Top MHD: As 20 Melhores Personagens de Séries 2013 | Parte I
Muitos consideram que, actualmente, a televisão está a deixar um dos mais prolíficos espólios de entretenimento e cultura dos últimos anos, tendo a qualidade e diversidade das séries televisivas aumentado categoricamente no espaço (e tempo) dos últimos 10 anos. A visão de que este formato não é vincadamente mais pobre, ou portador de menos prestígio, que uma película cinematográfica, tem vindo a esbater-se cada vez mais, muito por ajuda também de grandes nomes de Hollywood, que viram nas alternativas narrativas e nos recursos técnicos da televisão uma oportunidade para chegar a novos públicos, com novas histórias.
E esses nomes de Hollywood abrangem pessoas de todo o ramo criativo, sejam actores (Jim Caviezel em “Person of Interest”, Vera Farmiga em “Bates Motel”, Alec Baldwin em “30 Rock”, Glenn Close em “Damages”, etc.), realizadores (Frank Darabont com “The Walking Dead”, Martin Scorsese com “Boardwalk Empire”, Gus Van Sant com “Boss”, David Fincher com “House of Cards”), ou argumentistas (David S. Goyer criou “Da Vinci’s Demons”, tal qual Aaron Sorkin com “The Newsroom”) e até compositores conseguem coexistir entre os dois mundos ( veja-se os casos de Ramin Djawaldi e Michael Giacchino, compositores das bandas sonoras de “Prison Break” e “Game of Thrones”, e de “Lost” e “Fringe”, respectivamente).
Perante a excelente parafernália qualitativa que as séries televisivas têm para nos presentear, em termos de desempenhos de representação, a MHD decidiu desenvolver um Top 20 sobre as melhores personagens de séries em 2013, utilizando como base as séries que são disponibilizadas on-demand pelas suas produtoras/canais, e aquelas que passam nos canais televisivos portugueses sem grande atraso temporal nas temporadas face ao seu lançamento oficial. Sondados os membros da redacção da MHD, soubemos as suas preferências pessoais e – depois de conjugarmos tudo, aplicarmos a escala quantitativa de pontos, fazermos a média ponderada de cada personagem face aos pontos e número de votos recebidos por cada uma – chegámos ao nosso Top 20!
Frisamos que as personagens e a sua ordem neste top não reflectem, nem as escolhas pessoais do autor deste artigo, nem as de outro qualquer membro isolado da MHD, sendo antes um resultado concertado da nossa publicação, que tentou ser o mais justa e equitativa possível (se é que algo desse género pode acontecer em “coisas deste género”).
Bom, agora que já está tudo esclarecido, avancemos rumo àquilo que efectivamente interessa, com as primeiras cinco personagens deste Top.
20º – Lord Varys (Conleth Hill)
Game of Thrones| 2011| HBO (EUA)| SyFy (Portugal)
Em 20º lugar deste top encontra-se aquele que,porventura, poderá ser a personagem mais enigmática desse poderoso triunfo televisivo chamado “Game of Thrones”. Possuíndo uma rede de espiões que faria inveja ao KGB, ou uma abilidade sobrenatural para o disfarce e dissimulação, inúmeras vezes superior ao do antigo KGB, Varys é uma daquelas personagens que consagram o interessante epíteto desta chamada “television golden age”: aquele que nos mostra que o real predicativo humano de uma boa série não tem de residir num mundo pintado com o branco do puro heroísmo e o preto da sórdida vilania; aquele que contempla e aprofunda, sempre de forma misteriosa mas nunca hesitante, as vastas áreas cinzentas em que habitam os mais importantes pensamentos da nossa mente e sentimentos da nossa psique.
Sendo “Game of Thrones” uma complexa, descritiva e reflexiva meditação sobre o Poder, temos de convir que, embora o motor principal da série assente nas vicissitudes por Ele geradas no rumo trilhado pelos players principais, não existe nenhuma personagem que desconstrua tão subliminarmente, ou personifique tão cabalmente, o âmago desse conceito. É muito difícil penetrar, totalmente, nas verdadeiras intenções do eunuco efeminado que faz da informação uma arma mais letal que qualquer exército medieval.
Ao longo de três temporadas, a sua personagem originou em nós sentimentos de admiração, repulsa, esperança, ódio, entre outros; mas acima de todos, encontra-se aquele que, por ser inimutável, é impagável: o respeito. Respeito por se tratar do único ser suficientemente lúcido, para perceber que não é possível subjugar o Poder, sem ser corrompido e comandado pelo mesmo. Só Lhe sobrevivem aqueles que, tendo hipótese de o usar, sabem os riscos e os limites, pensando sempre, receosamente, nas contrapartidas que as suas “jogadas” podem despoletar. A sua vaidade é aquilo que o refreia. E se a vaidade é a espuma do orgulho, então não haja dúvidas que, da mesma forma que um poderoso rio deixa os traços da sua jactante força na orgulhosa tona espumante que surge depois da enxurrada, Varys corporiza a espuma dos nossos dias. É assim que ele vai sobrevivendo a essa Guerra e vivendo para nos contar de que é que são feitos estes Tronos.
19º – Saul Berenson (Mandy Patinkin)
Homeland| 2011| Showtime (EUA)| FOX (Portugal)
As longas, grisalhas barbas e os óculos que escondem dois olhos com mais experiência no mundo do que querem admitir, são elementos que distinguem a aparência de Saul Berenson, mas que ocultam a personalidade e senioridade do mesmo, naquela que é uma das mais polémicas e mediáticas agências de inteligência e operações secretas do mundo: a bela CIA. Por trás do ar seguro e inofensivo ostentado pelo mentor e protector de Carrie Mathison na CIA, existe um analista implacável e perfeccionista que,sempre zeloso na prossecução dos seus trabalhos na divisão de contra-terrorismo, mostra uma sapiência e intensidade tais que torna qualquer interpretação de dados, interrogatório ou operação secreta em algo legítimo para o espectador. Isto acontece-se porque Saul nunca se dissocia de uma rectidão e probidade quase paradoxais à actividade que exerce.
E apesar de ser uma pessoa misteriosa, especialmente no que diz respeito ao seu passado, aquilo que dele sabemos, bem pesado e medido, serve perfeitamente para nos apercebermos de como deve ser frustrante estar continuamente a ser pressionado, para que, na guerra apátrida contra o terrorismo, abdique da sua visão de conciliação global, em prol da já recorrente visão belicista, aquela que mascara os seus interesses nas riscas e estrelas do patriotismo inveterado. Senão vejamos: é um judeu que nasceu numa zona rural de Indiana, um dos poucos Estados do midwest onde até a população islâmica – e isto não é nenhum trocadilho com o espectro da série – é superior à judaica; desde criança que se bateu com os seus pares por ter diferentes ideias e mesmo quando chegou à agência, por mérito próprio da sua inteligência, o sentido que tinha de estar a proteger o seu país além-fronteiras foi diversas vezes posto em causa, devido aos dúbios argumentos e irascíveis comportamentos levados a cabo pelas suas chefias. Além disso, Saul encontra-se mais casado com o seu trabalho do que com a sua mulher, Mira, apesar de amar perdidamente a indiana que o ensinou a olhar para o mundo como um todo e não como uma soma de partes.
Falamos, portanto, de um homem que subiu a pulso, naquela que provavelmente é a agência que mais vezes se convence que comanda o jogo e as regras da espionagem a nível mundial, tendo uma vida sempre pautada pela deslocação cultural, em qualquer um dos planos em que esta se inserisse. Com as novas funções que adquiriu, no rescaldo do caótico final explosivo da 2ª temporada, a questão que agora se põe para a 3ª e seguintes temporadas é a seguinte: será que o mentor de Carrie vai conseguir mudar as regras do jogo, ou será que vai ser o jogo a conseguir mudar as regras de Saul?
18º – Will McAvoy (Jeff Daniels)
The Newsroom| 2012| HBO (EUA)| TV Séries (Portugal)
O vincado paternalismo combinado com uma extravagante irreverência e arrogante frontalidade, não formam, teoricamente, o carácter e discurso mais aprazíveis e desejáveis num protagonista de uma série dramática. Mas na prática a conversa é outra, e o(s) discurso(s) de Will McAvoy ao longo das duas temporadas de “The Newsroom” culminaram, pura e simplesmente, numa das personagens mais carismáticas, aclamadas, quiçá messiânicas, da história da televisão (pelo menos na que foi feita no século XXI). Tanto que estamos a falar da personagem que levou à vitória de Jeff Daniels na última edição dos Emmy’s, numa das suas competições mais fortes dos últimos anos, na categoria de Melhor Actor em Série Dramática…
De ratings bitch a um nearly-prophet anchor, o percurso de Will McAvoy foi sempre sinuoso, desenvolvendo a sua carreira como pivot de telejornal sem sequer contemplar conceitos como “Bem” e “Mal”. Will vive confrontando o seu próprio eu, imerso no constante conflito entre as suas origens humildes e abusivas, os anos de verdade e justiça que fizeram a sua juventude, enquanto procurador no distrito de Brooklyn, e o vazio moral que dele se apoderou no rescaldo do sucesso da sua carreira à frente das câmaras. E a série acaba por “viver” tanto no espírito dos que a seguem, porque desse conflito (res)surge sempre um Will McAvoy com um sentido de dever cívico inabalável, colocando no debate público as mais “finas” elites políticas, económicas, etc., questionando-as e obrigando-as a prestar contas e satisfações a todos os anónimos que sofrem com as suas decisões mesmo sem saberem.
Com uma escrita tipicamente «sorkiniana» (quem não tiver visto, nem de passagem, “The West Wing”, então que compare a velocidade, tenacidade e eloquência dos diálogos de “The Newsroom” aos de “Social Network”, que decerto irão encontrar similaridades), não admira que o criticismo que a série faz à actuação dos media americanos – principalmente através da personagem de Jeff Daniels – tenha obtido uma poderosa legião de fãs, quase proporcional à de haters. O problema é que muitos destes últimos não pretendem levar “sermões educativos” sobre jornalismo e cidadania. E sendo apologistas do status quo, não só têm em si todos os problemas do mundo, como têm medo que um destes dias surja um real Will McAvoy, que ouse levar o comum dos mortais a sonhar que é possível tornar a utopia televisiva do jornalismo de “The Newsroom” em algo real, praticável e escalável.
17º – Norman Bates (Freddie Highmore)
Bates Motel| 2013| A&E (EUA)| TV Séries (Portugal)
Expectante. Era este o adjectivo que assolava a alma de milhões de pessoas, depois de saberem que o letal, psicótico e complexado Norman Bates iria voltar; e não só o regresso era para o pequeno ecrã, como pequeno é também o jovem Norman nesta prequela contemporânea, que junta cenários modernos com elementos que remetem para o universo do Psycho de Hitchcock (atente-se no guarda-roupa das personagens principais e na própria decoração da casa e do motel).
Freddie Highmore tem uma interpretação tão sensível e emocionalmente cativante como em 2004, quando era uma criança à procura da Terra do Nunca, ou como em 2007, interpretando um órfão pré-adolescente que sentia desalmadamente a música com o Som do Coração. Contudo, o seu Norman Bates é, até agora, o ex-libris do seu inegável talento, pois reúne a própria marca de estilo do jovem actor, com a instabilidade e ambiguidade que eternizaram o Psycho de Anthony Perkins. Tudo embrulhado na dualidade terrífica de um sentido estético e argumentativo plenamente «hitchcockeano». Os próprios dilemas da adolescência, resumidos na relação dicotómica que existe entre o amor subserviente que tem pela sua mãe (um super papel de Farmiga) e a vontade/necessidade que qualquer jovem tem em se soltar das amarras domésticas e explorar o mundo exterior que está ali tão perto e tão longe, estão escritos, encadeados e encarnados com a respeitosa consciência do quão obscuro e movediço é este material, perpetuado culturalmente pelo mestre do suspense.
Desde sempre que todos os fãs da história do(s) Bates se interrogam e gostavam de ver satisfeita a sua curiosidade, sobre como efectivamente terá crescido Norman Bates. Será que o Psycho nasceu com ele? Terá sido a relação pouco ortodoxa entre mãe e filho a despoletar algo tão impetuoso e incontrolável? O confronto Genética vs. Educação está lá; não expressamente nas falas, mas tacitamente na excelente linguagem corporal de Highmore, que conduz toda a atmosfera da série (fazendo um paralelo, faz lembrar o duelo interior de Dexter, com a diferença de que em “Bates Motel” a profundidade parece ser maior à medida que a clareza vai diminuindo). No final, o melhor elogio que se pode fazer, é que, com mais temporadas, não se admirem se começarem a ver a cara de Perkins na de Highmore. É sinal que estão a ver uma das personagens mais duais de sempre, a tornar-se num Uno protagonizado por dois actores separados por meio século.
16º – Cameron Tucker (Eric Stonestreet)
Modern Family| 2009| ABC (EUA)| FOX Life (Portugal)
“Modern Family” foi uma lufada de ar fresco no campeonato das séries de comédia familiar, disso ninguém deverá ter dúvidas, volvidas as suas 5 temporadas. Mas, por maiores que sejam as capacidades de um elenco super competente, existem sempre aquelas personagens que se destacam. E Cameron Tucker é uma delas, mais não seja pela representação dos trejeitos, os estereótipos e clichés que geralmente se associam à homossexualidade, com uma perfeita e vívida entrega, que levou à incredulidade de muitos telespectadores, quando descobriram que o actor não era na verdade homossexual.
A sensibilidade espalhafatosa de Cameron, as suas expressões faciais, ora pomposas, ora rabugentas, a extravagância das suas ideias, histórias e projectos são características que nem tivemos de aprender a gostar nele; entranharam-se logo dentro de nós, como que um atalho que vai directamente às emoções, porque o cérebro sabe que não precisa de validar, rigor mortis, as piadas que vêm com as atitudes de Cameron e as profundas gargalhadas que as mesmas originam no mais comum espectador.
Mas não é só de risos e sorrisos que Cameron é feito. A sua relação com o seu mais-que-tudo Mitchell, mostra-nos, ainda que de uma forma cómica e bastante light, a realidade do dia-a-dia de um casal homossexual e as suas dinâmicas contínuas com os membros mais próximos da família, e isso não é algo a que estejamos habituados a ver como uma recorrência numa comédia familiar. Se juntarmos então à equação uma filha adoptada, oriunda do Vietname, que por mais problemas que lhes arranje ou por mais paciência que lhes chague, acaba sempre por receber o seu amor incondicional e irrevogável (especialmente do emotivo e mimoso Cameron), então temos a perfeita receita para nos lembrarmos, no contexto do debate de direitos que tem assolado a praça pública ocidental, de que não existe qualquer requisito para a parentalidade que deva ser baseado na (homos)sexualidade. Bottom line, acaba sempre por ser, e perdoem-me o clichê, uma questão do amor que alguém tem para dar. E às vezes é bom pensar que deve haver por aí muitas pessoas que percebem isso e têm-no para dar, na mesma quantidade e qualidade exorbitantes que Cameron nunca se fartará de nos mostrar.
Continuem a acompanhar-nos na escalada que faremos nos próximos tempos, até chegarmos ao cimo deste Top. Que acharam das personagens que foram referidas até agora? São bem-vindos a deixar os vossos comentários e opiniões no nosso Facebook.