European Film Challenge | O estranho mundo de Yorgos Lanthimos
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O European Film Challenge está de volta. Para te ajudar a participar nesta fantástica iniciativa, recolhemos aqui uma lista de recomendações cinematográficas tiradas da filmografia do grande Yorgos Lanthimos, autor de “A Lagosta” e “A Favorita”.
A Greek Weird Wave (Estranha Vaga Grega) é um dos movimentos cinematográficos mais marcantes no panorama europeu durante as últimas décadas. Marcado pela apologia do bizarro e do desconcertante, este cinema é feito para chocar o espectador e o levar aos limites da sanidade. Entre os seus preponentes, Yorgos Lanthimos afigura-se como o mais famoso, tendo expandido os seus horizontes desde as produções independentes da Grécia até à glória de Hollywood e dos Óscares.
De “O Meu Melhor Amigo”, em 2001, e “A Favorita”, em 2018, muito mudou e estamos aqui para explorar isso mesmo. Vem descobrir as maravilhas e os desgostos, os sucessos e os fracassos, o terror e o choque do cinema de Yorgos Lanthimos e seu estranho mundo. Vem ver como há ditames estilísticos transversais a toda a sua obra e como o seu estilo de direção de atores tem vindo a alterar-se ao longo dos anos.
Como não podia deixar de ser, começamos com o filme mais antigo e vamos progredindo cronologicamente. Usa as setas para mudares os slides e fica atento ao fim de cada texto para veres em que serviços de streaming podes encontrar os filmes. Aqueles que não têm plataformas online listadas, pelo menos estão, na sua maioria, editados em DVD para o público português.
Sem mais demoras, aqui fica a nossa odisseia pelo cinema de Yorgos Lanthimos…
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O MEU MELHOR AMIGO (2001)
Yorgos Lanthimos tem uma relação muito peculiar com este seu primeiro filme. No início da carreira, o cineasta não trabalhava ainda como realizador a solo e a sua longa-metragem inaugural foi feita em colaboração com Lakis Lazopoulos. Infelizmente, a parelha de realizadores não se entendeu muito bem e o fruto do seu trabalho foi uma tempestade de compromissos transigentes e ressentidos. De facto, tanta foi a infelicidade de Lanthimos com o produto final que, recentemente, ele chegou mesmo a dizer que não considera “O Meu Melhor Amigo” como sua obra.
Claramente, há uma vaga desconexão entre esta comédia de 2001 e os restantes títulos na filmografia do cineasta grego. Contando a história de dois amigos emaranhados numa relação à base de piadas de mau gosto e brincadeiras perigosas, o filme é uma balbúrdia surreal cheia de sexo. Mais ainda que a sua temática é a construção formal da obra que mais choca no contexto do cinema de Lanthimos. “O Meu Melhor Amigo” é um devaneio frenético que se desenrola a alta-velocidade. Pelo fim da comédia, o espectador sente-se exausto.
Com isso dito, apesar de Lanthimos não considerar o filme como uma expressão plena da sua visão artística, é interessante denotar elementos que se viriam a repetir na sua filmografia. Um pequeno interlúdio dançante ao som de Nancy Sinatra pressagia semelhantes epítetos de coreografia grotesca em “Canino” e “A Favorita”, por exemplo. “O Meu Melhor Amigo” não impressiona, mas serve como interessante objeto de estudo para fãs de Yorgos Lanthimos. Afinal, todos temos de começar algures e ninguém nasce ensinado, nem mesmo génios da sétima arte.
KINETTA (2005)
Depois dos desafogos e desapontamentos de “O Meu Melhor Amigo”, Yorgos Lanthimos demoraria quatro anos até se enveredar novamente pelo mundo da longa-metragem. Quando o fez, a proeza foi a solo e o resultado é um filme que pode não ser uma obra-prima, mas é certamente uma obra do autor. Aliás, “Kinetta” representa a primeira vez que Lanthimos explorou alguns dos temas principais da sua carreira.
Juntamente com “Canino” e “Alpeis”, “Kinetta” forma uma espécie de trilogia da alienação na Grécia contemporânea. Além disso, os três filmes lidam com questões de performance e atuação anti naturalista. Isso evidencia-se tanto no trabalho dos atores e na construção formal da obra, como na própria narrativa. Nesse sentido, “Kinetta” afigura-se como uma estranha experiência de meta-cinema, um jogo de fingimento que quase recorda o teatro Brechtiano e seu artifício autorreflexivo.
Focando-se em três estranhos na zona litoral grega, “Kinetta” conta a história de um polícia obcecado com BMWs, uma empregada das limpezas num hotel local e um fotógrafo excêntrico que unem forças para levar a cabo um estranho hobby. Como realizadores e encenadores amadores, eles recriam cenas de homicídio, atuando discussões de casais e atos de violência hedionda. Tão metódico é o seu lavoro, que o passatempo vai ganhando o ominoso ar de um ritual.
CANINO (2009)
Entre a parábola política e o teatro da provocação e do grotesco, “Canino” é uma obra-prima da Greek New Wave e o filme que colocou Yorgos Lanthimos no mapa. A obra estrou originalmente em Cannes, onde venceu o prémio máximo da Secção Un Certain Regard, sendo que viria ainda a conquistar a honra máxima do Lisbon & Estoril Film Festival e foi também nomeada para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Depois deste fenómeno, não havia cinéfilo no mundo que não conhecesse Yorgos Lanthimos.
A premissa central de “Canino” é tão simples como é perversa. Numa casa amuralhada, algures na Grécia contemporânea, vive uma família em que os filhos, já crescidos, jamais tiveram conhecimento ou acesso ao mundo exterior. Pai e mãe passaram toda a vida da sua prole a controlá-los com engodos e ilusões, tecendo uma fantasia de perigos horrendos no desconhecido que fica além do espaço doméstico. Criados em tal ambiente, os jovens são mal ajustados, psiquicamente alienados e ignorantes da moralidade corrente.
Através de imagens estéreis, rígidas nas suas composições e dissimuladamente suaves na pintura, Lanthimos concebe um filme que é tão mais perturbador pela natureza clínica da encenação. Brutalidades sangrentas, guerra psicológica, incesto e outros horrores sexuais assolam a domesticidade ignóbil desta família e nós somos testemunhas atónitas. É um maravilhoso circo do choque e do degredo que incomoda muito mais do que entretém e é, por isso mesmo, cinema indispensável.
“Canino” está disponível para streaming no site português da FILMIN.
ALPEIS (2011)
Depois do triunfo internacional de “Canino”, muitos eram os espectadores e críticos que ansiavam a estreia do próximo filme de Yorgos Lanthimos. Sedentos por novas experiências grotescas e curiosos para ver quais os próximos passos do jovem autor, este público expectante foi um tanto ou quanto desapontado por “Alpeis”, ou “Alpes” em tradução literal para português.
Tal como “Kinetta”, esta é uma experiência de performance meta-textual, uma dramatização do ato de dramatizar a vida. À semelhança também de “Canino”, trata-se de um retrato de como o faz-de-conta escapista pode conceber estranhos buracos negros na realidade mundana. Neste caso, trata-se do retrato de um grupo de quatro indivíduos, uma ginasta e seu treinador, uma enfermeira e um médico, que oferecem um serviço peculiar a pessoas que tenham perdido entes queridos recentemente.
Por um preço, eles fingem ser o morto para que seus clientes possam resolver quaisquer revelias emocionais que tenham sido interrompidas pelo inesperado falecimento. Dessa premissa nasce uma colagem de perda, um miasma de desejos ilícitos mesclados com o sabor do luto. É um filme que faz pensar e amedronta, mas cujas conclusões são um tanto ou quanto insípidas, ambíguas sem propósito e dolorosas também.
A LAGOSTA (2015)
Muitos são os realizadores internacionais que vacilam quando fazem o seu primeiro filme anglófono. Depois de mais de uma década a fazer cinema na sua pátria grega, Yorgos Lanthimos atreveu-se a arriscar essa transição e acabou por fazer um dos seus melhores filmes. Ao invés de diluir o seu génio, o lavoro da tradução apurou-lhe o engenho e aguçou a técnica, conjurando um futuro distópico onde o romance se tornou numa tirania.
No universo de “A Lagosta”, pessoas solteiras são forçosamente internadas numa estância com outros infelizes sem par. Todos eles têm um tempo limite para formar novos casais, pois se, ao fim dos dias contados, eles ainda não tiverem um parceiro romântico, serão transfigurados em animais. Os que tentam fugir à ordem social são caçados como bestas, o que levou à formação de uma fação antissistema, antirromântica e assexual que luta contra a opressão deste universo obcecado com o amor superficial.
Colin Farrell é o protagonista deste conto bizarro, com Rachel Weisz, Olivia Colman, Léa Seydoux, Ben Whishaw e John C. Reilly em papéis secundários. Nem mesmo a presença destes nomes sonantes diluiu a vertente anti-naturalista que Lanthimos desenvolve com seus atores, sendo que todo o elenco se submete à peculiar cadência do argumento do grego, sua desumanidade estudada e mecanização do comportamento. Pelo seu guião, Lanthimos foi nomeado para o Óscar.
“A Lagosta” está disponível para alugar através da MEO.
O SACRIFÍCIO DE UM CERVO SAGRADO (2017)
Depois do primeiro sabor do cinema anglófono, parece que Lanthimos lhe tomou o gosto. Logo a seguir a terminar a produção de “A Lagosta”, o cineasta começou o trabalho em “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado”, uma perversa tragédia suburbana onde os crimes do passado vêm assombrar a família de um cirurgião americano. Colin Farrell volta a protagonizar, mas o seu papel aqui é infinitamente mais repugnante que o herói de “A Lagosta”.
De facto, todas as personagens deste filme são um tanto ou quanto asquerosas. Desde o cirurgião irresponsável que matou pacientes com sua negligência, até à sua filha adolescente que se apaixona pelo jovem perturbado que a está a envenenar a ela e ao resto da família. Até a câmara parece querer manter a distância destas pessoas, circulando em seu redor como um predador que observa a presa ou, quiçá, como a presa que mira aterrorizada o seu caçador.
Em todo o caso, o filme é um triunfo de desconforto cinematográfico. Tudo colabora para nos dar arrepios, especialmente a nível formal. Vejam-se as composições cheias de espaço vazio que parece pesar sobre as personagens, os cenários clínicos cheios de ventoinhas afiadas por cima de camas de criança, a banda-sonora estridente e a montagem fragmentada. Nesse sentido, “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” impressiona, mesmo que deixe um pouco a desejar ao nível da narrativa.
Podes alugar “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” através da MEO e Rakuten TV.
A FAVORITA (2018)
Dizer que “A Favorita” é o filme mais naturalista na carreira de Yorgos Lanthimos não é o mesmo que dizer que a obra se aproxima de uma representação mimética da realidade. As performances dos atores podem ser menos abrasivamente estilizadas que nos trabalhos anteriores do cineasta, mas, se possível, a história e a estética vigente só ficaram mais afiadas que antes. Nada podia ser mais apropriado para um filme que olha para o milagre do amor romântico como um cadáver decomposto a necessitar de autópsia e dissecação.
Partindo da história real da Rainha Anne da Grã-Bretanha e suas amantes, este filme de época recria a corte setecentista com ousadia. Renda torna-se em vinil cortado a laser e o parlamento parece duas equipas desportivas prontas a defrontar-se, uns vestidos com vermelho e outros de azul, com perucas empoadas e patos domesticados a servirem de constante companhia. É um circo de intriga e bizarria, um palco onde se desenrola uma tragédia sobre poder e domínio, sobre submissão como escada social e paixão como arma política.
Olivia Colman famosamente ganhou o Óscar para Melhor Atriz Principal numa vitória surpresa que é das mais gloriosas na história do prémio. A sua Anne é um caco humano, estilhaçada pela dor crónica e sempre esfomeada pela anestesia que é a atenção de uma amante. Por seu lado, Rachel Weisz dá vida a uma mulher de guerra e política, cujas palavras se vão tornando mais venenosas à medida que o desespero lhe afoga a mente. Emma Stone é a última parte do triângulo amoroso, retratando uma discípula de Maquiavel que parece ser a pessoa mais inocente em cena até que a máscara lhe escorrega e sua alma pérfida é revelada. Ver estas três atrizes em “A Favorita” é um espetáculo sem igual.
Podes comprar “A Favorita” através da Rakuten TV, Google Play, Youtube e Apple iTunes.
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