto, o poder simbólico por detrás do uso de iconografia imperial é algo tão inegável como o poder subversivo de ver uma ditadura ser atacada por pessoas, ou robots, adornadas com os seus próprios símbolos de poder.
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Na próxima página, movemo-nos de uma figura que é prova viva de quão falsa é a dicotomia binária do bem contra o mal, para um extremista que vê todo o mundo a preto-e-branco.